Obras de arte em néon, a luz que mais brilhou em 2021

Em um ano de luz e sombra, separamos para vocês 8 ocasiões em que trabalhos com néon tiveram sua presença devidamente marcada

por Paula
11 minuto(s)
Joseph Kusuth
Neon, 1965, Joseph Kusuth

Com o fim do Ministério da Cultura e o sucateamento das políticas públicas, os últimos anos têm sido muito desafiadores para quem trabalha nesta área no Brasil. No circuito das artes visuais encontramos uma luz no fim do túnel. E quando dizemos uma luz, estamos falando literalmente naquela emitida pelo néon. Presente nas galerias, feiras, museus, revistas e obviamente na plataforma ARTEQUEACONTECE, o néon foi uma das mídias que mais protagonizou no eixo Rio – São Paulo em 2021. Até Os gêmeos, mundialmente conhecidos por suas pinturas graffiti, apresentaram um luminoso na fachada da Pinacoteca de São Paulo.

Néon, que vem do grego e significa novo, é um material que desde de 1960 vem seduzindo artistas dos mais variados contextos. Arte conceitual? Temos trabalhos com néon! Pop Arte? Também! Minimalismo? Mas é claro! Ele é o queridinho dos artistas e parece nunca sair de moda. Como bem coloca Andy Warhol a seu respeito, ele é “uma das grandes coisas modernas”. E para variar, Warhol estava certo! Com suas linhas luminosas que podem traçar desenhos e escrever palavras, o néon apresenta possibilidades fascinantes. Martial Raysse, Joseph Kusuth, Dan Flavin e Bruce Nauman são alguns de seus precursores, que abriram caminho para muitos outros artistas incríveis trabalharem com esta mídia.

Martial Raysse
America America, 1964, de Martial Raysse

No Brasil, Carmela Gross é uma das grandes referências artísticas desta visualidade luminescente, investigando-a desde os anos 1990. Já no Chile, vale destacar a obra de Ivan Navarro, com esculturas e instalações que unem o brilho fluorescente à mensagens sócio-políticas. Do outro lado do mundo, na Coreia do Sul, Jung Lee é conhecida por suas fotografias de instalações de luz baseadas em texto e grafismos colocadas diretamente na paisagem. O que há em comum na obra destes artistas? A certeza de que onde há sombra, há luz!

Jung Lee
Jung Lee

São tantas e tão variadas as possibilidades estéticas e conceituais que esta mídia proporciona, que fica difícil escolher apenas um artista para falar sobre. Pensando nisso, separamos para vocês 8 ocasiões em que trabalhos com néon tiveram sua presença devidamente marcada no ano de 2021, tanto por sua compreensão poética, como política.  

1. Alfredo Jaar no SESC Pompéia

Como parte do circuito da 34ª Bienal de São Paulo, Alfredo Jaar apresentou dentro de sua individual “Lamento das imagens” no SESC Pompéia, 12 trabalhos que sintonizavam com a proposta da bienal, cujo título era “Faz escuro mas eu canto”. Dentre os trabalhos, Claro-escuro apresentava uma citação do filósofo Antonio Gramsci em néon no SESC e em cartaz na bienal: “O velho mundo está morrendo. O novo demora a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros”.

A respeito da variação da materialidade sobre um mesmo trabalho, o artista menciona: “Eu sou um arquiteto que faz arte. Para um arquiteto, o contexto é tudo. Para cada projeto, preciso entender o contexto antes de agir. Uma vez que consigo articular uma ideia, é a própria ideia que sugere sua própria materialização. É sempre a ideia que determina o suporte. O meio está a serviço da ideia. Por não ter estudado arte, sinto-me muito livre. Não tenho apego a materiais, mas, sim, a ideias”.

Alfredo Jaar
Claro-escuro, 2016, Alfredo Jaar

2. Mônica Ventura na Art Rio e IMS

Quem visitou a Art Rio deste ano pode conferir uma série de trabalhos realizados com néon. Dentre eles, vale destacar Luz Negra da artista Mônica Ventura, instalado na área externa da feira. Partindo da apropriação textual “Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário” da escritora Juliana Borges, a artista apresenta uma propaganda otimista para a mulher negra contemporânea. Ao mesmo tempo em que o trabalho busca revelar a raiz do racismo e da objetificação do corpo feminino negro.

