“Quando eu estava criando o conceito para este lançamento, mergulhei nestas imagens – elas me fizeram sentir que eram relevantes para o que estamos fazendo agora.”, declarou Rihanna à Vogue sobre as fotografias de Kwame Brathwaite que ela usou como referência para criar as campanhas de sua marca de cosméticos Fenty. De fato, é preciso lembrar, sempre, que muito do que foi conquistado para chegar onde estamos carrega nomes e sobrenomes dos que vieram antes para abrir caminhos…mesmo que seja apenas o início da jornada.
Apesar de só recentemente ter alcançado reconhecimento, em retrospectivas e monografias de museus, a fotografia de Brathwaite atua desde os anos 1960 como força e inspiração para muitos, tento um importante papel na História da Arte por inaugurar novas formas de representação, especialmente para mulheres negras.
Responsável por inserir, no mundo da moda e música, a premissa “Black is beautiful”, idealizada inicialmente jamaicano Marcus Garvey, durante o desenvolvimento do movimento pan-africanista, ele faleceu aos 85 anos no início destes mês deixando uma reflexão latente: arte, moda e a indústria do entrenimento atuam em um sistema complexo que constrói padrões de beleza e, consequentemente, de consumo que legitimam hierarquias e distinções sociais e raciais.
Brathwaite declarou o desejo de retratar “a essência da experiência negra, como um sentimento, um impulso e uma emoção” que são ouvidos e sentidos por meio da música. E essa relação é celebrada na exposição Kwame Brathwaite: Things Well Worth Waiting For, no Art Institute of Chicago até 24 de julho deste ano.
Respeita o meu cabelo
Brathwaite não entrou para a pasta de referências de Rihanna à toa, também não foi aleatória a escolha do artista, em 2018, para fotografar as criações de Joanne Petit-Frère, a escultora de postiços de cabelo de Beyoncé, para a New Yorker. Sua revolução está diretamente ligada ao mundo da música e à indústria da beleza.
Em 1956, ele e o irmão, Elombe Brath, fundaram, com alguns amigos, a African Jazz and Art Society and Studios (AJASS). A organização era inspirada em outras muitas sociedades de jazz que floresceram antes dela, com uma diferença fundamental em seu nome: a palavra “africano”, que estava “fora de moda” na época.
Durante a década seguinte , Brathwaite e Brath montaram um estúdio no Harlem, em Nova York, para fazer retratos de músicos e o fótografo chegou a registrar nomes como Duke Ellington, Thelonious Monk e Miles Davis. E, no início dos anos 70, ele era conhecido por ser o fotógrafo do Apollo Theatre, famoso local onde artistas como Whitney Houston e Chaka Khan se apresentavam e passaram por suas lentes.
Nesse mesmo período, os irmãos também administravam o Grandassa Land, um espaço da 135th Street onde eram realizadas leituras de poesia e outros eventos, e organizaram desfiles e campanhas de moda que popularizaram a expressão “Black is beautiful”.
Em 1962, a AJASS organizou o primeiro de seus desfiles de moda “Naturally” cujo objetivo era, entre outros, encorajar mulheres negras a compreender que eram naturalmente belas. Muitas das modelos tinham pele mais escura do que os tons claros das mulheres negras que apareciam nas revistas de moda da época e usavam cabelos em “estilos naturais”. Os desfiles fizearm sucesso e acabaram acontecendo também em Chicago e Detroit.
“Houve muita controvérsia porque estávamos protestando sobre como, na revista Ebony, você não conseguia encontrar uma garota ébano.”, explicou Brathwaite cujas inovadoras imagens começaram a aparecer em várias publicações ajudando a reforçar a estética “Black is beautiful”.
Imagem como luta
Kwame Brathwaite nasceu em 1º de janeiro de 1938 no Brooklyn, Nova York. Inicialmente, ele pretendia se tornar um designer gráfico. Mas o assassinato de Emmett Till em 1955 e as fotos de seu cadáver que foram publicadas pela revista Jet levaram Brathwaite a mudar de direção. Usaria, então, a câmera como arma para lutar pelos Direitos Civis, chegando a fotografar eventos políticos como o Marcus Garvey Day Parade.
Mas ele acabou produzindo algo diferente do fotojornalismo tradicional provando que criatividade e estética andam lado a lado com as lutas identitárias : imagens em preto e branco são encobertas por uma sombra misteriosa ou tiradas de ângulos obscuros que ocultam informações visuais que parecem necessárias – como a multidão assistindo ou partes dos instrumentos de seus personagens.
Na medida em que o tempo passava, ele captava, cada vez mais, as cores brilhantes de suas modelos – algumas usando icônicos enfeites de cabeça ou brincos de contas de Carolee Prince. Durante os anos 70, Brathwaite também viajou para a África, visitando países como Egito, Tanzânia, Quênia e muito mais, e seguiu os Jackson Five até Gana!
Seu trabalho é citado, até hoje, como a principal influência de grupo crescente de jovens fotógrafos de moda negra e pelo crítico Antwaun Sargent, hoje curador da galeria Gagosian, em um livro publicado em 2019 sobre o assunto. A Aperture organizou uma retrospectiva de Brathwaite, também em 2019, que já fez paradas em Los Angeles, San Francisco, Austin, Detroit e Nova York.