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O que é a Bienal de Veneza?

por Giovana Nacca
Bienal de Veneza
Entrada da Bienal de Veneza

Atualizado em 20 de abril de 2022: A obra de Belkis Ayón que pertence a um museu russo não está em exibição porque não pôde viajar para a Itália. “Por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022, foi impossível mostrar o trabalho original aqui”, diz o texto de parede da pintura de Ayón. A pintura agora aparece como uma impressão em grande escala que é colada na parede.

Desde que começou em 1895, a Bienal tem sido um barômetro da arte global e, sem dúvidas, é a exposição mais prestigiosa do mundo. Atrasada em um ano pela pandemia, a 59ª edição abrirá ao público de 23 de abril a 27 de novembro, e por isso vamos te explicar tudo o que você precisa saber sobre esse grande evento. 

Como começou? 

A princípio a ideia era fundar uma Esposizione Biennale Artistica Nazionale (exposição bienal de arte italiana). Era 19 de abril de 1893 quando a Câmara Municipal de Veneza, presidida por seu prefeito, Riccardo Selvatico, aprovou uma resolução para criar o evento que seria inaugurado em abril do ano seguinte. Com o tempo, foram tomando as primeiras decisões que viriam a estruturar o formato da Bienal: adotar um sistema “por convite”; reservar uma seção também para artistas estrangeiros; admitir obras de artistas italianos não convidados, selecionados por um júri. Porém, conforme foi tomando outras proporções, mais próximo da data, em abril de 1894, o prefeito Selvatico anunciou a primeira Exposição para o ano seguinte e, logo após, o economista e acadêmico Antonio Fradeletto foi nomeado secretário-geral. 

Bienal de Veneza
Primeira edição da Bienal de Veneza

Durante o inverno de 1894-1895, dedicaram-se na construção do Palazzo dell’Esposizione (local de exposições) no Giardini di Castello. O projeto era do arquiteto do Conselho, Enrico Trevisanato e a fachada neoclássica do artista veneziano Marius De Maria. 

Finalmente, em 30 de abril, foi inaugurada a I Esposizione Internazionale d’Arte della Città di Venezia (1ª Exposição Internacional de Arte da Cidade de Veneza), na presença do Rei e da Rainha, Umberto I e Margherita di Savoia, e com grande aclamação do público (224.000 visitantes).

Organização por pavilhões

De forma muito vaga, podemos dizer que a Bienal é composta por: uma exposição principal no Padiglioni Centrale (Pavilhão Central); pavilhões organizados por dezenas de países; e exposições organizadas de forma independente marcadas pela Bienal como eventos colaterais oficiais.

Desde o início, os organizadores da Bienal incentivaram os países a construírem seus próprios pavilhões em Veneza para apresentar as exposições de um ou mais artistas, com o entendimento de que as próprias nações arcariam com todos os custos de construção, manutenção e programação. Então, em 1907, a Bélgica inaugurou o primeiro pavilhão nacional no Giardini di Castello. Depois vieram Hungria (1909), Alemanha (1909), Grã-Bretanha (1909), França ( 1912) e Rússia (1914). Hoje, mais de 80 pavilhões compõem esse grande festival de arte, incluindo Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão, que inauguram seus pavilhões excepcionalmente esse ano. Vale dizer, que muitos foram projetados por arquitetos famosos, como o pavilhão austríaco de Josef Hoffmann, o pavilhão holandês de Gerrit Thomas Rietveld ou o pavilhão finlandês, uma planta trapezoidal pré-fabricada projetada por Alvar Aalto.

Mas nem todos os Pavilhões ficam no Giardini, ou em português “Jardins”, que é o local criado por  Napoleão no início do século XIX e que, tradicionalmente, abriga a exposição central desde a primeira edição. Hoje, o Giardini abriga 29 pavilhões de países estrangeiros e estes recebem um destaque dentre os demais (e sim, o Brasil está nele!). 

Pavilhão da Rússia na Bienal de Veneza
Pavilhão da Rússia

Por tudo isso, não é exagero afirmar que a Bienal é um significativo evento diplomático. A exemplo, a participação da Rússia neste ano foi cancelada em ocorrência da guerra contra a Ucrânia. Os dois artistas que representam o país, Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov, bem como o curador Raimundas Malašauskas, saíram do pavilhão logo após o início da guerra. 

Vendas e Mercado de Arte:

A própria Bienal não é, por excelência, um evento de comercialização, apesar de capitalizar o influxo de arte em Veneza. Mas nem sempre foi assim, até 1968 a Bienal tinha um próspero escritório de vendas que realizou 186 negócios na primeira edição e já teve uma alta de 1.209 vendas em 1909. Apesar disso, os revendedores das galerias que representam os artistas em exposição geralmente estão à disposição durante os dias de abertura da Bienal para fazer negócios, e as obras mais requisitadas provavelmente serão vendidas antes mesmo da abertura da exposição.

