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Conheça Shirley Paes Leme, artista que manuseia o intangível

A artista que acaba de inaugurar uma instalação no MAM-SP, registra a ação do ar e do fogo com técnicas únicas

por Giovana Nacca
Retrato de Shirley Paes Leme. Foto: Bienal de Curtiba

“A vida é um sopro”. O clichê só é popular porque é fundamentado. Nas línguas originárias, “vida” e “sopro” eram uma única palavra: ruah em hebraico, pneuma em grego e spiritus em latim. Essas podem ser traduzidas tanto como vida ou alma vivente, quanto como “ar em movimento” – sopro, inspiração, vento. Refletindo sobre como nosso vocabulário molda nossa percepção de mundo, entendemos que herdamos a ideia de que as duas concepções são em essência indissociáveis.

É natural do ser humano o desejo de congelar momentos fugazes, talvez daí descenda uma das razões de se fazer arte. Mas parece que a Shirley Paes Leme levou esse propósito ao pé da letra. As matérias-primas de estudo da artista se baseiam na ação de dois elementos básicos da natureza: ar e fogo. São vestígios do cotidiano de alguém que foi criada numa fazenda, no interior do estado de Goiás, e que, mesmo sob a penumbra da cidade iluminada por lampiões, sempre possuiu um olhar sensível capaz de enxergar a fuligem como pigmento e uma teia de aranha como desenho. 

Shirley Paes Leme, Sem título, 1979, da série Tensão.

As séries Fumaça-ação, Tensão e Desenha-ação são frutos dessas observações que foram aprimoradas na década de 1970, quando Paes Leme passou a investigar formas de perpetuar as cenas que constituíram suas memórias de infância. Para as duas primeiras, a artista provoca a situação com uma lamparina e define forma à fumaça, apresentando-a como um elemento pictórico. Já as obras de linhas finas que parecem terem sido delicadamente desenhadas em grafite, são, na verdade, picumã – um termo do tupi-guarani, traduzido como “peruca” e que se refere às impurezas do ar e da fumaça provocada, por exemplo, por um fogão a lenha, que se acumulam sobre uma teia de aranha. 

Shirley Paes Leme, Sem título VI, 1998, da série Desenha-ação

Ao vê-las você pode ser tomado por sentimentos paradoxais: um deslumbramento acompanhado de apreensão ao tentar entender o processo de feitura desses trabalhos aparentemente tão frágeis. Como apanhar a fumaça que escapa pelos dedos? Como perpetuar algo que se você respirar mais intensamente por perto, se espalha e se perde no ar? A resposta chegou até a artista a partir da ajuda e instruções de um químico, com o qual ela aprendeu a usar um gel que, de certa maneira, aspira ambas substâncias para a superfície desejada – geralmente papel, vidro ou tela. Nesse processo, a regra é simples: não pode ter movimentação do ar. Sem brisa de vento. Sem suspirar. 

O instante é semente viva, 2018, Shirley Paes Leme

Trilhando o mesmo percurso de fixar substâncias em território intangível, nasce o interesse em solidificar palavras que seriam soltas ao vento. Desde a infância, Paes Leme escreve poesias e é apaixonada por literatura, mas foi a partir de 2012 que ela passou a solidificar fragmentos dessas em bronze. Ainda que suas esculturas sejam apresentadas em sua forma maciça, muitas aparentam ter congelado o momento em que escorriam, nos fazendo questionar seu estado de permanência. 

No fundo, nos mais variados trabalhos que a artista explorou até hoje, ela por vezes esteve se desafiando a registrar a natureza em sua integralidade. Mas, ao fazer isso, ela tira desta a sua principal condição de existência, a efemeridade.

Projeto da instalação site-specific Nosso mundo (2022-2023), da artista Shirley Paes Leme, para Sala de Vidro do MAM São Paulo. Imagem: cortesia da artista

Em tempo: quem visitar o Parque do Ibirapuera entre março e maio deste ano, poderá adentrar uma das obras da artista que está exposta na sala de vidro no Museu de Arte Moderna. A instalação Nosso mundo é um desdobramento de suas investigações iniciadas em 1984, quando ela começou a colecionar filtros de ar condicionado –provavelmente os maiores catalisadores da poluição que inspiramos diariamente

Para o trabalho desenvolvido especialmente para o Museu, a artista pensou em trazer um diálogo entre a paisagem arboral do Parque do Ibirapuera em contraste com a arquitetura urbana da metrópole que o hospeda. Ela cobriu o chão do espaço com um alumínio reflexivo, que possui um aspecto visual de água e reforça o apelido de “aquário” atribuído popularmente à sala expositiva. Ao mesmo tempo, as imagens turvas refletidas pelo material trazem o que está fora para dentro, confundindo o espectador numa espécie de abismo virtual. Na parede, uma assemblagem de mais de mil filtros configuram um horizonte de prédios em tons de preto. Ou seja, aqui Paes Leme tensiona mais uma vez a ideia de manipulação da natureza, mas desta vez ampliando a discussão para o âmbito global e pautando a causa do meio-ambiente.

Serviço

Nosso mundo

Local: MAM 

Endereço: Parque Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Portões 1 e 3

Data: Até 09 de julho de 2023

Funcionamento: De terça a domingo, das 10h às 18h

Ingresso: R$12,50 – R$25 | Grátis aos domingos

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