Dando continuidade a nossa pesquisa panorâmica de artistas negras brasileiras contemporâneas, selecionamos mais uma lista com 15 nomes que você precisa conhecer. Muitas delas criam, em ambientes plásticos, possibilidades de vida que ainda não experienciaram. Elas elaboram narrativas distantes dos estereótipos de violência, entendendo que a aura de afeto transmitida em seus trabalhos são também um ato político.
Enquanto ainda se fizer necessário listar pontualmente produções como essas para desconstruir as estruturas racistas e patriarcais que nos moldam, continuaremos atualizando novas listas. Para além de uma reparação histórica, nós entendemos a importância do pluralismo e de incentivar o consumo de arte dos nossos contemporâneos ainda em vida. Por isso, todos os nomes abaixo são de artistas nascidas depois de 1970 e que estão em ascensão ou que já se consolidaram no circuito.
O intuito aqui é trazer pinceladas sobre essas trajetórias para então despertar seu interesse em buscar acompanhá-las e mergulhar em suas criações, caso ainda não conheça.
1. Silvana Mendes
Nascida em São Luís, em 1991, Mendes é uma artista visual que desdobra seus trabalhos por meio da colagem digital, do lambe, da fotografia e do muralismo. Uma de suas séries mais conhecidas chamada Afetocolagens – que está presente na exposição Um defeito de cor no MAR – parte de uma pesquisa sobre as imagens do período colonial brasileiro que registravam homens e mulheres negras apenas pelo caráter etnográfico. Mas seu processo criativo sempre passa por uma camada de desconstrução de visualidades negativas e estereótipos comumente impostos aos corpos afrodescendentes. Assim, Mendes apresenta como resultado, ressignificações carregadas de poesia e afeto, como indica o nome da série em questão.
2. Aline Bispo
Muito provavelmente você já viu a capa do bestseller Torto-arado, de Itamar Vieira Junior. Sua ilustração foi feita pela artista visual, ilustradora, muralista e curadora, Aline Bispo. Nascida em São Paulo, em 1989, ela desenvolveu uma investigação poética para questionar a miscigenação brasileira, gênero, sincretismos religiosos e etnia, traduzindo-a em cores vibrantes e elementos etnográficos, como espadas-de-são-jorge, representações de orixás e símbolos da bandeira brasileira. Entre as suas linguagens mais adotadas estão a pintura manual e digital, a performance, a gravura e, mais recentemente, ela também tem se aventurado no universo audiovisual.
3. Aline Motta
A artista nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, em 1974, e hoje em dia vive em São Paulo. Seus trabalhos são conhecidos por proporem narrativas poéticas em fotografia, vídeo e instalação, na tentativa de questionar violências estruturais e apagamentos históricos. Ela costura caminhos entre a ficção e até mesmo a sua própria biografia para reconfigurar memórias coletivas, em especial as afro-atlânticas. Motta tem tido destaque em cenário nacional e internacional, fazendo parte de importantes coletivas, a citar como exemplo a Histórias Feministas, artistas depois de 2000, no MASP, e Histórias Afro-Atlânticas no MASP e Instituto Tomie Ohtake, além de outras na Argentina, França e Nova York. E ainda, não podemos deixar de citar também, sua significativa individual no MAR, em 2020: Aline Motta: memória, viagem e água.
4. Yedda Affini
A artista, produtora cultural e curadora, possui uma produção plástica expressa sobretudo em fotografia e performance. Affini costuma retratar seus rituais e a natureza em diálogo com os corpos de mulheres negras. Dessa maneira, ela constrói imagens que referenciam a ancestralidade africana e suas heranças, transmitindo autocuidado e sopros de brandura, em contraponto com os imaginários do corpo negro objetificado que nos cercam. Nascida em 2002, a carioca é a artista mais jovem a compor o acervo do Museu de Arte do Rio de Janeiro.
5. Larissa de Souza
Nascida na Zona Leste de São Paulo, em 1995, a artista que tem tido uma alta demanda de vendas, nunca estudou artes formalmente. Por meio da pintura, ela produz cenas carregadas de simplicidade, completamente cotidianas, que protagonizam a figura da mulher negra. Suas pesquisas cromáticas se refletem em um estilo pictórico gracioso, ao mesmo tempo sagaz. Alguns dos elementos que se repetem ao longo de sua produção, são repletos de simbolismo, como o caju, fruta brasileira e nordestina, que representa a origem da avó cearense. Outros já fazem alusão a iconografias religiosas, como o dourado que remete à Oxum, e Sankofa, um conjunto de símbolos originários da África Ocidental, que a artista costuma agregar nas molduras.
6. Maria Macêdo
Indicada ao Prêmio PIPA 2022, a artista, educadora e pesquisadora cearense, nasceu em 1996, num distrito chamado Quitaiús, que hoje está em processo de retomada indígena. Por ter crescido em uma família de agricultores e retirantes, hoje Macêdo compreende e pauta em seus trabalhos o êxodo rural como uma desapropriação de terras. A partir da ciência da mata, das vivências enquanto mulher negra e nordestina, ela produz obras em vídeo e fotoperformance, pinturas e instalações, baseadas nas lacunas historiográficas e na sua relação com o labor.
7. Samara Paiva
Paiva é uma artista que nasceu em Maués, no Amazonas, em 1995, e hoje vive e trabalha em Manaus. Sendo formada como arquiteta e urbanista, se desenvolveu no universo plástico de forma autodidata. Em seu portfólio encontramos uma produção baseada em telas que partem de sua experiência como mulher negra no mundo. Tendo o ambiente doméstico como cenário principal, suas imagens revelam momentos do cotidiano que te convidam a se aproximar das intimidades das personagens em momentos de solitude.
