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Obra de Howardena Pindell hipnotiza, pelas cores e materialidade, e golpeia o espectador com choque de realidade

Sua retrospectiva no The Shed apresenta tanto obras formais quanto os trabalhos que se enfurecem de forma mais literal contra o preconceito, posicionando a arte como a melhor defesa a contra o apagamento e a violência

por Beta Germano

 

Howardena Pindell
Howardena Pindell / foto Devin Oktar Yalkin para o The New York Times

Nova iorquinos estão sendo vacinados e, felizmente, já podem voltar a frequentar instituições de arte. Entre as exposições imperdíveis espalhadas pela cidade, está Rope/Fire/Water, uma retrospectiva de Howardena Pindell que chegou na cidade depoisde ser apresentada no Museum of Contemporary Art Chicago. Howardena Pindell  nasceu em 1943 numa família que ainda vivia intensamente a segregação entre pessoas negras e brancas nos EUA – sua mãe ensinava professores a lecionar em escolas para negros. Mas não foi só o preconceito racial que ela precisou enfrentar. Na escola de belas artes em Boston, ela foi criticada por trabalhar com o gênero abstrato, visto por seus colegas e professores como um gênero menor. Vivendo num mundo marcado pelo patriarcado, Pindell foi a primeira mulher negra a ocupar cargos de curadoria no MoMA e  foi também uma das idealizadoras da  A.I.R. Gallery (Artists in Residence) –  a primeira galeria cooperativa dirigida por artistas femininas nos Estados Unidos, a A.I.R. foi fundada em 1972 com o objetivo de fornecer um espaço de exposição profissional para mulheres artistas, numa época em que as obras expostas nos museus e galerias comerciais da cidade de Nova York eram quase exclusivamente de artistas homens.

 

 “Untitled #20,” , de Howardena Pindell, 1974
Untitled #20 , de Howardena Pindell, 1974
Plankton Lace #1, de Howardena Pindell, 2020
Plankton Lace #1, de Howardena Pindell, 2020
Nautilus #1, Howardena Pindell
Nautilus #1, Howardena Pindell

Após finalizar o mestrado especializado em pintura na Yale University, em 1967, Pindell mudou-se para Nova York, onde começou a trabalhar com abstração e colagem. Na década de 1970, ela mergulhou na pesquisa formal e começou a desenvolver um estilo único, enraizado no uso de pontos e números com referências ao minimalismo e ao pontilhismo.  Em 1973, Pindell começou a trabalhar em sua série “Video Drawings”: Ela se interessou pela luz artificial do monitor de sua televisão e começou a escrever pequenos números em acetato e os colocava sobre a tela da TV – a composição era fotografada e esses experimentos levaram a uma longa série de trabalhos que apresentam seus desenhos sobre eventos esportivos e noticiários, incluindo eleições televisionadas. Foi nesse período também que ela começou a pesquisar os efeitos de superfícies furadas ou cobertas por purpurina, marcando suas telas com uma impressionante luz.  

Ainda nos anos 1970, ela  acabou ficando fascinada pelas esculturas africana exibidas no MoMA e no Museu de Arte do Brooklyn, e acabou sendo bastante influenciada: enquanto a arte africana abraça o uso de objetos em escultura, como contas, chifres, conchas, cabelo e garras, as colagens de Pindell começaram a incorporar elementos adicionais, incluindo papel, purpurina, acrílico e tinta. Pindell afirmou, num podcast conduzido por Katy Hessel, no podcast The Great Women Artists, que a experiência de ver suas pinturas era como uma forma de tornar sua própria identidade mais palatável para o mundo da arte. Em 1979 a artista teve um acidente de carro e o fato fez com que ela se dedicasse mais a obras autobiográficas. Autobiography fez parte de uma série de oito pinturas sobre sua recuperação, na qual ela usou o próprio corpo como ponto de partida – ela cortou e costurou um contorno traçado de si mesma em um grande pedaço de tela como parte de uma colagem complexa.

