Pela primeira vez, em seus 127 anos de história, a Bienal de Veneza concedeu seus principais prêmios a duas mulheres negras: a artista britânica Sonia Boyce e a estadunidense Simone Leigh. Ambas também foram, individualmente, as primeiras mulheres negras a representarem suas nações.
Tudo isso parece muito sintomático de uma edição histórica com curadoria de Cecilia Alemani que vem atraindo atenção muito antes de abrir a mostra, seja pelo anúncio de artistas diversificados em nacionalidade e gênero selecionados para a exposição principal, ou ainda pela concessão inédita dos Leões de Ouro pelo conjunto de vida para duas mulheres – Cecilia Vicuña e Katharina Fritsch.
Os prêmios foram entregues durante a Cerimônia de Premiação e Abertura no Ca’ Giustinian, e o Júri desta edição é composto por Adrienne Edwards (EUA) – presidente do Júri, Lorenzo Giusti (Itália), Julieta González (México), Bonaventure Soh Bejeng Ndikung (Camarões), e Susanne Pfeffer (Alemanha).
Simone Leigh, que também representou os Estados Unidos este ano na Bienal de Veneza, foi premiada com o Leão de Ouro como a Melhor Artista na Exposição Internacional The Milk of Dreams. Leigh foi reconhecida pela obra Brick House (2019), uma escultura de 16 pés de altura, posicionada na entrada do Arsenale, cercada de outras obras de Belkis Ayón, e que segundo a Bienal de Veneza, “forneceu uma entrada convincente para as ideias, sensibilidades e abordagens consteladas ao longo da exposição principal”. Talvez a obra lhe parece familiar, afinal ela esteve originalmente no parque High Line de Nova York, onde Alemani atua como curadora-chefe.
A artista usou seu discurso para homenagear pessoas que ela chamou de “interlocutores”, entre eles Rashida Bumbray, que liderará o projeto Loophole of Retreat: Venice como parte do pavilhão dos Estados Unidos no final deste ano, e a artista Lorraine O’Grady.
Já o Leão de Ouro de Melhor Participação Nacional foi para a artista Sonia Boyce, com a exposição Feeling Her Way, com curadoria de Emma Ridgway. no Pavilhão da Grã-Bretanha.
Por meio de vídeos, esculturas e exibições de arquivos, a artista pesquisou o trabalho de cinco cantoras negras de diversas gerações e estilos, especialmente aquelas cujas vastas contribuições para a história musical do país foram pouco reconhecidas. Assim, a exposição apresenta Jacqui Dankworth, Poppy Ajudha, Sofia Jernberg, Tanita Tikaram e a compositora Errollyn Wallen enquanto participam de uma sessão de gravação em estúdio. As salas seguintes trazem as artistas individualmente, criando uma trilha sonora em evolução e sobreposta à medida que o público passa pelo pavilhão. Assim, os contrapontos integram a poética da mostra que inclui o ensaio em oposição à afinação perfeita, bem como as relações entre as vozes em forma de coral, à distância e em pontos variados do espetáculo. Segundo a Bienal, “Boyce propõe uma linguagem muito contemporânea em relação às formas fragmentadas que o espectador, ao vivenciar o pavilhão, pode juntar.”
Em lágrimas, Boyce agradeceu a várias figuras, incluindo o falecido curador Okwui Enwezor, que trouxe seu trabalho para a mostra principal da Bienal de Veneza em 2015.
O artista libanês Ali Cherri ganhou o Leão de Prata, concedido anualmente a um “jovem promissor”, por sua videoinstalação de Of Men and Gods and Mud (2022), que coloca a represa de Merowe, no Sudão, dentro de um contexto histórico da arte. O esforço foi elogiado pelo júri por “abrir-se de outras narrativas que fogem da lógica do progresso e da razão”.