No segundo episódio de Inventando Anna, descobrimos o plano ambicioso da personagem que dá nome à série. Inspirado numa história real, o lançamento recente e bombado da Netflix traça o perfil de Anna Delvey (interpretada por Julia Garner), a falsa herdeira alemã condenada de quatro a 12 anos de prisão. Ela cumpriu a pena mínima e foi solta em fevereiro do ano passado.
Após uma briga com Chase, seu namorado interpretado por Saamer Usmani, ela explica: “Eu estou construindo algo. Um lar. Em Nova York. Para artistas, financiadores. Espaços para estúdios, exposições itinerantes abertas ao público. Mas também espaços para os clubes mais exclusivos e fabulosos da espécie. Será o ápice do mundo da arte mundial, e eu estarei no topo dele”.
É em nome da Fundação Anna Delvey ou ADF (Anna Delvey Foundation) que ela enganou milionários, bancos, morou em hotéis de luxo em Nova York e usou um jatinho sem pagar.
Depois desse momento, engana-se quem pensa que vai adentrar num debate mais aprofundado sobre o mercado da arte e sobre os artistas que ela pretende expor em seu ultra seleto clube, afinal, qual é o plano traçado por Anna para atingir seu objetivo um tanto quanto megalomaníaco?
Para quem gosta desse universo, a cena mais recompensadora talvez seja quando, também no segundo episódio, a protagonista faz um discurso apaixonado sobre Cindy Sherman, artista norte-americana famosa por explorar a sua própria imagem em autorretratos e brincar com ideias de identidade, representação e manipulação.
Na cena, vemos uma das primeiras fotografias da série Untitled Film Stills, na qual Sherman representa personagens fictícias com uma narrativa explícita, mas não identificada. A colecionadora de arte ao seu lado não entende como uma fotografia dela “fantasiada” pode valer meio milhão de dólares.
Anna rebate: “Antes dessa série, Sherman era mais uma fotógrafa que se escondia por trás das lentes. Observada. Escolhia indivíduos baseada no gosto dos outros. Até que um dia, ela achou o próprio foco, considerando-se valiosa. Em vez de ser forçada a um papel no mundo da arte dominado pelos homens, ela assume a liderança no seu trabalho”. “E isso muda o mundo. Isso não é fantasia. É coragem. É um momento na arte”, completa.
É um paralelo com a invenção que a própria Anna faz de si mesma, como o decorrer da série revela.
Podemos ver apenas outras duas obras identificáveis, de Mark di Suvero e Zhang Huan, e outra de um artista ficcional chamado Polay. Outros vários nomes são apenas citados: Jeff Koons, Doris Salcedo, Daniel Arsham, Tara Donovan, Olafur Eliasson, Urs Fischer, Dan Flavin, Robert Irwin, Robert Longo, Helmut Newton, Irving Penn, Ed Ruscha, Robert Ryman, Richard Serra e James Turrell.
Mais do que qualquer mergulho artístico, a série mostra que furar a bolha, da elite ou artística, não é impossível com as conexões certas e uma dose extra de cinismo. De qualquer forma, para quem ainda não viu e está sem planos para o Carnaval, não deixa de ser uma opção.
No entanto, para aqueles que pretendem uma imersão maior no mundo da arte sem sair da temática dos golpes, a alternativa é o documentário de 2020: Fake arte: uma história real, também da Netflix, que apresenta o maior golpe que o mercado de arte dos EUA já sofreu.