Nascida e criada em Contagem, cidade industrial de Minas Gerais conhecida por paisagens naturais imponentes e marcada pelas atividades de mineração, Luana Vitra traz, para suas produções, narrativas enraizadas em suas origens. Como parte do quarto e último Ato do “Programa Abdias Nascimento e o Museu de Arte Negra”, o Instituto Inhotim apresenta sua mais recente instalação, a obra “Giro”, comissionada para a galeria Marcenaria.
A ascendente artista, que tem atraído mais holofotes desde sua participação na 35ª Bienal de São Paulo, vê sua produção poética florescer ao se instalar em Brumadinho. Aqueles que visitam Inhotim logo percebem, na estrada que conduz à instituição, a presença constante de caminhões de mineração transportando toneladas de terra da cidade. Na inauguração da mostra, ela compartilha sobre sua conexão com esse território “cheio de ausências”: “Eu estou falando aqui do meu campo de afeto e de ancestralidade, entendendo o ferro como o meu ancestral mais próximo, que me ensina e fundou a minha maneira de pensar”.
Inspirada pelo ofício de seu pai na marcenaria, a artista conta sobre seu interesse pelas curvas nas madeiras conferidas pelo torno: “me encantava essa forma que é dada pelo giro”. A poética conferida pela técnica, descrita por Vitra como um “transe da matéria”, desperta nela o desejo de futuramente também realizar outras exposições como desdobramento desta, destacando o “giro da madeira” e “dos metais”.
Ainda que em sua produção haja uma atenciosa preocupação estética e o emprego de práticas modeladoras, seu trabalho se assemelha a um despertar poético e espiritual das materialidades, visando suas autonomias: “o que eu faço é adicionar uma outra camada de voz, junto à que a matéria já vem pronunciando”.
Desde o crime do rompimento da barragem de Brumadinho em 2019, Vitra se debruça a investigar sobre o desaparecimento das paisagens. Ela destaca duas formas pelas quais estas se dissipam: uma natural, a partir de um fenômeno óptico, e outra artificial, causada pela exploração da terra. A primeira compreende a contemplação visual do horizonte, onde as montanhas se revelam, em primeiro plano, na cor da terra ou da vegetação, seguidas por tons de azul que se alvejam até desaparecerem no branco, devido às limitações da nossa visão e poluições atmosféricas. A segunda forma refere-se à “dor que Minas Gerais carrega”, testemunhando seus relevos transformarem-se em sulcos pela exploração humana.
A partir desta pesquisa, Vitra transpõe seus desenhos para a cerâmica, confiando a moldagem a Benedikt Wiertz e Alex Santana, artesãos de Brumadinho e Belo Horizonte, respectivamente – convidados pela artista para contribuir com a obra, ampliando seu diálogo com o contexto local. Os vasos resultantes, elaborados em duas camadas de materiais, desvelam delicados desenhos de montanhas em tons terrosos de argila ao remover a camada superior de cerâmica branca, oferecendo uma metáfora visual do impacto humano na paisagem.
Além das simbologias das cores, outros signos se revelam na exposição por meio dos metais. O cobre, sendo o segundo metal mais condutivo que temos conhecimento, aparece na obra de Vitra também como representante da operação de energia. Se na sua obra da Bienal, as flechas-patuás apontavam para diferentes direções, inclusive para baixo, refletindo os traumas do passado escravista na região de Ouro Preto, marcados pela morte devido a gases tóxicos provenientes da extração mineral, agora, todas as setas estão voltadas para cima, como um gesto de possibilidade “sobre o vetor de energia que o trabalho tem gerado”.