O movimento conduzido geralmente por homens, que chegou com mais força no Brasil no final dos anos 1970, é dominado hoje por um crescente número de mulheres. O sexismo nesse nicho, além de ser um reflexo de todo mercado de arte, é reforçado pelos desafios orçamentários – afinal quanto maior o trabalho, mais caro são os materiais -, assédios morais de um corpo num local público – desde os “fiu-fiu” até os pitacos nas suas produções -, entre tantos outros. É importante ressaltar que as distinções entre muralismo e grafite ficam ainda mais escancaradas nesse contexto. Visto que o grafite ainda é uma prática frequentemente ilegal e que costuma ser realizada nas madrugadas, torna-se uma realidade ainda mais distante para as mulheres, tanto pelo perigo de serem violentadas, como pela desafio da dupla jornada para mulheres que precisam estar cedo em casa com seus filhos.
Um dos grandes impactos de abrir espaço para essas mulheres é poder ter pautas que nos interessam estampadas em grande escala por toda cidade. Mas é claro que isso não é tão simples. A artista Pri Barbosa comenta para o artequeacontece: “A impressão que tenho é que somos bem-vindas apenas quando o trabalho fala sobre ser mulher ou sobre temas erroneamente classificados como ‘femininos’. Se uma artista tem uma produção cujo tema ‘compete’ com o dos homens, eles terão a preferência, com certeza.”
Panmela Castro trabalha com arte de rua desde o início dos anos 2000, quando esses espaços eram muito mais hostis e abriu caminho para muitas outras mulheres. Ela nos relata que ela e outras amigas já foram violentadas sexualmente por colegas de trabalho em quem confiavam, grafiteiros respeitados ou ainda por desconhecidos da rua. Cada uma com uma experiência diferente vivenciou o que era a rua para uma mulher. “Ser grafiteira no início dos anos 2000, no Rio de Janeiro, era tomar coronhada da polícia, ter o cabelo pintado de spray, ser chamada de ‘vaca’, ser roubada e assediada. Era uma vida que eu não queria para nenhuma menina.” ela conta.
Até que em 2011 ela fundou a Rede NAMI, uma organização para criar redes seguras para grafiteiras ocuparem espaços públicos. Hoje já formaram mais de 800 líderes e artistas, ensinando sobre graffiti e direitos das mulheres para que elas soubessem identificar a violência em suas vidas e a repelir. Ela também nos aponta que, aos poucos, mulheres negras cis e trans têm sido finalmente reconhecidas no meio: “Só nos últimos seis meses, cinco jovens artistas mulheres terão, por meio do trabalho da Rede NAMI, suas obras, histórias e memórias preservadas pelos séculos como parte da coleção de museus.”
Ainda que não seja um ambiente muito aberto e que os artistas mais consagrados sejam homens, podemos perceber a ascensão de jovens mulheres dominando essa linguagem nas ruas brasileiras. Por tudo isso, trouxemos uma seleção de 6 artistas visuais que usam dos muros e prédios como suporte para suas poderosas produções.
1. Bianca Foratori
Bianca Foratori nasceu no ano de 1991, em Jundiaí, interior de São Paulo, mas atualmente ela reside na capital. Ela nos conta que a temática do feminino é o centro de sua pesquisa poética: “Quando iniciei na pintura, a forma que as mulheres eram representadas na arte e nos meios de comunicação me incomodava. Por isso, passei a produzir as imagens que eu gostaria de ver, e como eu gostaria de ser representada, imagens que associam o feminino à força e sabedoria. São características positivas, fugindo da hipersexualização e subalternidade.”
Hoje o maior interesse da artista é exercitar um outro olhar sobre essas narrativas que foram omitidas e contribuir para a formação desse novo imaginário sobre a mulher.
2. Daiara Tukano
Apesar de ser uma artista focada em outros formatos como telas, Daiara Tukano é autora do maior mural de arte contemporânea do mundo feito por uma artista indígena. A artista é descendente do povo Tukano, que vive no Alto Rio Negro, no Amazonas, na fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, mas nasceu em São Paulo, em 1982, em meio à mobilização do movimento indígena nacional concentrado na cidade durante o período da pré-Constituinte. E se um dos grandes impactos dessa linguagem feita por mulheres é o da representação, é revolucionário e gratificante ver, portanto, como Tukano retrata, em 48x28m, no centro da cidade de Belo Horizonte, a figura de uma grande mãe indígena com seu filho no colo.
3. Criola
A mineira conhecida como Criola, pinta as empenas da cidade desde 2012 utilizando elementos da diversidade brasileira para tratar de temáticas como as subjetividades da mulher preta. Você pode ter visto diversos trabalhos da artista na sua cidade natal – ela nasceu em 1990 em Belo Horizonte – ou na capital paulista. Um deles, é o impressionante retrato de 47 metros de Carolina Maria de Jesus, realizado na fachada de um prédio na Rua da Consolação, em São Paulo, e que fazia parte da exposição em homenagem à escritora no Instituto Moreira Sales.
4. Pri Barbosa
A paulistana Priscila Barbosa, nascida em 1990, tem como tema central mulheres revolucionárias na América Latina dos dias de hoje, não apenas as poucas figuras reconhecidas historicamente. “Essa discussão permeia temas como o trabalho doméstico e a reprodução social. Ao retratar mulheres eu proponho discussões acerca do nosso corpo e do nosso comportamento, juntamente com as expectativas que a sociedade tem de nós. Discuto como esses comportamentos atravessam gerações e qual legado nos foi passado por meio das lutas das nossas mães, avós e demais mulheres presentes na nossa criação e desenvolvimento.”, explica a artista.
5. Aline Bispo
Assim como muitas outras muralistas, Aline Bispo desdobra sua produção em outras linguagens como da ilustração e performance – talvez você conheça sua capa do bestseller Torto-arado, de Itamar Vieira Junior, e as ilustrações da coluna de Djamila Ribeiro na Folha de S. Paulo. Bispo nasceu em São Paulo em 1989, e se inseriu no circuito artístico grafitando as ruas de sua cidade. Aos poucos desenvolveu uma investigação sobre temáticas cruzadas que ressaltam questionamento sobre miscigenação brasileira, gênero, sincretismos religiosos e etnia. A convite da Adidas, a artista criou a arte de uma empena no viaduto do Minhocão para homenagear a diversidade feminina da cidade, além de promover a ocupação de espaços públicos por mulheres e meninas.
6. Hanna Lucatelli
Artista visual Hanna Lucatelli, nascida em 1990, cria personagens mulheres com uma aura sagrada e poderosa, quase sempre acompanhadas de mensagens provocando reflexões. Geralmente retratadas em preto e branco, suas personagens possuem um caráter de deslocamento do tempo. Não é difícil de encontrar seus enormes murais por aí, especialmente em São Paulo, sua cidade natal onde mora até hoje. A convite da Vivara, a artista somou suas imagens às palavras da poetisa Ryane Leão para criar cinco murais pintados em espaços públicos na capital paulista.