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Quem são as colecionadoras por trás dos grandes acervos?

por Giovana Nacca
Peggy Guggenheim em Paris, registrada por Rogi André, c. 1940

Do efervescente cenário do século XX, que testemunhou uma revolução no universo da arte impulsionada por fatores históricos, sociais, culturais e tecnológicos, emergiram colecionadoras e mecenas de arte que fizeram história, eternizaram nomes de artistas e moldaram importantes acervos mundiais que conhecemos hoje. Estas mulheres parecem ter em comum o compromisso financeiro com a educação e a acessibilidade, tendo construído coleções não somente para si, mas para o mundo. 

A exemplo disso, Peggy Guggenheim é, de longe, a figura mais conhecida quando se trata de colecionadoras emblemáticas. Ela se tornou um ícone da cena ao construir uma das mais notáveis coleções privadas do mundo, além de ter sido uma das maiores impulsionadoras do Expressionismo Abstrato Americano. Mas além dela, quais outros notáveis nomes você conhece?

É importante reconhecer que nesse cenário muitas mulheres foram inseridas na história à sombra de seus maridos, cujos nomes frequentemente ofuscavam suas realizações individuais. Uma análise da lista dos principais colecionadores da ARTnews destaca a disparidade de gênero, com apenas 10% sendo mulheres solteiras – talvez como reflexo do persistente poder econômico detido pelos homens. Mesmo considerando as coleções familiares, a maioria dos nomes que se destacam e são reconhecidos também é do sexo masculino. 

Por isso, selecionamos aqui algumas personalidades, para além de Peggy Guggenheim, que transcenderam essas barreiras e que você precisa conhecer.

Peggy Cooper Cafritz

Peggy Cooper Cafritz. Foto: Tony Cenicola/The New York Times

Patrona das artes, ativista dos direitos civis e educadora, Peggy Cooper Cafritz é conhecida por ter acumulado uma das maiores coleções privadas de arte afro-americana nos Estados Unidos. Desde a sua infância no Alabama, Peggy foi bastante incentivada pelos pais que treinaram seu olhar sensível às artes, lendo livros juntos e a apresentando a este universo. Mas seu envolvimento com o colecionismo começou na faculdade, adquirindo peças africanas trazidas por membros do Comitê de Coordenação Não-Violenta de Estudantes da Universidade Howard.

Entre vários trabalhos relevantes que Cafritz realizou, vale destacar que ela tornou-se a curadora mais jovem nomeada pelo American Film Institute e integrou o Comitê de Aquisições de Pintura e Escultura do Whitney Museum of American Art. Infelizmente, em 2009, um incêndio devastador consumiu sua casa em DC, resultando na perda de mais de trezentas obras de arte, incluindo preciosidades de Bearden, Lawrence e Kehinde Wiley.

Determinada, Cafritz reconstruiu sua coleção e, ao falecer em 2018, legou parte significativa dela ao Studio Museum no Harlem e à Duke Ellington School of Art, garantindo que seu legado continuasse a enriquecer e inspirar as gerações futuras.

Mercedes Santamarina

Mercedes Santamarina retratada por Philip de László em 1921

Nascida em Buenos Aires em 1896, Santamarina fazia parte de uma família aristocrática de políticos, industriais, empresários e colecionadores de arte. Sua coleção foi formada especialmente entre 1920 e 1940, quando ela empreendeu diversas viagens aos Estados Unidos e à Europa. Grande parte de sua coleção tem origem em Paris, onde ela adquiriu obras de mestres como Paul Gauguin, Pierre-Auguste Renoir, Paul Cézanne e Auguste Rodin. Sua paixão pela arte não se limitava apenas a pinturas; ela também colecionava móveis, peças em marfim e porcelana, exibindo-as em sua residência na rua Las Heras. Reconhecida por sua meticulosidade como colecionadora, Mercedes possuía uma extensa biblioteca composta por catálogos, monografias e publicações de arte. Além disso, desempenhou um papel crucial como apoiadora do Museo Nacional de Bellas Artes, sendo membro ativa da Asociación Amigos. Nas décadas de 1960 e 1970, Santamarina doou grande parte de seu acervo ao museu. Em 1971, sua generosidade estendeu-se ao Museu Municipal de Tandil, contribuindo com quase uma centena de peças que hoje compõem uma parte vital do legado cultural da cidade.

