Recentemente, mais do que nunca, as chamadas “exposições imersivas” estão tomando conta da agenda cultural brasileira. Só no dia em que este artigo é publicado, estão em cartaz em São Paulo: Monet à beira d’água no Parque Villa Lobos, The art of Bansky — Without Limits e Frida Kahlo — Uma Biografia Imersiva no Shopping Eldorado, Michelangelo: o mestre da Capela Sistina no MIS Experience e Imagine Picasso no MorumbiShopping.
Entre ódios e deslumbramentos, essas atraem números inigualáveis de visitas, comumente em torno da casa de seis dígitos por dia – número completamente distante da realidade que os maiores museus do país costumam receber. Bem ou mal, esse fato nos revela que há sim muitas pessoas interessadas em cultura. Mas por que os museus são amplamente vistos como elitistas e inacessíveis, enquanto mostras de preços exorbitantes são chamadas de imersivas?
Uma exposição sem obras originais é mais econômica em termos de produção?
Uma das maiores críticas que esse recente formato de exposição recebe do público geral é em relação ao preço dos ingressos. Enquanto diversos museus e equipamentos culturais oferecem entrada gratuita pelo menos um dia da semana ou então cobram até a marca-média de no máximo 50 reais, as “imersivas” cobram uma média de R$100 – podendo chegar até R$300 na categoria VIP – por suas experiências.
Para entender melhor os motivos disso, conversamos com Bibiana Berg, que é Superintendente Executiva de Experiências & Cultura do Santander, e Jeffrey Neale, sócio-diretor da Dueto, a organizadora da exposição Imagine Picasso, além de outras como Bjork Digital e Arte é bom que aconteceram no Museu da Imagem e do Som em São Paulo. Ambos afirmam que os custos de cada exposição variam muito e, inclusive, podem ser equivalentes.
Em suma, os maiores gastos que uma mostra com obras originais pode demandar são de transporte, seguro, conservação e, muitas vezes, importação de obras. À exemplo disso, Bibiana nos recorda que em fevereiro do ano passado, quando o Farol Santander recebeu o mural de mais de 15 metros de comprimento de Cândido Portinari, chamado Tiradentes, a pintura teve que ser transportada dividida entre três caminhões só para garantir que, em caso de algum acidente, não houvesse uma perda total do trabalho. O episódio, envolvendo um percurso e despesas nacionais, já traz à tona um fragmento da dimensão que envolve uma expografia com obras de arte originais.
Do outro lado, temos exposições de altos recursos tecnológicos que, especialmente quando são realizadas em shoppings e espaços onde ainda não se têm uma área expositiva apropriada, envolve a própria construção do mesmo. Segundo Neale, a Dueto importa equipamentos, como os projetores, para a realização de todas as suas exposições, o que eleva bastante o orçamento. Em entrevista para o Valor Econômico, Rafael Reisman, CEO da Blast Entertainment, responsável por trazer a Beyond Van Gogh e outras grandes exposições imersivas para o Brasil, afirma que ainda que a exposição do pintor holandês tenha sido bastante lucrativa para os organizadores e inclusive para os shoppings que a sediaram, o investimento total foi em torno de R$ 18 milhões.
Mas fato é, que esse contexto escancara mais um tema emergente que está em constante disputa política: a Lei de Incentivo à Cultura. Essa não apenas permite que equipamentos culturais ofereçam ingressos por valores mais baixos, como também os fiscalizam, estimulando-os a desenvolver iniciativas de acessibilidade que englobam desde estratégias de localização, arquitetura e gratuidade até materiais educativos e recursos para pessoas com deficiência física – tudo isso entrando no saldo da conta do nosso principal assunto aqui: a democratização da cultura.
O que é, afinal, uma exposição imersiva?
Todo e qualquer formato de arte é, em potencial, imersivo. As projeções das imagens de obras em grande escala podem trazer uma experiência corpórea e um impacto visual importantes, mas nada disso é restrito à elas. Já no século 20, a grande arquiteta idealizadora do MASP, Lina Bo Bardi, propunha uma experiência de corpo para os visitantes transitarem entre as pinturas dispostas nos cavaletes de cristal. Incontáveis pintores ao longo da história realizaram trabalhos de grande escala, em metragens semelhantes às das projeções em questão. As Cosmococas de Hélio Oiticica entre outras diversas instalações e objetos interativos dos Neoconcretos já convidavam o público a uma experiência de fato polisensorial. Por isso, se essas qualidades fossem as principais responsáveis pelo título de “imersão”, todos esses trabalhos citados aqui teriam sido classificados sob a mesma expressão.
