São muitas as influências que agiram sobre Amelia Toledo – foi, ainda criança, aluna de Anita Malfatti; frequentou ateliês de outros artistas em São Paulo; trabalhou no escritório de Vilanova Artigas; estudou em Londres e uma escola de arts and crafts; e, sobretudo, sempre revelou o interesse pela ciência que veio da imediata relação com seu pai, que era médico. Transitando entre o fazer intuitivo e a formação acadêmica, Toledo teve uma trajetória muito singular: das relações com artistas como aluna, à convicção sobre a liberdade experimental de seu trabalho; do período que passou em Londres, trouxe a intimidade com o manual, artesanal, sem abandonar o olhar construtivo que já era natural de sua produção; da formação em Brasília, e do ensino nas faculdades de arquitetura, à sua aguçada percepção espacial e o desejo de ocupação do espaço público e coletivo.
Essas variadas influências e diversas experiências heterogêneas combinaram-se para formar uma artista multidisciplinar e desapegada de meios e suportes específicos, de narrativas únicas e de estéticas repetitivas. Seu corpo de trabalho evidencia patentemente uma criadora polifônica, capaz de engajar o corpo e o intelecto, de trabalhar materiais naturais e industrializados, de explorar a bi e a tridimensionalidade sem distinção, de desenvolver o fazer manual ao mesmo tempo que apropriava-se de ready-mades, de experimentar livremente enquanto aplica métodos científicos, e de aprofundar-se tanto no aspecto discursivo quanto no sensorial da arte.
No início de sua carreira como artista, Amelia Toledo explorou principalmente o aspecto espacial-arquitetônico de esculturas e ambientes penetráveis, criando caixas e instalação com aço inox reflexivo, que espelhava o entorno e permitia a manifestação de espaços virtuais, multiplicados pelas sobreposições e paralelizações das chapas.
Depois, Toledo passou a de fato materializar as influências “científicas” em seus trabalhos, criando uma série de obras icônicas para a história da arte brasileira, começando com “Bolas-Bolhas” (1968), e tendo como destaque maior “Medusa” (1969), na qual finos e longos tubos de PVC são preenchidos parcialmente com líquidos coloridos, ar e óleo, criando um emaranhado vibrante. A peça evoca um emaranhado de fios eletrônicos, mas a fluidez que corre dentro dos canudos sugere algo mais orgânico, vivo, talvez alienígena ou saído de um laboratório futurista. A cada vez que a obra é apresentada, seus tentáculos mudam de conformação, já que o líquido se mexe, se mistura e se reconfigura na manipulação.
De “Medusa” nasce um procedimento da artista, que é o emprego de elementos líquidos, com corante, dentro de receptáculos de plástico transparente, como em “Onda” (dois líquidos de diferentes densidades – que não se misturam, azul e verde – são colocados em um cilindro de PVC), ou em “Discos Tácteis” (1970) (nos quais a mesma mistura de óleo, água e corante é inserida em pequenas panquecas de plástico translúcido). A manipulação desses objetos é essencial para a plena realização da obra, que acontece na hora que as bolhas se formam, que as cores se misturam, ou que as substâncias líquidas resistem umas às outras. Esse aspecto laboratorial dessa fase da produção de Amélia Toledo é absolutamente intrigante e sem paralelo entre a geração da artista, tornando sua produção ainda mais potente.
E uma dica: será possível ver obras da artista na próxima edição da SP-Arte. Toledo será homenageada no setor Masters, com curadoria de Maria do Carmo M. P. Pontes, que assume o setor pela primeira vez em 2020. Apesar de ter recebido reconhecimento em vida, inclusive com uma retrospectiva importante no CCBB, Toledo nem sempre é lembrada nos grandes apanhados sobre a história da arte brasileira. Mas, o trabalho surpreendente da artista será o destaque do setor da feira que tem um enfoque mais histórico, trazendo nomes relevantes para o percurso da arte brasileira e dando destaque à trajetória de artistas longevos, em paralelo com aqueles que tiveram a vida interrompida de maneira prematura. Dessa maneira, Toledo terá sua obra em destaque junto a outros nomes que ajudaram a escrever a história da arte no Brasil, ganhando mais uma vez reconhecimento merecido nessa linha do tempo.