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Cinco obras de artistas argentinos que lutam pela democracia

Descubra as expressões artísticas que ecoam a resistência contra a ditadura mais violenta da América do Sul

por Giovana Nacca

Hoje (19) a população argentina irá às urnas para escolher, entre o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei, quem presidirá o país pelos próximos quatro anos. Sob esse clima de forte tensão política, ressoa a frase atribuída a Mário Pedrosa: “Em tempos de crise, fique do lado do artista” – ou da arte. Ao longo da história mundial, artistas transformaram seus trabalhos em ferramentas poderosas na luta pela democracia, e na Argentina, esse compromisso não é exceção. Nesse sentido, trouxemos cinco trabalhos que nos convidam a revistar o passado e, a partir da análise das respostas desses artistas frente aos períodos autoritários, lançar luz sobre os futuros caminhos da democracia. 

  1. Marta Minujín, “El Partenón de libros”, 1983
Marta Minujín, “El Partenón de libros”

Marta Minujín tem chamado grande atenção do público brasileiro por suas obras infladas e interativas expostas na exposição “Ao Vivo” da Pinacoteca de São Paulo. Mas não se deixe enganar pela ludicidade de suas proposições, afinal esse caminho destina suas críticas políticas. Especialmente entre as décadas de 1970 e 1980, período da ditadura militar argentina, a artista direcionou suas práticas artísticas para conscientizar sobre a realidade sociopolítica e promover a integração entre os países da região.

Uma de suas séries mais célebres é “La caída de los mitos universales”, na qual ela propõe uma reflexão sobre a simbologia de grandes monumentos como o famoso obelisco na praça da República, em Buenos Aires; a estátua da Liberdade, em Nova York; e o Panteão, na Grécia. Dentre estes, pode-se dizer que destaca-se “El Partenón de libros”. Em 1983, a artista juntamente com voluntários locais recriou na Avenida 9 de Julio de Buenos Aires o Panteão grego, usando uma estrutura de metal preenchida por livros que foram proibidos durante a ditadura argentina que acabara de colapsar. Na desmontagem, a polícia ajudou a distribuir os livros para estudantes.

  1. Marcelo Brodsky, “1º Ano, 6ª Divisão, Foto da Turma 1967”, 1996
Marcelo Brodsky, “1º Ano, 6ª Divisão, Foto da Turma 1967”, 1996

Marcelo Brodsky, um artista argentino descendente de judeus russos, utiliza a fotografia combinada com texto como principal ferramenta para abordar questões sociais e políticas, destacando as violações dos direitos humanos na América Latina. Seu olhar crítico já se estendeu inclusive ao Brasil, como evidenciado em sua obra que multiplicou a imagem de Marielle Franco em diversas cores, ao estilo Andy Warhol.

O artista começou a estudar e praticar fotografia durante seu exílio em Barcelona por volta da década de 1980. Ao retornar à sua terra natal, revisitou fotografias de familiares e colegas do Colégio Nacional de Buenos Aires, instigado a descobrir o destino de cada um. Desse contexto nasce uma de suas obras mais conhecidas, a série “Buena Memoria” de cinquenta e cinco imagens e dois vídeos. A partir do resgate das histórias pessoais daqueles que sofreram perdas e desaparecimentos durante o regime ditatorial, o artista cria um testemunho visceral da memória coletiva. No cerne desta pesquisa está “1º Ano, 6ª Divisão, Foto da Turma 1967”, uma peça central que apresenta anotações em diferentes cores com algumas atualizações, entre ternas e trágicas, sobre os adolescentes de sua turma do primeiro ano do ensino médio do artista.