Denise Mattar, curadora da retrospectiva de Arcangelo Ianelli no Museu de Arte Moderna de São Paulo – que traz 98 obras originais, sendo muitas delas de grande escala –, defende que suas propostas, ainda que sem utilizar projetores, sempre buscam ser imersivas. “Não é nunca fazer uma exposição para um outro curador, é sempre fazer uma exposição para o público, mas os recursos que eu uso são recursos de dentro, que saem da própria obra ou do processo artístico do artista”, ela reflete, “tem algumas exposições que colocam umas coisas que eu considero como enfeites”.
Por que então as “exposições imersivas” são chamadas assim?
A verdade é que o surgimento do apelido popular reflete o desconforto da população em um ambiente tradicional de arte e que a nova proposta de exibição selou os mitos que todos nós temos estimulado há anos: que museu não é lugar para “gente comum” e que eles exigem uma bagagem teórica especializada para serem experienciados. Mas é claro que a gente não pode negar a existência de obstáculos visíveis e invisíveis que antecedem o acesso aos museus e que estão firmados de maneira estrutural na sociedade. “A arte é para todos, mas só a elite sabe disso”. A frase retirada da série Frases de oro, da artista contemporânea espanhola Dora Garcia, parace sintetizar esse impasse secular do sistema de arte.
Julia Cavazzini, artista, educadora e curadora-assistente no Instituto Tomie Ohtake, explica que desde a arquitetura de um museu – quando é, por exemplo, imponente e pouco intuitiva para se circular – até os assuntos pautados nas exposições – quando são alheios às pautas disseminadas em massa – podem distanciar os visitantes de se sentirem bem-vindos nesses espaços. “A gente precisa de duas coisas quando a gente vai visitar uma exposição: tempo e confiar no que a gente está sentindo”, Cavazzini sugere ao explicar que estabelecer uma relação com obras de arte “é como conhecer pessoas”.
A nossa cultura constantemente distancia a imagem do artista de sua condição humana, colocando-o em um pedestal de “gênio intocável”. Mas entendendo esse paralelo traçado pela educadora, o visitante tem maior liberdade para assumir, inclusive, quando ele não se identifica com a obra ou quando simplesmente não gosta – o que não tem nada a ver com a qualidade do trabalho ou do artista. “Quando a gente olha para um trabalho de arte e acha que não acessou, na verdade, de alguma forma a gente acessou. A repulsa e o não-entendimento são informações que o trabalho está proporcionando.”
Espremendo o suco desse grande debate, chegamos às mesmas questões já levantadas pelo sociólogo Walter Benjamin no século 18, quando ele publicou seu ensaio A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. O autor analisa que desde o surgimento e difusão da fotografia, nós podemos ter conhecimento de uma obra sem nunca tê-la visto pessoalmente e isso, segundo ele, possibilita a politização da arte e das massas. Em Imagine Picasso, por exemplo, o visitante tem acesso a reprodução de mais de 200 obras do pintor em um único lugar.
Por outro lado, as obras tecnicamente reproduzidas, perdem a sua aura e valor de culto. Por isso, todos nós estamos de alguma forma comprometidos com o imaginário que nos foi estimulado sobre a Monalisa, mesmo se nunca tivermos colocado o pé no Museu do Louvre na França onde ela é diariamente cercada por multidões que mal sabem explicar de onde veio aquele interesse tão arrebatador. “Mesmo na reprodução mais perfeita uma coisa se perde: o aqui e o agora da obra de arte – sua existência única no local em que se encontra”, escreve Benjamin. Da mesma maneira, quando vemos um Van Gogh no MASP e percebemos cada pincelada espessa e expressiva “estamos à uma pintura de distância do van Gogh”, exemplifica Cavazzini.
De alguma forma, as “exposições imersivas”, ainda que muitas vezes localizadas em lugares difíceis de se acessar com transporte público e com ingressos bastante salgados, se tornaram um fenômeno popular ao surfar na onda da cultura da imagem “instagramável”. Alguns especialistas apontam o movimento como uma porta de entrada para os equipamentos culturais mais “tradicionais”. Mas, talvez, o fato do assunto trazer opiniões gerais tão contrastadas entre o fascínio e a completa repulsa reflita que os públicos de cada formato sejam diferentes ou, no mínimo, com interesses diferentes. E será que uma precisa ser caminho para outra? Ambas possuem propostas válidas e, se aproveitadas com consciência e autonomia, podem ser relevantes culturalmente.