A guerra na Ucrânia, em seu 13º dia e já com um rastro de mais de 1 milhão de refugiados segundo a ONU, têm gerado sanções não apenas econômicas contra a Rússia.
Cancelamentos
O Festival de Cannes, um dos mais prestigiados do mundo, anunciou que não vai aceitar a presença de delegações oficiais da Rússia ou pessoas ligadas ao governo Putin, sem especificar se a decisão atinge qualquer filme russo. O Eurovision, maior festival de música da Europa, baniu a participação da Rússia neste ano. A Fifa suspendeu a seleção russa da Copa do Mundo. A Royal Opera House, em Londres, cancelou apresentações do Balé Bolshoi. Até o escritor Fiódor Dostoiévski (1821-1881), titã da literatura mundial, tornou-se alvo. Na Itália, um festival de música e literatura russa dedicado a ele foi desmarcado. Entre muitos outros cortes.
O objetivo principal, está claro, é atingir o governo de Putin, mas tais boicotes acabam por acertar em cheio de artistas e personalidades russas que poderiam cumprir papéis importantes ao assumir vozes antagônicas à narrativa oficial russa —não sem enfrentar a forte repressão que já vem ocorrendo por parte do governo Putin.
Escritores como a bielorrussa ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, por exemplo, convocaram os russos para divulgar o que realmente está acontecendo, já que o governo omite informações sobre o conflito (veículos internacionais independentes como BBC, Radio Liberty e Deutsche Welle tiveram suas atividades interrompidas no país).
Nas artes visuais, os próprios artistas Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov e o curador Raimundas Malašauskas, que participariam do pavilhão da federação russa na Bienal de Veneza se demitiram, cancelando, dessa forma, a participação da Rússia no evento. Em nota, a bienal expressou “sua solidariedade pelo nobre ato de coragem” e disse que está “ao lado das motivações que levaram a essa decisão, que resume dramaticamente a tragédia que assolou toda a população na Ucrânia”.
Já a participação da Ucrânia é incerta, apesar da bienal ter se pronunciado que está trabalhando para que ela ocorra como planejado inicialmente.
O artista Pavlo Makov e os curadores Lizaveta German, Maira Lanko e Borys Filonenko afirmaram, no final de fevereiro, que não seria possível continuar trabalhando no projeto do pavilhão devido ao perigo para suas vidas. Com os voos para fora da Ucrânia estão suspensos, o grupo não consegue ter acesso aos materiais para recriar uma obra de Makov de 1995, na qual a água cai através de uma série de funis de bronze.
NFTs pela causa
Além de protestar, artistas têm se unido para ajudar financeiramente a população ucraniana e utilizado o NFT para isso. Amir Fallah, Sara Ludy, Ana Maria Caballero e outros se organizaram para criar um projeto de NFT para arrecadação de fundos chamado Arte para a Ucrânia. Cada artista envolvido faz uma peça para venda e cunha 100 edições do trabalho, cada uma por 1 Tezos (XTZ) — moeda bem mais barata que o Ethereum. 1 Tezo equivale a pouco mais de $3 dólares, enquanto 1 Ethereum representa cerca de $2.600 dólares.
A escolha foi proposital para que o projeto fosse inclusivo e acessível tanto para artistas quanto para doadores. Toda vez que uma obra é comprada, os lucros vão automaticamente para sete instituições de caridade que estão ajudando a Ucrânia e isso é possível por meio de um contrato inteligente que aceita também doações diretas do Tezos. Segundo matéria da ARTnews, mais de $20 mil dólares haviam sido arrecadados até ontem, 7.3.
Crítica do governo Putin, Nadya Tolokonnikova, uma das fundadoras da banda russa de rock feminista Pussy Riot, lançou uma organização autônoma descentralizada (DAO, na abreviação) para arrecadar dinheiro para organizações que apoiam ucranianos que tiveram que fugir de suas casas ou estão em perigo. De acordo com a Smithsonian Mag, eles lançaram 10 mil NFTs com a bandeira da Ucrânia, vendida por $6.7 milhões de dólares.
Outros artistas tem atuado na linha de frente. O pintor ucraniano Volo Bevza viajou para Kiev (ele mora em Berlim) no mês passado para abertura de sua individual na WT Foundation, prevista para 24 de fevereiro, dia da invasão russa. Ele acabou em Lviv, cidade pela qual ucranianos estão tentando escapar para a Polônia. Lá, ele e seus companheiros de viagem, sua namorada, a fotógrafa Victoria Pidust, e o irmão mais novo dela, Mark Pidust, começaram a contribuir para a proteção do território.
Nos primeiros cinco dias, eles trabalharam na produção de estruturas de metais conhecidas como “hedgehogs” (porcos-espinhos em tradução livre) numa fábrica a cinco minutos do apartamento onde estavam instalados. Volo e Mark carregavam, mediam e cortavam o metal enquanto Victoria tirava fotos.
Agora, eles estão esperando o próximo passo. Homens entre 18 e 60 anos não podem deixar o país. Como cidadão ucraniano, a regra também se aplica a Volo. Ele é professor em Berlim, mas acha difícil conseguir ser dispensado.
Bens culturais ameaçados
Além da proteção de cidadãos, os olhares também estão voltados para acervos e obras de arte em território ucraniano. No final de fevereiro, o Ministério de Relações Exteriores comunicou que 25 trabalhos da pintora Maria Prymachenko (1908-1997) foram queimados no Museu de Ivankiv durante a invasão russa.
Segundo o Wall Street Journal, o Ministério de Cultura e Política de Informação da Ucrânia divulgou diretrizes para proteção e evacuação dos acervos das instituições pouco antes da invasão russa. O Conselho Internacional de Museus (ICOM) disse que está “especialmente preocupado com os riscos enfrentados pelos profissionais dos museus, bem como com as ameaças ao patrimônio cultural por causa desse conflito armado”.