Nas palavras da artista, “Sobre os anúncios e as propagandas publicitárias que dentro da sociedade pós-moderna ocupam um espaço de grande importância e influência, que modelam atitudes e comportamentos do mundo contemporâneo, gostaria de ressaltar, com o néon luminoso, esse tópico com o objetivo de discutir como se estrutura a participação das mulheres negras nos meio de comunicação a fim de uma reflexão sobre a inserção da afrodescendente na publicidade de hoje”.

Mônica Ventura
Luz negra, 2019, de Mônica Ventura

3. Felippe Moraes nas ruas de São Paulo

Em meio ao confinamento ocasionado pela pandemia, Felippe Moraes desenvolveu uma série de trabalhos que unem néon e samba, como possibilidade de resposta luminescente à melancolia do presente. O que começou na janela de sua casa, tomou as ruas de São Paulo e chegou a ocupar o Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Inspirado nos sambas cantados por Alcione e escritos por Martinho da Vila, Nelson Sargento e outros, os néons de Moraes traziam frases como “Não deixe o samba morrer, não deixe o samba acabar”, “Agoniza mas não morre” e “Uma pausa de mil compassos”.

“A convivência com os néons, me trouxe uma proximidade muito grande com a história, narrativa e a presença cultural do samba na sociedade brasileira. O samba existe e se manifesta como cronista da realidade urbana. Ele tem suas origens afrodiaspóricas, mas ele se dá na urbanidade. Então, o projeto Samba Exaltação começou na janela do meu apartamento, que fica no prédio mais alto da cidade. Posteriormente a pesquisa se desdobra em outro projeto, no Samba da Luz, realizado com apoio da prefeitura para o bairro da luz. Neste, a frase se varia entre ‘não deixe o samba morrer’ e ‘não deixe o samba acabar’, como uma imagem luminosa que alterna ‘acabar’ e ‘morrer’. Trata-se de uma urgência em falar com a cidade pela memória emotiva do samba”, explica o artista.

Felippe Moraes
Samba da Luz, 2021, de Felippe Moraes
Felippe Moraes
Samba da Luz, 2021, Felippe Moraes

4. Renata Felinto no Prêmio Pipa

Vencedora do Prêmio Pipa em 2020, Renata Felinto apresentou o luminoso Apodrecer no Paraíso na exposição coletiva do prêmio no Paço Imperial, no Rio de Janeiro. Composto por um tríptico de desenhos luminescentes de uma mãe carregando um bebê em seus braços, este é um trabalho que fala sobre maternidade e construção social da mulher. Ou melhor, que nos convida a problematizar toda a estrutura romântica que se estrutura entorno da ideia de ser mãe.

Como menciona a artista, “Nas cores amarelo, rosa e azul, tradicionalmente impostas aos enxovais de crianças elaborados na gestação, foram produzidos três desenhos em néon que sinalizam o esgotamento que o puerpério e a maternidade, de forma geral, provocam nas mulheres-mães, em especial, nos primeiros anos de vida da crianças. O reluzir dos néons também denuncia o esgotamento da leitura que a sociedade ocidental faz sobre a maternidade como um destino fim das mulheres e, principalmente, como o real lugar de realização das mesmas. Esgotam-se, concomitantemente, as narrativas fantasiosas sobre a lua de leite, o momento da amamentação que pode ser extenuante, sobre a romantização desse momento e, por fim, sobre um certo paraíso encontrado entre mãe e bebê que tonariam-se uma unidade”.

Renata Felinto
Apodrecer no Paraíso, 2021, de Renata Felinto
Renata Felinto
Detalhe de Apodrecer no Paraíso, 2021, de Renata Felinto

5. Cabelo no Auroras

Em sua exposição individual Aurora Incorpora Cobra Coral, o artista Cabelo apresenta dois trabalho em néon. Na obra “Sem Título (Raio)” vemos uma figura híbrida recorrente em sua produção, pautada por uma presença ancestral muito latente. Também podemos fazer uma associação com sua prática musical, uma vez que uma de suas músicas se chama “Raio de Amor”. Este é um funk dedicado ao xamã e liderança Yanomami Davi Kopenawa e aos povos da floresta. Curioso perceber que o artista combina a modernidade do néon com a trivialidade de um pedaço de tecido, reforçando uma vez mais a ideia de hibrido.