  1. Josefina Auslender, “Los Cuerpos 03”, 1979
Josefina Auslender, “Los Cuerpos 03”, 1979

No final da década de 1970, a artista Josefina Auslender estava trabalhando em sua série “La Cuidad” [A cidade], que se baseava nos elementos arquitetônicos de Buenos Aires. Mas este período coincidia com a chamada “Guerra Suja”, regime adotado em meio a ditadura militar caracterizado por uma brutalidade extrema, perseguições, prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos forçados de indivíduos considerados opositores políticos ao governo militar. A produção artística de Auslender foi então fortemente impactada, mudando de rumo. Sua mente passou a ser bombardeada por imagens que combinavam essas paisagens urbanas com corpos femininos. A partir disso, se desdobra a série “Los Cuerpos” [Os corpos] que, numa linguagem geométrica e quase abstrata, sugeria a figuração de mulheres em situação de tortura, por vezes encapuzadas ou amarradas.

Em uma entrevista concedida a Chris Busby para o The Bollard, Auslender destaca a razão por trás de sua escolha de retratar exclusivamente figuras femininas em sua arte, explicando: “Porque nós, mães, tínhamos muito medo por nossos filhos. (…) Muitos jovens do ensino médio estavam desaparecendo, porque [do ponto de vista do governo] todas as reclamações que você tinha no país eram porque você era um ‘comunista’, então você tinha que desaparecer. Então foi isso que eles fizeram. Eles mataram todos eles. Mas eram crianças que tinham 16, 15 anos – a idade dos meus dois filhos, então estávamos com muito medo.” Não à toa, em resposta ao contexto citado pela artista, as “Mães da Praça de Maio” em Buenos Aires marcaram a história por meio de protestos, exibindo cartazes com fotos e nomes de seus filhos desaparecidos.

  1. León Ferrari, “Nosotros no sabíamos”, 1976-1992
León Ferrari, “Nosotros no sabíamos”, 1976-1992

Você já deve conhecer León Ferrari por suas polêmicas obras que desafiam o dogmatismo religioso, como “Liquidificador” (2000), que coloca a santa católica em um liquidificador, e “A civilização ocidental e cristã” (1965), apresentando o Cristo crucificado em um avião caça dos Estados Unidos. No entanto, o artista também dedicou uma parte significativa de sua produção para abordar criticamente o autoritarismo na América Latina.

Em 1976, Ferrari se exilou no Brasil, mas a tragédia atingiu sua família quando seu filho caçula Ariel, que permaneceu na Argentina, foi declarado desaparecido um ano depois. Entre 1976 e 1992, Ferrari compilou recortes de notícias, que conseguiram driblar a censura, documentando a descoberta de cadáveres na cidade e nas margens dos rios, denunciando a violência das Forças Armadas. Essa pesquisa foi intitulada “Nosotros no sabíamos” [Nós não sabíamos], uma referência ao argumento usado por parte da população para justificar sua indiferença ao terrorismo praticado pelo Estado.

Deste material compilado, quatro exemplares foram publicados no Brasil em 1976, três em 1984, também em São Paulo, e outros quatro para a exposição “500 Anos de Repressão” no Centro Recoleta, em agosto de 1992.

  1. Grupo de Artistas de Vanguarda, “Tucumán Arde”, 1968
Tucumán Arde”, 1968

Em 1968, nas cidades de Buenos Aires e Rosário, artistas e intelectuais organizaram uma série de intervenções na comunicação de massa, que desafiavam a narrativa oficial do governo, durante o regime de Juan Carlos Onganía. O grupo, que incluía María Teresa Gramuglio, Nicolás Rosa, Juan Pablo Renzi, León Ferrari, Roberto Jacoby, Norberto Puzzolo e Graciela Carnevale, se tornou um catalisador da contrainformação. Enquanto o governo fechava refinarias de açúcar, gerando crises econômicas, esses artistas buscaram burlar a censura para revelar a verdadeira face da pobreza e da fome que assolava Tucumán, uma das principais produtoras de açúcar na Argentina.

Embora tenha durado apenas uma semana em Rosário e sido abruptamente encerrada em Buenos Aires no dia de sua inauguração, a exposição tornou-se um marco importante na história da arte argentina e latino-americana, incitando o público a também adotar uma postura ativa.

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