Sesc de Jundiaí abre exposição de Sidney Amaral

Conhecido pela habilidade técnica e pelo diálogo entre questões íntimas e sociais, o artista ganha uma exposição com trabalhos icônicos e obras em processo

por Beta Germano
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Sidney Amaral
Sidney Amaral

“Celebrar o artista negro e os seus feitos, desde os tempos terríveis da escravidão até os dias não menos severos de hoje, será sempre um ato de frustração”, escreveu Emanoel Araújo no texto de abertura do catálogo A Nova Mão Afro-Brasileira. De fato, a morte precoce de Sidney Amaral, em 2017, deixou todos do circuito  da arte triste e frustrado. Um artista jovem, habilidoso e potente que ganhava o mundo teve sua voz interrompida rapidamente, brutalmente. Agora o público que visitar o Sesc Jundiaí  terá a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o pensamento e processo de criação de Amaral. A mostra Viver até o fim o que me cabe! – Sidney Amaral: aproximação, curada por Claudinei Roberto da Silva reúne trabalhos que transitam entre as linguagens do desenho, da pintura e da escultura, além de cadernos do artista e obras em processo.

Apesar de reunir cerca de 70 obras, a mostra não tem configuração de retrospectiva. Trata-se de uma seleção de trabalhos do acervo do próprio Sesc, emprestadas de colecionadores e obras que foram deixadas no ateliê do artista que dividia o espaço de criação com o curador. Claudinei afirma que a exposição é uma espécie de porta entreaberta, um convite para um estudo mais aprofundado do trabalho de Amaral, com o objetivo de inseri-lo no conjunto de ações que dão visibilidade à produção de artistas afrodescendentes e contribuem para o surgimento e afirmação de uma sociedade mais plural e democrática. O curador destaca a oportunidade que o público terá de ver seus cadernos e estudos do artista revelando o processo de elaboração de seu pensamento e provando que o resultado impecável de suas obras era fruto de muita pesquisa e exercícios. “Usamos a palavra ‘aproximação’ no título justamente porque a intenção é introduzir o universo desse artista. A exposição humaniza o artista e fale de um processo  de criação que precisa ser cuidado por nós.”, revela o curador. 

Sidney Amaral
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Sidney Amaral pertenceu a uma geração de jovens artistas afro-brasileiros contemporâneos que trouxeram ao público e à crítica especializada uma produção potente e de qualidade formal que denunciava as mazelas sociais de um país desigual e racista. Parece que Amaral previa a intensificação do movimento #blacklivesmatter que tomou conta do mundo inteiro em 2020, mas que já tinha força desde 2013 por causa da  absolvição de George Zimmerman pelo assassinato do adolescente afro-americano Trayvon Martin 17 meses antes, em fevereiro de 2012.

Claudinei reforça que “Sidney Amaral não esteve alheio às urgentes demandas do nosso tempo e não nem se omitiu diante dos problemas que mais diretamente afetam as ‘maiorias minorizadas’ do Brasil, notadamente negras e negros assediados pelo histórico e estrutural racismo”. Na maioria dos trabalhos, reflexões raciais e sociais se misturam com angústias existenciais do próprio artista. Destaca-se pelo modo sofisticado em que arquiteta a poética de temas muitas vezes duros demais, porém costurados pela delicadeza dos afetos.”Não estamos falando ‘apenas’, como se isso fosse pouco, de um engajamento político. Ele se destaca também pela qualidade formal da produção, pela forma como organiza o pensamento e constrói elaborações simbólicas”, explica o curador sobre o artista conhecido pelos desenhos e pinturas realistas desenvolvidos com impressionante competência e esmero. 