Premiações:

A história dos prêmios na Bienal não é linear, e já passou por diversas transformações e inclusive durante o regime fascista, por exemplo, houve um prêmio para artistas que melhor retrataram o tema da maternidade. Mas, em suma, a cada edição um júri internacional de curadores concede três prêmios: um Leão de Ouro para a melhor participação nacional, um Leão de Ouro para o melhor participante da mostra principal e um Leão de Prata para o mais promissor jovem participante no programa principal. O júri também pode conceder uma menção especial a uma nação participante e duas menções especiais a artistas da mostra principal. Além disso, o diretor artístico pode propor um Leão de Ouro pelo conjunto da vida, o que é confirmado pela diretoria da Bienal, geralmente antes da abertura da mostra.

59ª edição e a participação feminina:

Nunca houve, na história da exposição central da Bienal de Veneza, uma edição majoritariamente feminina. Num extremo, em 1995, a exposição com curadoria de Jean Clair era 90% masculina. 59 edições depois, desde a criação do evento, Cecilia Alemani, a primeira mulher italiana a atuar como diretora artística da Bienal e apenas a quinta mulher de qualquer nacionalidade a ser curadora da exposição, muda esse cenário trazendo um foco inédito em artistas femininas e não-binaries não apenas com um objetivo numérico, mas qualitativo.

Cecilia Alemani

Alemani intitulou sua Bienal de “O Leite dos Sonhos” em homenagem a um livro do mesmo nome da surrealista Leonora Carrington. Ao adentrar a exposição, a primeira obra que os espectadores verão será a de Belkis Ayón que descreve uma sociedade matriarcal imaginária de uma exposição das tradições afro-cubanas.

Em entrevistas, a curadora fala em querer desafiar o “ideal universal do homem branco e masculino ‘Homem da Razão’ como centro fixo do universo e medida de todas as coisas”. Apesar disso, ela não classificou essa edição como uma Bienal abertamente feminista, mas é assim que muitos têm chamado antes mesmo da abertura. Cecilia Alemani é um contrapeso na balança na desigualdade com uma intenção simples, mas quase escandalosa: normalizar um mundo em que o homem branco europeu não esteja no centro.

Para além dos avanços por parte da curadoria, vale ressaltar ainda dois acontecimentos dessa edição: (1) essa foi vez, desde 2013, que duas mulheres – Katharina Fritsch e Cecilia Vicuña – receberam o prêmio “Leão de Ouro”, que costuma ser entregue a um único artista e é mundialmente considerado uma afirmação de carreira; (2) a conquista tardia, mas valiosa, da representação inédita dos Estados Unidos e Grã-Bretanha por artistas mulheres negras – Simone Leigh e Sonia Boyce respectivamente.

Brasil em Veneza:

Sabe-se que a primeira participação do Brasil na Bienal de Veneza foi em 1950, na 25ª edição. Na época, Ciccillo Matarazzo já havia criado o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e o projeto para a realização de uma Bienal Internacional no Brasil já estava em andamento, por isso, na visão de Ciccillo, era a oportunidade perfeita de levar sua própria delegação de artistas brasileiros tanto para o posicionamento do país no panorama artístico internacional, quanto para fazer novos contatos com outras delegações. 

Cada país tem suas próprias políticas a respeito da escolha do artista que representará a nação em Veneza. Então de início, o MAM passou a ser oficialmente responsável por essa seleção até 1963, quando a Fundação Bienal, recém fundada e separada do Museu, passou a coordenar essa atividade. Cinco anos mais tarde, em 1968, com o agravamento dos problemas de saúde de Ciccillo, a representação brasileira em Veneza passou a ser organizada pelo Ministério das Relações Exteriores até 1993, quando a Fundação Bienal de São Paulo retomou a tarefa, que tradicionalmente se mantém até hoje.  

No início a Bienal de São Paulo, inspirada na italiana, também tinha espaços dedicados a outros países e seus representantes, mas isso mudou na 16ª edição (1981): o crítico e ex-diretor do MAC-USP, Walter Zanini, o primeiro curador-geral da mostra, aboliu essas categorias.

Neste ano, o artista alagoano Jonathas de Andrade, escolhido pelo ex-curador da 34ª Bienal de São Paulo, Jacopo Crivelli Visconti, vai nos representar na 59ª Bienal de Veneza com uma instalação inédita, encomendada para a mostra, cujo tema dialoga com o escolhido pela curadora italiana. Expressões populares no Brasil e que se utilizam de partes do corpo humano em metáforas como “nó na garganta”, “cara de
pau”, “olho do furacão”, “das tripas coração”, “de braços cruzados”, “empurrar com a barriga”, entre dezenas de outras, são a inspiração para a exposição Com o coração saindo pela boca.

Jonathas de Andrade na instalação Com o coração saindo pela boca / Con il cuore che esce dalla bocca (2022), no Pavilhão Brasileiro. Cortesia: Ding Musa / Fundação Bienal de São Paulo

Também vale ressaltar, que Cecilia Alemani selecionou cinco artistas brasileiros para a exposição principal: o artista indígena Jaider Esbell, morto em novembro do ano passado, Lenora de Barros, Luiz Roque, Rosana Paulino e Solange Pessoa. Esta foi a maior seleção de artistas brasileiros em muitos anos – na última edição, por exemplo, não havia nenhum. 

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