Depois das prósperas aberturas de exposições dos brasileiros Cildo Meireles e Flávio de Carvalho, e das estrangeiras Marina Abramović e Ana Mendieta, o Sesc Pompeia abre ao público hoje (27) sua primeira individual de uma artista mulher brasileira em seu principal espaço expositivo. Em “Quase Circo”, Carmela Gross, que tem uma ampla produção centrada na relação com o entorno, apresenta treze obras curadas por Paulo Miyada, que convergem com a arquitetura de Lina Bo Bardi.
Com trabalhos tão particulares, desdobrados entre mídias e conceitos distintos entre si, a mostra apresenta a produção da artista compondo uma espécie de “constelação” de ideias, como definiu Miyada. Sem impor uma estrutura museológica para o centro cultural, a expografia estabelece um contato direto das obras com o edifício apontado, em 2021, como uma das 25 obras arquitetônicas mais significativas do pós-guerra pelo jornal The New York Times.
Próximo à entrada da Área de Convivência da instituição, está “Roda Gigante”, uma obra datada de 2019 que se fundamenta nas concepções de tensão, suspensão e movimento, assim como o brinquedo que inspira seu nome. Esta é feita do ajuntamento de cerca de 320 objetos completamente reconhecíveis do nosso cotidiano, mas que estão sempre à margem da nossa atenção. “Se você for olhar cada material, eles têm todos os índices dos trabalhadores. São baldes, são máquinas, são caixas de vendedores ambulantes, são carrinhos de transporte de material de construção”, analisa Gross. Na instalação, eles passam a ser protagonistas da cena e ancoram a arquitetura da antiga fábrica de tambores. Se na sua primeira exibição, no Farol Santander, “Roda Gigante” criava um contraste entre os objetos “a beira do descarte” e a instituição bancária, aqui a poética da obra converge com o espaço, criando um contrapeso que direciona nosso olhar para o “chão de fábrica”, evidenciando os processos e trabalhos invisíveis que “fazem a roda girar”.
Entre as tramas da obra, na parede ao fundo, vemos o letreiro “Figurantes”, que exibe uma série de nomes referentes à trabalhadores que não se enquadram na estrutura formal empregatícia, embora sejam agentes estruturantes dos movimentos das sociedades, como contrabandistas, amoladores de tesoura, prostitutas e funileiros, citadas por Karl Marx em “O 18 de brumário de Luís Bonaparte” (1852).
Na área externa do Sesc, nas passarelas que ligam os blocos esportivos, Gross exibe sua obra “Gato”. A instalação nasceu a partir do contato da artista com os desenhos de Lina Bo Bardi que projetavam a ideia de cada uma dessas plataformas receberem as cores vermelho, azul, amarelo e verde. Gross faz então um “gato”, uma adaptação que dá sequência ao projeto, mas, como observa Miyada, não como uma arquiteta, e sim como artista. O resultado é uma intervenção de painéis luminosos dos nomes das cores indicadas pela italiana em sua língua materna.
No entanto, o diálogo entre as criações de Gross e Bo Bardi não são completamente inéditos. A obra “Rio Madeira”, também presente na atual mostra, foi exibida pela primeira vez em 1990 na mesma instituição. Composta por centenas de ripas de madeira, pintadas de verde e vermelho, o trabalho disposto no chão contorna as curvas do espelho d’água do espaço e acresce uma espécie de hachuras ao desenho da arquiteta.
“Estandarte Vermelho” é outro trabalho que retorna ao Pompeia, depois de ter sido exibido ao final da década de 90. Evocando a cortina vermelha de teatro e uma silhueta de braços abertos, a obra originalmente já havia sido concebida em homenagem ao Zé Celso Martinez Corrêa, mas agora recebe novas camadas de carga emocional, após o falecimento do dramaturgo em julho de 2023.
Serviço:
Quase Circo – Carmela Gross
Local: Sesc Pompeia
Período expositivo: De 27 de março a 25 de agosto de 2024
Entrada gratuita