O acúmulo de cores, materiais e manchas de brilho que acabam embalando os espectadores em um estado de conforto contemplativo, logo são marcados cortados, no decorrer da mostra, por duas obras mais sombrias que catapultam o visitante para otema real da mostra: a violência racial. Four Little Girls refere-se ao atentado a bomba em 1963 contra uma igreja em Birmingham, Alabama, que foi fundamental para a aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964. Fotos das meninas assassinadas aparecem dentro de uma coroa de flores negras, entre colunas do texto listando outras igrejas negras profanadas e o número de mortos em comunidades massacradas do início do século XX. Objetos carbonizados – brinquedos, sapatos, roupas – jazem no chão abaixo da tela sem moldura, como relíquias descartadas em uma sarjeta.  Columbus é uma peça, que lembra um quadro negro de escola,  descreve crimes de hegemonia imperial, especificamente o corte das mãos de trabalhadores negros no que costumava ser o Congo Belga. No piso, resquícios de uma possível fogueira. 

Four Little Girls, Howardena Pindell, 2020
Four Little Girls, Howardena Pindell, 2020
Four Little Girls, Howardena Pindell, 2020 ( detalhe)
Four Little Girls, Howardena Pindell, 2020 ( detalhe)

Estes dois dramaticos trabalhos lidam o espectador at;e a obra que intitula a mostra:  Rope/Fire/Water  é um vídeo de 16 minutos que delineia a história do linchamento na América. O filme retrata a desmoralização forçada da América branca de sua população negra, desde o comércio de escravos do século 17 até os recentes atos de violência policial – a artista lê relatos contemporâneos de atrocidades ao som de um tiquetaque que nos faz pensar na bomba social que está sempre prestes a explodir. Frequentemente, é possivel constatar, um linchamento envolvia uma cidade inteira, não apenas seu capítulo do KKK – depois de esfolar, queimar, picar, castrar e desmembrar suas vítimas, eles vendiam partes de corpos como troféus.  

Columbus, Howardena Pindell
Columbus, Howardena Pindell
Frame do filme Rope/Fire/Water, obra central da mostra no The Shed
Frame do filme Rope/Fire/Water, obra central da mostra no The Shed

As vítimas eram homens e mulheres, incluindo uma mulher grávida cujo feto não escapou da mutilação. Entre as vítimas, está Emmett Till, assassinado aos 14 anos de idade na pequena cidade de Money, Mississipi, depois de ter sido acusado de supostamente ofender uma mulher branca, e Medgar Evers – em 1963 ele saia do carro usando a camisa da NAACP com a inscrição “Jim Crow Must Go”  quando foi atingido pelas costas.  “É doloroso, esclarecedor e real”,escreve Linda Yablonsky para o Art Newspaper . “A calibragem de beleza e horror de Pindell é praticamente um ato humanitário, que agita entre um chute violento no estômago e o bálsamo de cura da justiça poética”, conclui. 

Uma das obras mais famosas das artistas,  o filme  Free, White and 21, de 1980, não está na mostra mas pode ser visto no UbuWeb, e tem ligação direta com Rope/Fire/Water : a jovem Pindell encarnou um alter ego – em versão whiteface – com o qual discute e revisa as humilhações casuais que ela vivenciou em ambientes sociais como a perda de empregos para brancos menos preparados ou ocasiões em que ela percebeu seu status de minoria em escolas de elite começando ainda no jardim de infância, onde foi amarrada a um berço por pedir para ser levada ao banheiro. Essa intolerância mais tarde se estendeu ao mundo da arte supostamente de mente aberta, onde as próprias colegas feministas brancas deram de ombros com suas histórias de discriminação julgando a relevancia de Free, White and 21.

Rope/Fire/Water

Data: Até 11 de Abril de 2021

Onde: The ShedEndereço: 545 W 30th St, New York, NY 10001

Howardena Pindell
Howardena Pindell
Howardena Pindell
Howardena Pindell
Autobiography, de Howardena Pindell
Autobiography, de Howardena Pindell
Video Drawings, de  Howardena Pindell
Video Drawings, de Howardena Pindell

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