Emily Fisher Landau 

Emily Fisher. Foto de Chester Higgins Jr. The New York Times

Emily Fisher Landau, nascida em 1927, deixou um legado significativo como uma proeminente filantropa e colecionadora de arte estadunidense. Sua trajetória como colecionadora teve início no final da década de 1960, com suas primeiras aquisições, mas foi no final dos anos 1970 que sua paixão pela arte contemporânea floresceu. Após a morte do marido em 1976, Emily temporariamente interrompeu sua jornada de colecionadora, apenas para retornar no final da década, o que coincidiu com o boom da arte contemporânea em Nova Iorque e em todo o país. O resultado foi uma das coleções norte-americana mais importantes da atualidade, que inclui nomes de artistas modernos e contemporâneos, como Andy Warhol, Jasper Johns, Willem de Kooning e Robert Rauschenberg.

Em 2010, ela doou 417 obras de arte para o  Whitney Museum of Art, onde atuou também como curadora. Seu envolvimento estendeu-se a várias instituições, incluindo o Museum of Modern Art e o Georgia O’Keeffe Museum . Em 1991, inaugurou o Fisher Landau Center for Art no Queens, uma instituição que abriu suas portas ao público por 26 anos, exibindo uma coleção com nada menos que 1.500 obras.

Emily Fisher faleceu aos 102 anos na Flórida, em 2017, deixando além de uma inestimável herança para o circuito das artes, um legado social marcado por seu profundo compromisso com causas relacionadas à saúde e à educação.

Helene Kröller-Müller

Helene Kröller-Müller. Foto: Hoge Veluwe.

O Museu Kröller-Müller, na Holanda, fundado em 1928, possui a segunda maior coleção de obras de Van Gogh fora do Museu Van Gogh, em Amsterdã, além de ser um dos primeiros museus de arte moderna da Europa. Mas você conhece a colecionadora que o batiza? Helene Kröller-Müller, nasceu em uma abastada família industrial em 1869 e, ao contrário do que se possa imaginar, não demonstrava grande interesse em arte até os trinta e cinco anos.

Apesar de seu casamento ter sido arranjado por seu pai para ajudar a Wm. H. Müller & Co., a companhia familiar de mineração que estava em dificuldades, Helene encontrou no empresário Anton Kröller um parceiro para a empreitada de colecionadores. Após a morte repentina do pai em 1889, Kröller tornou-se diretora da empresa e rapidamente começou a operar em quatro continentes, elevando os Kröllers a uma das famílias mais ricas da Holanda. A partir de 1907, iniciou sua trajetória como colecionadora, recorrendo ao ex-professor de apreciação de arte, Henk Bremmer, como conselheiro.

Ao longo das décadas seguintes, Kröller-Müller, expandiu sua coleção, adquirindo obras de artistas como Van Gogh e Henri Fantin-Latour. Em 1935, ela e o marido doaram sua coleção ao estado holandês, solidificando seu legado como uma das maiores patronas e colecionadoras de arte do século XX. Helene Kröller-Müller faleceu em 1939, após supervisionar a instalação inicial de sua coleção no museu que continua a enriquecer a cena artística europeia.

Gwendoline e Margaret Davies

Logo no início do século XX, as irmãs galesas Gwendoline e Margaret Davies  não apenas herdaram a fortuna do avô industrial, David Davies, como também os ensinamentos do Metodismo Calvinista de fazer uso benevolente de suas riquezas. Desde cedo, as duas desenvolveram grande paixão pelas artes visuais e pela música, e já colecionavam obras antes mesmo de receberem a herança.

Durante a turbulência da Primeira Guerra Mundial, enquanto prestavam serviço na Cruz Vermelha Francesa, as Davies, embora tenham diminuído suas aquisições, trouxeram para casa tesouros como obras de Cézanne e Botticelli. No pós-guerra, redirecionaram sua filantropia para causas sociais, atuando em serviços de educação e artes para soldados galeses traumatizados. Elas também adquiriram o Gregynog Hall, uma enorme mansão no País de Gales, e o transformaram em um centro cultural.

Durante o período entre 1914 e 1920, Gwendoline e Margaret consolidaram a maior parte de sua notável coleção, marcada por um apreço especial por artistas impressionistas e pós-impressionistas, além de alguns realistas franceses.  Nomes ilustres como Van Gogh, Millet e Monet enriqueceram esse conjunto, mas foi Joseph Turner quem destacou-se como o favorito indiscutível das irmãs. Assessoradas por Hugh Blaker, curador do Museu Holburne, as irmãs Davies foram visionárias, deixando um legado que culminou com a doação de sua coleção ao Museu Nacional do País de Gales em 1953 e 1961.

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