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Artista Aposta: Josi faz obras de arte com caldo de feijão e afeto

Alquimias na cozinha e sabedoria dos afazeres domésticos são os ingredientes das obras da artista

por Giovana Nacca
Josi
Exposição Quarar Reverso da artista Josi, na Piccola Galleria – Foto: Leo Lara/Studio Cerri

O olhar sensível e atento de Josi traduz o verdadeiro entrosamento entre arte e vida. A arte brota espontaneamente na rotina da artista, que cria com objetos do serviço doméstico, como peneira de bambu, engomador, caldos e temperos de cozinha, quaradores de estender roupa, entre outros. 

Com a herança da pandemia, a maioria de nós foi impelida a se “reinventar” a partir da escassez e lidar com aquilo que nos cerca. Num dia comum, enquanto cozinhava feijão, um fiozinho de caldo transbordou da panela e fervilhou na mente da artista. Josi se espantou com o tom azulado que o ingrediente alcançou e o compreendeu como potencial pigmento para seus trabalhos. 

Tendo saído do vasto campo de terra e grama do Vale do Jequitinhonha, Josi extrai a vivacidade da natureza nas pequenas possibilidades que a cidade grande de Belo Horizonte, onde reside atualmente, lhe oferece. A artista já coletou terra até dos buracos entre asfalto para agregar suas composições.

Assim, Josi resgata elementos cheios de vida e mantém esse atributo tanto na obra final quanto em seus processos. Todas as suas imagens revelam personagens em ação, especialmente mulheres. Os pigmentos agem sobre os suportes com muita autonomia, visto que passam por uma grande variação de nuances até a secagem. As transparências que os caldos possibilitam também criam uma atmosfera nostálgica, como se o suporte revelasse memórias íntimas – e não é à toa, afinal suas criações são muito autobiográficas, ainda que possuam um caráter trivial que deixa essas narrativas em aberto para o público fazer suas próprias projeções. 

Em suas produções não existe a aura de artista como o ser inatingível e iluminado. E Josi se apropria ainda mais dessa característica quando convida seus colegas e familiares a escrever, tecer e modelar da maneira mais despretensiosa em meio a Conversas Fiadas. 

Josi
Conversas fiadas, 2022 (em processo) – Josi.

Apesar da potência de seus trabalhos, a artista explica que sua relação pessoal com a temática de tarefas domésticas é bastante dúbia. Ao mesmo tempo que tenta se esquivar delas e dos estereótipos atribuídos às mulheres, Josi possui um profundo respeito por sua trajetória e pelas sabedorias que envolvem esses fazeres. Assim, suas obras rompem com as hierarquias classificatórias, afinal, a quem interessa que os saberes mais valorosos sejam aqueles do campo abstrato da teorização que se restringem à “elite intelectual”? 

“Por muito tempo, eu acreditei que era culturalmente vazia” – Josi comenta na entrevista. “Minha avó é analfabeta, mas ela tem um saber nas mãos que eu valorizo”. 

Josi
Da série quara-dores, 2022, Tecido, goma de farinha de trigo e água de feijão preto sobre voal e quarador de madeira.

Parafraseando o artista Ernesto Neto, “nada segura a vida, assim como nada segura a arte. (…) Arte é vida e vida é arte”. Nada segura Josi. A artista, que produz há apenas três anos, já é uma aposta certa.

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