Home EditorialArtigos MuBE inaugura uma das maiores exposições já dedicadas à Amelia Toledo

MuBE inaugura uma das maiores exposições já dedicadas à Amelia Toledo

A mostra dá foco às pesquisas cromáticas, ao caráter democrático de suas obras e ao diálogo com a arquitetura de Paulo Mendes da Rocha

por Giovana Nacca
Vista da obra “Caminho das Cores do Escuro” (2001), de Amelia Toledo, no MuBE. Foto: Giovana Nacca

Em março de 2018, apenas quatro meses após o falecimento de Amelia Toledo, o MuBE inaugurou a mostra coletiva “Esculturas para Ouvir”, na qual sua obra “Gambiarra”, feita de um cordão de conchas semelhante a um Sino dos Ventos, foi incluída. Ao tilintar a peça com as mãos, Paulo Mendes da Rocha, responsável pelo projeto do museu e grande amigo da artista, falou: “Precisamos fazer uma exposição da ‘Amelinha’”. Agora, em 2024, o desejo póstumo do arquiteto se concretiza na exposição “Amelia Toledo: Paisagem Cromática”, onde as criações dos dois amigos se encontram e dialogam. 

Concebida pelo curador Fernando Limberger e pela geóloga Daniela Gomes Pinto, a mostra panorâmica apresenta cerca de cem obras da artista, incluindo peças inéditas e outras especialmente reeditadas para a ocasião. Um dos grandes destaques é a expografia assinada por Anna Helena Villela, que cobriu quase todo o chão do espaço interno do museu com areia. A proposta dá sequência aos conceitos da artista, envolvendo os trabalhos exibidos com o elemento resultante do desgaste das rochas, e convidando o público a ter uma experiência de passo mais lento, uma vez que a presença da areia impede o deslocamento apressado. Por todos os ambientes estão dispostos bancos produzidos pela própria artista, reforçando o convite ao desaceleramento da curadoria. 

Apesar do aviso estampado logo na entrada do ambiente expositivo, que proíbe “tocar, sentar ou se pendurar nas obras”, a exposição propõe justamente que o público explore e interaja de corpo inteiro com a maior parte delas. Nesse sentido, a falta de sinalizações propositivas pode inibir o público e dificultar a compreensão das obras no cerne de suas essências.

Vista da obra “Dragões cantores” (2007), de Amelia Toledo, no MuBE. Foto: Giovana Nacca

Ao longo de sua vida, a artista residiu em diversas cidades, cercada das mais diferentes paisagens e rotinas culturais: desde as cinzas e concretas de São Paulo e Brasília, até as naturais e praianas do Rio de Janeiro e de Lisboa, passando também pelas turísticas de Londres. Semelhantemente, sua produção não se conforma dentro das categorizações mais óbvias, mas se encontra no limiar entre a intervenção humana e os traços próprios da natureza – e igualmente artísticos. Ela fez peças de design, contribuiu com projetos arquitetônicos, propôs obras extremamente lúdicas, como também outras espiritualizadas e oníricas. Na pesquisa de Toledo, o orgânico não dispensa as inovações tecnológicas. 

O caráter democrático dá o tom da produção de Amelia. Ela integrou uma geração de artistas experimentais, como Lygia Clark, Anna Maria Maiolino e Hélio Oiticica, de maneira que, em suas mãos, haviam mil e uma possibilidades para qualquer matéria sair de seu estado banal para tornar-se obra. Uma simples pedra poderia ser apresentada em seu estado bruto, receber leve polimento, ser digitalizada, ou até mesmo empregue como matriz para uma litografia. Trabalhos como “Discos Táteis” (1970), que consistem em estruturas plásticas com óleo e água misturados com corantes, facilmente replicados e experimentados por qualquer pessoa em ambientes não-institucionais, são exemplos de seu comprometimento com a acessibilidade. Para a própria exposição foram reeditados várias de suas obras, ou seja, a partir dos critérios estabelecidos por Toledo e supervisionados por sua família, suas obras têm sequência para além da artista. 

Se recentemente, as chamadas “exposições imersivas” atraíram a atenção do grande público por proporem a projeção de imagens, como ideias inovadoras de interatividade, Amelia Toledo já explorava conceitos similares décadas antes. Em 1999 ela criou a instalação “Pedra Luz”, onde o público é convidado a deitar e observar, através de um espelho no teto, texturas de pedras animadas e projetadas sobre seu próprio corpo. 

Vista da obra “Caminhos das Cores” (2001-2020), de Amelia Toledo, no MuBE. Foto: Giovana Nacca

De “Paisagem Cromática” ainda vale destacar obras como a célebre “Caminhos das Cores” (2001-2020), apresentada inclusive na 29° Bienal de São Paulo, que propõe uma imersão cromática para os visitantes fazendo uma alusão aos “Penetráveis” de Hélio Oiticica, e “Caminho das Cores do Escuro” (2001), que cria uma paisagem de pedras naturais em diálogo com um material “moderno”, o aço inoxidável.

Na área externa do museu, dez pedestais de concreto, de diferentes alturas, sustentam grandes pedras “que trazem a força de debaixo da terra”, como definiu Nara Roesler, fundadora da galeria homônima, responsável pela representação comercial do trabalho de Toledo. Trata-se da série “Impulsos”, pensada para que os visitantes abracem as rochas e sintam suas energias.

Vista da obra “Impulsos” (1999 – 2017), de Amelia Toledo, no MuBE. Foto: Giovana Nacca

A exposição se insere em um significativo movimento de redescoberta de Amelia Toledo, que dedicou até seu último dia de vida à produção artística – no dia 7 de novembro de 2017, ela acordou cedo, finalizou uma pintura e, então, voltou para seu quarto, onde faleceu. Apesar de sua dedicação incansável ao setor, Toledo nunca foi devidamente incluída nos grandes registros da História da Arte Brasileira. A mostra “Paisagem Cromática” soma-se ao esforço de remediar essa lacuna, apresentando seu legado também para as novas gerações.

Serviço:

Amelia Toledo: Paisagem Cromática

Local: MuBE

Período expositivo: Até 04 de agosto de 2024

Ingresso: Entrada gratuita

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