Sidney Amaral
Bem Me Quer, da série Relações Delicadas, de Sidney Amaral
Sidney Amaral
Sidney Amaral

“Foi a partir das fragilidades existenciais observadas no trivial cotidiano do homem negro comum, inserido numa sociedade sempre disposta a esquecer os valores destinados a todos, sem exceção, é que surge o substancioso conjunto de autorretratos do artista”, afirmou Nabor Jr., editor e idealizador da revista O Menelick 2º Ato. Entre esses trabalhos, vale destacar o desenho Gargalheira ou quem falará por nós?, no qual o artista se coloca preso a uma gargalheira ( espécie de coleira de ferro ou madeira muito usada nos escravos ) composta por diferentes microfones, sugerindo que os próprios descendentes dos africanos escravizados  precisavam ter voz. “Não dá para pensar o mundo sem pensar a partir da minha experiência de mundo: sou homem, negro e pai de família, trabalhei em três empregos para continuar a fazer arte…trabalhava até meia noite e pintava até as quatro da madrugada! Foi difícil, mas faria tudo de novo!”, declarou o artista na palestra Diálogos Ausentes, promovida pelo Itaú Cultural. 

Gargalheira ou quem falará por nós?, de Sidney Amaral
Gargalheira ou quem falará por nós?, de Sidney Amaral

Outro trabalho que vale destacar é o Bem Me Quer, da série Relações Delicadas, na qual o artista se retrata com luvas de boxe usando um vestido de noiva no lugar do saco de pancadas. A ideia era falar sobre a dificuldade de comunicação entre pessoas que se amam, mostrar que uma relação só acontece quando baixamos a guarda: “Para entender o outro, é preciso ouvi-lo. Não é uma tarefa fácil, pois estamos sempre falando de nós mesmos sem escutar”, explicou o artista. Em Banzo ou anatomia de um homem só, Amaral se apresenta com parte do corpo aberta, mostrando os órgãos e os tecidos, oferecendo flores murchas. Banzo era o sentimento de melancolia profunda em relação à terra natal e de aversão à privação da liberdade praticada contra a população negra no Brasil na época da escravidão. Era comum que esse sentimento tomasse conta da população negra que chegou escravizada no Brasil, resultando numa série de suicídios.  O artista revela que estava se separando na época em que fez esse trabalho e quis se colocar “totalmente de peito aberto, com dois corações”. Na época ele foi tocado pela sinceridade e sensibilidade das flores na capa do álbum Nervos de Aço, de Paulinho da Viola. 

Banzo ou anatomia de um homem só, Sidney do Amaral
Banzo ou anatomia de um homem só, Sidney do Amaral

Nascido de família proletária, na periferia da zona norte da cidade de São Paulo, o artista estudou, ainda nos anos 1990, na Escola Pan-americana de Artes, no Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) e na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Professor e referência para muitos jovens artistas negros, ele começou a ganhar espaço no circuito artistico nos últimos 10 anos. Ganhou prêmios importantes, como o Prêmio Funarte de Arte Negra; apresentou seu trabalho em expressivas mostras nacionais e internacionais; e, vendeu peças para os acervos da Pinacoteca de São Paulo,  Museu Afro Brasil, Instituto Itaú Cultural e Sesc São Paulo.

Sidney Amaral
Sidney Amaral

Amaral também tinha uma produção escultórica relevante em mármore, resina e porcelana e bronze. Sobre os objetos “prosaicos” apropriados e transformados em arte Emanoel Araújo declarou: “Sidney é um provocador da materialidade dos objetos, subvertendo, em muitos dos seus trabalhos a natureza das coisas: o frágil e o leve pelo pesado e resistente, o efêmero pelo definitivo. Há, em suas propostas, uma concepção que materializa no bronze o que poderia ser plástico, ou vice-versa, e com isso ele faz uma nova visualidade no julgamento de seus objetos. Esse jogo de transformar esses objetos faz de sua proposta uma sempre original inquietação entre o público e a obra”. Num texto para o Museu Afro Brasil, Renato Araújo questiona: “Sidney, quantos negros artistas como você, não partiram cedo demais?” Acho que o artista responderia: “Não são somente os artistas,  corpos negros ainda partem cedo demais. 

Viver até o fim o que me cabe! – Sidney Amaral: aproximação

Data: até 4 de Setembro 

Local: Sesc Jundiaí 

Endereço: Av. Antônio Frederico Ozanan, 6600 – Jardim Botânico, Jundiaí

*O público poderá visitar a mostra mediante agendamento prévio feito na página do Sesc Jundiaí. As atividades presenciais seguem protocolos de órgãos de saúde pública para evitar o contágio e disseminação da Covid-19.

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