“Isso é algo que não tem sido permitido para pessoas negras, encarar as pessoas brancas de volta. Tem sido perigoso’, explica Frida Orupabo sobre as figuras que usa em seus trabalhos. “Há algo poderoso no olhar desses sujeitos, que encaram as pessoas que estão tirando as fotos. Estão cheios de raiva, mas há também uma forma de resistência. A maioria olha diretamente para você; te obriga a vê-las, mas elas também te veem. Criar trabalhos que ‘olham de volta’, para mim, é questionar uma ‘mirada branca’ e sua percepção do corpo negro”, conclui a artista e sociologa que ganha, no dia 28 de agosto, uma individual dedicada ao seu trabalho no Museu Afro Brasil.
Artista nigero-norueguesa trabalha essencialmente com o formato digital: se alimenta de imagens disponíveis na internet, desconstruindo-as e recontextualizando-as em colagens, colagens e fotomontagens que criam novas narrativas e refletem experiências pessoais e coletivas. “Preciso ver resistência no olhar das pessoas para escolher uma imagem. Quero criar imagens que são contra a objetificação, especialmente da mulher negra”, pontua Orupabo.
Em 2013 ela abriu um perfil de Instagram (@nemiepeba) onde vem construindo, desde então, uma espécie de interminável colagem digital, constituída por imagens, textos e vídeos, originais e apropriados, que registram e expõem o legado duradouro do colonialismo em cenas e imagens que vão do racismo e do sexismo mais explícitos a exemplos de violência familiar e questões envolvendo gênero e identidade. Seu arquivo digital constitui também o ponto de partida da maioria das suas obras físicas, nas quais a artista permanece sem revelar a identidade dos sujeitos – cujas imagens anônimas e martirizadas são de domínio público e derivadas dos processos coloniais de objetificação. “Minha mãe é norueguesa e meu pai nigeriano, mas ele foi embora cedo. Então, eu cresci com minha mãe e minha irmã na Noruega. A maioria das pessoas era branca…então, a pele foi sentida, notada. Acho que meu trabalho está impregnado por essa experiência. Sempre me questiono: o que significa ser uma mulher? O que significa ser negra?“, ressalta a artista. “A conta do Instagram foi criada para trabalhar coisas que acho difícil. É como escrever um diário, preciso fazer. É sobre raiva, tristeza, depressão, sobre unir coisas de que não deveriam estar no mesmo espaço e tempo e criar novas narrativas”, conclui.
Embora seu processo de trabalho mantenha uma relação direta com a fluidez da internet, Orupabo utiliza um método de composição quase artesanal. O processo de corte e recomposição das imagens adquire, assim, uma dimensão íntima, pessoal e afetiva, que contrasta com a violência exposta nos corpos fragmentados de mulheres negras, seus membros e troncos reunidos em estranhas, aflitivas marionetes articuladas, cujo olhar imóvel nos acusa. “O trabalho fala sobre um entendimento de um ‘nós’ e um ‘eles’ , onde o ‘nós’ é construído pela branquitude no centro, algo que é uma norma, uma normalidade. É ligado à permissão de poder olhar, enquanto as pessoas construídas como o outro não tem essa permissão. Elas não estão no centro, não são normais, algo para o qual se deve olhar. Acho que eu não poderia trabalhar com imagens coloniais se não entendesse o poder do olhar”, articula. “Não quero que as pessoas se sintam confortáveis, quando elas olham o meu trabalho. Elas devem focar nelas mesmas, não na obra.Quero que as pessoas tenham consciência de seu próprio olho e sua posição”, conclui.
*A exposição foi realizada em parceria com a Fundação Bienal de São Paulo e faz parte da programação da 34ª Bienal de São Paulo, Faz escuro mas eu canto.
Frida Orupabo
Data: De 28 de agosto até 5 de dezembro
Local: Museu Afro BrasilEndereço: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n, Portão 10