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Tate Modern abre retrospectiva de Zanele Muholi

Ativista visual quer mostrar o lado íntimo do mundo LGBTQI+ na África do Sul e desafiar os significados de identidade, raça e resistência

por Beta Germano

 

Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi

“Meu maior desejo é encontrar no wikipedia relatos positivos sobre negras lésbicas. Hoje você só acha assassinatos brutais. Dê um google em ‘lésbicas negras na África do Sul’ e veja: não haverá nada sobre amor entre pessoas do mesmo sexo versus os crimes de ódio. Quando vamos começar a falar sobre intimidade? ” declarou Zanele Muholi em entrevista para a Human Rights Watch. Após ganhar notoriedade ao retratar mulheres negras lésbicas, cis ou transgêneras, na África do Sul, Zanele abriu sua retrospectiva com mais de 260 fotografias, na Tate Modern, depois de sucessivas aberturas e fechamentos dos museus em Londres de acordo com a evuloção da pandemia do COVID-19. Mais que artista, ela é uma ativista visual.

ID Crisis, de Zanele Muholi
ID Crisis, de Zanele Muholi

Mais que mulher, militante de gênero não binário. Zanele luta para dar visibilidade a comunidades marginalizadas e que sofrem abusos, reunindo um verdadeiro “exército de recusantes, pessoas que põem-se frontalmente diante da câmera e devolvem o olhar a quem pretenda lhes negar espaço no mundo”, como explica a crítica Bronwyn Law-Viljoen. Fala sobre raça e representação; sobre eurocentrismo e política sexual. Mas não há vitimização em sua obra e sim beleza, intimidade, individualidade e pertencimento.

Faces and Phases, de Zanele Muholi
Faces and Phases, de Zanele Muholi

Em Faces and Phases, fotografou mais 300 mulheres lésbicas em diferentes períodos de suas vidas com um objetivo claro: ressaltar construções de identidades que confrontam noções preconcebidas quando o assunto é gênero, classe, sexualidade e raça. E expor a real situação em muitas comunidades sul-africanas nas quais homossexuais são alvo de crimes de ódio. A base de sua pesquisa está em Kwa-Thema, cidade próxima de Johanesburgo: “Entre 2008 e 2012 muitxs foram assassinadxs de forma brutal e foram vítimas de estupros corretivos por serem gays. Cansei de ir aos funerais de lésbicas, voltar para casa e esperar o próximo funeral. Eu tinha que documentar aquilo! Queria capturar esses momentos de verdades e realidades, e oferecer algo tangível ao espectador, convidando-o a estar nesses espaços”, explica. As imagens são construídas de forma precisa e cada detalhe nasce de decisões estéticas e políticas: pense em ícones para a história da arte africana, como Seydou Keïta e Samuel Fosso, e repare nos fundos que viram texturas, padrões e molduras – uma cortina improvisada, panos, cobertores, parede de tijolos ou porta de garagem. E xs participantes ( assim prefere chamá-lxs) olham diretamente para a câmera, há um ar de intimidade trocado com Zanele e, ao mesmo tempo, um olhar que desafia o espectador. “A exposição destas imagens é uma forma de mostrar ao mundo que existimos e que somos humanxs.”, explicou uma dxs fotografadxs em Brave Beauties, série composta por imagens de poderosas pessoas não-binárias. 

 Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi

As absolutamente deslumbrantes são os autorretratos de Somnyama Ngonyama (“Salve a Leoa Negra”em Zulu) que exploram sua negritude e individualidade numa espécie de readymade fashionista:  grampos do varal, pedaços de plásticos, esponjas, pentes, fita adesiva, caneta colorida, pneus de borracha, luvas de latex, um banco, uma extensão elétrica, galhos, alfinetes de segurança – qualquer objeto que aparece no cotidiano de Zanele pode virar adorno corpo e cabelos desta ativista visual que discute, aqui, a dificuldade em representar corpos e identidades que são varridas por um fluxo de interpretações descontroladas e equivocadas. 

 Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi

São imagens que desafiam os significados de identidade, raça e resistência, nos obrigando a refletir sobre as possibilidades de uma mulher negra na sociedade global de hoje – especialmente nas mídias e espaços convencionais. “Quero incentivar os indivíduos da minha comunidade a serem corajosos o suficiente para ocupar esses espaços; para criar sem medo de serem difamados. Quero mostrar a nossa história, repensar sobre o que é a história, e recuperá-la para nós mesmos; incentivar as pessoas a usar ferramentas artísticas, como câmeras, como armas para revidar.” Enquanto as comunidades negras e  LGBTQI + permanecerem marginais, enquanto os índices da violência teimam a não abaixar, enquanto a identidade sul-africana estiver renegada, Muholi continuará a fotografar.

Zanele Muholi

Data: até junho de 2021

Local: Tate Modern

Endereço: Bankside, London SE1 9TG, Reino Unido

 Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
 Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi
Somnyama Ngonyama, de Zanele Muholi

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