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Uma exposição e cinco obras sobre religião

Da mostra em torno do Presépio Napolitano do MAS-SP ao vídeo de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, conheça as incursões da arte no tema sagrado nesta época de Natal

por Luciana Pareja
Detalhe do Presépio Napolitano no Museu de Arte Sacra (foto: Cecioka/ Wikimedia Commons)

O Natal está chegando e, com ele, nada como fazer um passeio pelo sagrado nas artes visuais. Muito além das tradicionais obras do barroco brasileiro, que imortalizaram passagens da Bíblia pelas mãos talentosas de nomes como Aleijadinho e Mestre Ataíde, a arte contemporânea vem se apropriando dos temas sacros sem nenhuma cerimônia e com uma postura crítica que se vale de sexualidade, política, sociedade e muitas outras questões para refletir sobre o papel das religiões em nossas vidas. Em uma exposição e cinco obras, veja nossa seleção sobre abordagens religiosas variadas – e até polêmicas – que a arte de nossos dias propõe.

Vídeo de Massuelen Cristina (foto: MAS-SP)

Exposição Vai na Fé, no Museu de Arte Sacra

O Presépio Napolitano, uma enorme representação do nascimento de Cristo em plena Nápoles do século 18 com mais de 1600 peças, doada pelo mecenas Ciccillo Matarazzo ao Museu de Arte Sacra de São Paulo em 1970, é o fio condutor da exposição Vai na Fé. Com curadoria tripla da gestora do Ateliê 397 Thais Rivitti e de dois integrantes do seu Grupo de Curadoria, Daisy Estrá e Lucas Goulart, a mostra apresenta trabalhos que dialogam com o Presépio e com obras do acervo do museu.

Assim, Andrey Koens apresenta a geolocalização do exato lugar onde Jesus teria nascido, em Israel, e Massuelen Cristina exibe um vídeo com a rotina de uma senhora que vive em Sabará e tem seu cotidiano permeado por ritos católicos e cercado pela paisagem sacra colonial. Participam ainda os artistas Heitor Ramalho, Jocarla, Matheus Chiaratti e Pablo Vieira.

Desenhando com terços (2000) de Márcia x (foto: Vicente de Mello)

Desenhando com Terços (2000), de Márcia X

Com sua obra polêmica, a carioca Márcia X questionava o papel da mulher na sociedade, tensionando os limites impostos pela religião e pelo consumo aos indivíduos em geral e, mais especificamente, ao gênero feminino. Em seus trabalhos, a artista descontextualizava elementos cotidianos, conferindo a brinquedos e objetos religiosos um caráter erótico, e a objetos eróticos um caráter religioso ou infantil. Um bom exemplo é a polêmica Desenhando com Terços (2000), em que terços católicos são posicionados no chão em formato de pênis. A obra continuou causando mesmo depois da morte da artista: em 2006 foi retirada da exposição Erótica – os Sentidos da Arte, no CCBB, por causa dos protestos de grupos religiosos extremistas. Revoltados, os artistas se manifestaram contra a exclusão do trabalho, impedindo a itinerância da mostra ao CCBB Brasília.

Torradeira, uma das obras de Léon Ferrari que criticam a Igreja Católica (foto: Divulgação)

Torradeira, da série Ideias para Infernos (2000), de Léon Ferrari

O portenho Léon Ferrari, conhecido por suas incursões no concretismo e abstracionismo, ficou mesmo famoso internacionalmente por suas obras profundamente políticas criticando a ditadura em seu país (quando morou por 15 anos em São Paulo, Brasil), em que a religião surge como uma forma de “espiritualização” da repressão de direitos e desejos, constituída ao longo de séculos de condenações e torturas assimiladas pelos Estados laicos em tempos de supressão da democracia. Por isso, foi um crítico ferrenho da Igreja Católica, criando imagens ao mesmo tempo impactantes e irônicas. É o caso de Torradeira, da série Ideias para Infernos (2000), em que o artista usa uma torradeira, símbolo da sociedade de consumo, como simulacro do fogo eterno do Inferno bíblico. 

A drag Márcia Pantera como sacerdotisa do templo de Yael Bartana em Inferno (2013)

Inferno (2013), de Yael Bartana

Utilizando como cenário o Templo de Salomão, instalação suntuosa da Igreja Universal do Reino de Deus localizada no Brás, o curta Inferno (2013), da artista israelense Yael Bartana, remete à história bíblica do templo original, destruído num incêndio em 587 a.C., como um exemplo da ruptura das tradições antigas em prol de uma reinvenção religiosa mais preocupada com o consumo e o dinheiro. A superprodução tem direito a uma sacerdotisa queer interpretada pela lendária drag queen Márcia Pantera.

Frame de Terremoto Santo (2017)

Terremoto Santo (2017), de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca

O casal de artistas Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, que neste ano teve uma minirretrospectiva com cinco de seus trabalhos exibida no New Museum (NY), é conhecido por seus vídeos que abordam aspectos da sociedade brasileira a partir de manifestações culturais particulares. Em Terremoto Santo (2017), a adesão de jovens à igreja evangélica na cidade de Palmares (PE) mostra como o canto gospel acabou se tornando uma opção de carreira na região, conduzindo a vida social de seus habitantes.

Instalação de Rommulo Vieira Conceição em Inhotim (foto: Inhotim)

O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção (2021), de Rommulo Vieira Conceição

O espaço contemporâneo e suas relações com os seres humanos são os temas abordados pelo artista soteropolitano Rommulo Vieira Conceição em seus trabalhos, que transitam pela instalação, desenho, escultura, pintura e a fotografia. Em O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção, inaugurado em Inhotim em 2021, o artista se apropria de formas que remetem tanto a elementos arquitetônicos religiosos, como arcos e topos de mesquitas, quanto a um parquinho de crianças com suas cores e peças lúdicas, sugerindo que a delimitação do espaço na construção de representações sociais pode ser compreendida como um intricado jogo de armar, que não deixa de ser pueril em certa medida.

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