8. Igi Lola Ayedun
É difícil categorizar uma artista tão multifacetada como Ayedun. Além de ser um nome notável na moda nacional e internacional, ela também é comunicadora, artista visual e fundadora da HOA – a primeira galeria brasileira fundada e dirigida por equipe 100% negra. Com apenas 32 anos, nascida na periferia de São Paulo, Ayedun já possui mais de dezessete anos de carreira. Uma de suas pesquisas plásticas mais populares têm a cor azul como objeto de partida para compreender as rotas globais do índigo, o legado histórico do lápis-lazúli e o poder dos minerais para reconstruir a vida.
9. Castiel Vitorino Brasileiro
Nascida em 1996, no Espírito Santo, Castiel é artista, escritora, psicóloga clínica e pertence a uma linhagem de família AfroBantu. Portanto, em suas produções ela combina as práticas terapêuticas com seus estudos sobre a cosmovisão de sua ascendência. Suas fotografias, vídeos, danças, pinturas e instalações – também chamadas de ‘templos’ pela artista – compreendem a cura como um estado provisório de alinhamento entre as inúmeras vidas que simultaneamente compõem uma pessoa. Podemos destacar como exemplo a obra Eclipse, que consiste em um ambiente criado para instigar processos de cura e autoconhecimento, que foi exposto no Hessel Museum of Art, em Nova York, no ano passado.
10. Lidia Lisboa
Natural de Paraná, 1970, Lisboa se mudou para São Paulo aos 16 anos, onde trabalhou em um ateliê de alta costura. Apesar de ter mudado de percurso, migrando para as artes visuais, hoje podemos perceber como a experiência pode ter influenciado sua produção atual, muito baseada em tecidos, costura e crochê. Sua pesquisa evoca memórias de uma infância cercada pelo campo, assim como abordam as formas do corpo feminino, o processo da maternidade e as relações que os modos de vida estabelecem com a territorialidade. Hoje ela já possui grande notoriedade no circuito, tendo exposto em relevantes exposições nacionais como a 12ª Bienal do Mercosul, Enciclopédia Negra, Carolina Maria de Jesus: um Brasil para brasileiros, além de outras individuais.
11. Panmela Castro
Originalmente pichadora do subúrbio do Rio de Janeiro, Panmela dedica-se especialmente à performance e à pintura, para pautar criticamente, a partir de suas cruéis experiências pessoais do passado, temáticas sobre a performance de feminilidade, racismo e heteronormatividade.
Em 2011 ela fundou a Rede NAMI, uma organização para proporcionar redes seguras para mulheres, pessoas racializadas e LGBTQIAP+. A iniciativa foi homenageada no plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), recebendo o Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos neste ano.
12. Keila Sankofa
Nascida em Manaus, em 1985, Sankofa transita entre as artes visuais e a produção cinematográfica, além de atuar como Gestora do Grupo Picolé da Massa, membra da APAN Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro, Nacional Trovoa e do Coletivo Tupiniqueen. Suas obras em vídeo, fotografia e performance comumente fazem referências aos fazeres e saberes ancestrais e são realizadas, sobretudo, em espaços públicos, entendendo-os como uma ferramenta de promoção de um diálogo não-hierárquico com os espectadores.
13. Luana Vitra
Nascida e crescida no estado de forte presença de minérios, em Minas Gerais, Vitra utiliza materiais de construção civil, sobretudo os ferros, para representar seus discursos visuais. A artista, de 1995, veio a se aproximar das artes por meio da dança, depois experimentou a moda e então se encontrou recentemente como artista experimental e performer. Seus trabalhos reconfiguram símbolos do presente e do passado, levantando questões estruturais e políticas do Brasil.
No final de 2018 ela criou uma obra que foi recentemente incluída na exposição Atos de Revolta do MAM-Rio e tem chamado atenção também nas redes sociais. Bandeira nacional atualizada, como o próprio nome indica, é uma releitura da nossa bandeira nacional feita com cimento e lama sobre tecido americano cru, chamando atenção para a causa ambiental frente ao aumento do desmatamento para dar espaço a pastos, mineração e a ampliação do meio urbano.
14. Márcia Falcão
A artista se debruça especialmente na linguagem da pintura, onde seus gestos marcados e tinta espessa articulam problemáticas do corpo feminino. Ela parte de sua experiência pessoal como mulher nascida em 1985 na periferia do Rio de Janeiro, atravessada por uma paisagem dubiamente bela e violenta. Além disso, ela também se apropria de imagens iconográficas da história da arte e sempre cria composições figurativas que questionam estereótipos entre símbolos que marcam o passado e o cotidiano da cidade.
15. Musa Michelle Mattiuzzi
A violência colonial e os estigmas sociais que constituem a subjetividade da mulher negra no Brasil é um tema recorrente no trabalho da artista visual paulista, que também é diretora de cinema e teórica. Nascida em 1983, Mattiuzzi subverte mecanismos de exotização do corpo negro, colocando sua própria imagem como protagonista de suas produções.
Seu premiado filme Experimentando o Vermelho em Dilúvio II (2016), deriva de uma caminhada ritual até a estátua de Zumbi dos Palmares, no centro da cidade do Rio de Janeiro, pensando nos corpos racializados marcados pela colonialidade numa perspectiva de reativar memórias e conhecimentos da ancestralidade negra.