Home EditorialArtigos Quem foi Rochelle Costi?

Quem foi Rochelle Costi?

Entenda mais sobre o poderoso olhar da artista visual que faleceu no último final de semana, em decorrência de um trágico atropelamento

por Giovana Nacca
Rochelle Costi
Reprodutor, 2008, Rochelle Costi. Foto: Kate Elliott

No último sábado, dia 26 de novembro, foi noticiado o trágico acidente que levou a artista gaúcha Rochelle Costi a óbito aos 61 anos de idade. Costi foi vítima de um atropelamento por motocicleta quando saía da exposição Arte é Bom no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, onde está exposta uma de suas obras. Em memória e homenagem à sua grande trajetória, trazemos aqui um breve resumo de seu legado para a cena artística brasileira.

Nascida em Caxias do Sul, em 1961, Costi foi acometida pelo estrabismo desde muito cedo, precisando se submeter a uma cirurgia nos olhos e a diversos exercícios óticos aos três anos de idade. Já adulta, movida pelo interesse de registrar sua visão de mundo, a artista chegou a trabalhar para importantes veículos de imprensa como fotojornalista em São Paulo e, depois, a técnica a levou ao universo das artes visuais. Certa vez, em 1985, em ocasião de suas fotografias expostas no Espaço Funarte, ela explicou para o Estadão que seu interesse pela linguagem audiovisual nasceu como alternativa por não se considerar boa desenhista.

A imagem em movimento, como o vídeo, também passou a ser quase uma extensão de seus olhos: “O que acho interessante no vídeo é que ele acompanha a trajetória do olhar em busca do acontecimento.” – já revelou Rochelle. 

Rochelle Costi
Desvios, 2007, Rochelle Costi

Hoje é possível perceber que a experiência cirúrgica, mesmo que vivida quando muito nova, inspirou algumas de suas obras mais recentes, como Desvios (2007), que a artista desloca para o contexto artístico uma coleção de imagens de “antes e depois” de pacientes que foram submetidos à mesma cirurgia entre as décadas de 1930 a 1970. Ou ainda a própria Reprodutor (2008), em cartaz no MIS, que é inspirada nos exercícios óticos feitos na infância e que convida o público a reproduzir, em desenhos, fotos de diversos rostos de artistas, vendo-as através de vidros coloridos que refletem a imagem na folha.

Rochelle Costi
Vista da instalação Reprodutor no Museu da Museu Imagem e do Som, São Paulo, 2008. Fotos: Romulo Fialdini

Seu maior legado parte do gesto de colecionar, seja imagens, por meio da fotografia, ou objetos triviais deslocados das cenas cotidianas. Assim, sua obra provoca o olhar do espectador antes automatizado. Em Desmedida (2009), a artista fotografa uma casa de madeira em miniatura, encontrada em um site de venda de peças usadas, com objetos em escala que confundem o espectador sobre a realidade da cena. O limite entre ficção e realidade torna-se ainda mais tênue quando a série foi instalada no espaço expositivo com intervenções de madeira na arquitetura, tornando a galeria uma extensão das imagens apresentadas. 

Para além dos tamanhos e das características próprias da instalação, linguagem amplamente explorada por Costi, muitas de suas obras possuem um caráter cenográfico, que beiram a teatralidade. Interiores, de 1983, é um dos primeiros trabalhos que a artista faz nessa direção. Nele, ela usou cortinas de chuveiro como suporte para apresentar espelhos com decalques, tampa de mala, armário de banheiro, páginas de álbuns, entre outros objetos e imagens. Essa instalação integrava a exposição Vivendo Retrato e foi mostrada isoladamente no 25º Salão de Artes Plásticas do MAM/RJ. Na ocasião ela recebeu uma crítica na imprensa local, que dizia que era “uma obra de gosto duvidoso cheirando a casa mal afamada” e para a artista isso “pareceu perfeito”.

Mas foi a partir de 1990, com a participação em importantes mostras como o Panorama da Arte Brasileira do MAM, em São Paulo, e a Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, que a carreira de Costi teve um grande impulso e passou a ter maior projeção no cenário artístico. Assim, no final da década, a artista integrou a 24ª Bienal Internacional de São Paulo e a 6ª e 7ª Bienais de Havana, entre outras mostras internacionais.

Mais recentemente, durante o início da pandemia no Brasil, em 2020, a artista, que estava acostumada a se debruçar sobre as temáticas de residência, repensa o lugar que mais nos cercou durante o período de isolamento e o desconforto ambiental. Então ela concebeu a série Casa, onde mais uma vez fotografou o interior de uma pequena casa, mas desta vez, feita artesanalmente como ex-voto na celebração do Círio de Nazaré em Belém do Pará, norte do Brasil. Segundo o artista Alexandre Sequeira, Costi concebe “uma ficção baseada numa experiência da realidade (…) O jogo criativo consiste em colocar em suspensão todas as certezas projetando-nos em um território onde condições antagônicas se apresentam como possibilidade”. 

Rochelle Costi
Cuore, da série Casa, 2020.

“Quando se fala em memória, remete-se a algo do passado, pessoal, íntimo. Mas eu, quando penso em memória, penso na comida que como, nos detritos que produzimos diariamente, em tudo que passa por nós.” – afirmou a artista, certa vez em 2005. Rochelle Costi expôs o seu cotidiano ordinário como obra e hoje, ainda que sua perda seja inestimável, sua memória se faz presente em nossa intimidade por meio de diversos acenos que nossa rotina sinaliza em direção à sua produção.

Você também pode gostar

© 2024 Artequeacontece Vendas, Divulgação e Eventos Artísticos Ltda.
CNPJ 29.793.747/0001-26 | I.E. 119.097.190.118 | C.C.M. 5.907.185-0

Desenvolvido por heyo.com.br

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support