Acerca do uso do néon o artista diz, “é mais um elemento, entre uma infinidade de outros de que disponho, para fazer, dar à luz, oferecer minha poesia. Poesia falada, cantada, talhada em pedra, ou escrita e desenhada em linhas luminosas. Linhas luminosas que vejo, desde criança, quando fecho os olhos, luzes e visões que brotam da escuridão… assim como as visões vivíssimas das mirações: Bebe o líquido / acessa o oco do coco / a ayahuasca é o cinema do caboclo”.

Cabelo
Sem Título (Raio), 2012, de Cabelo

6. Giselle Beiguelman no Centro Universitário Maria Antonia

Participando da exposição coletiva MemoriAntonia: por uma memória ativa a serviço dos direitos humanos, com curadoria de Márcio Seligmann-Silva e Diego Matos, Giselle Beiguelman apresenta um dos trabalhos em néon da série Pergunta às pedras. A partir de um exercício mental que tem como motor quatro perguntas subjetivas, a artista nos convida a revisitar o passado para nos compreendermos no presente, para quem sabe assim melhor projetarmos o futuro. Sem respostas corretas e muito menos únicas, estas são questões que vem ao mundo para serem refletidas e não necessariamente respondidas.

“Essa perguntas fazem parte de uma série em curso desde 2014 (Perguntas às pedras). A série é uma mapa de perplexidades frente a memoricídios de diversos contextos e naturezas. Essa edição, que interroga: O que você esqueceu de esquecer? O que você esqueceu de lembrar? O que você lembrou de esquecer? O que você lembrou de lembrar?, é de 2015 e foi e feita inicialmente em lambe-lambes. Em 2019, atualizei em néon vermelho. Virou uma espécie de grito coletivo, no contexto dos desmontes, desmoronamentos e destruições sociais e culturais da necropolítica autoritária do desgoverno federal.”, contextualiza a artista sobre o trabalho.

Giselle Beiguelman
Pergunta às pedras, 2019, de Giselle Beiguelman

7. Verena Smit no Vale do Anhangabaú

Como parte do projeto Cidade do Futuro, realizado nos espaços de uso público da cidade de São Paulo, Verena Smit apresenta O sonho é eterno instalado no Vale do Anhangabaú. Em um primeiro momento, vemos apenas o título do trabalho escrito em néon. Mas, ao apontar o celular para este, acessamos a frase “A luta é diária”. Por meio da realidade aumentada, o trabalho pode ser apreciado em sua totalidade, dando leitura ao texto “O sonho é eterno. A luta é diária”.

Sobre esta possibilidade de combinar mídias para trabalhar com o texto, a artista relata, “Quando me convidaram para fazer o projeto da Cidade do Futuro foi desafiador pensar o trabalho, porque eu nunca havia trabalhado com realidade aumentada. Foi difícil entender como isso funcionaria dentro do conceito de aplicar o piscar do néon para ressignificar a fase ou a palavra. O piscar e a realidade virtual juntos esteticamente é muita coisa. Então eu apresento uma frase forte o suficiente para ser apresentada sozinha em néon (O sonho é eterno), mas que com a realidade aumentada é complementada e traz uma força maior ainda em conjunto (O sonho é eterno. A luta é diária). Interessante pensar que este é um novo artifício para trabalhar com o néon, a realidade aumentada apresenta muitas possibilidades para serem exploradas”.

Verena Smit
O sonho é eterno, 2021, de Verena Smit

8. Regina Parra no SESC Belenzinho

Com uma vasta produção em néon, não são poucos os trabalhos da artista com esta mídia que circularam pelo circuito das artes visuais. Dentre algumas exposições, este ano os textos luminosos de Regina Parra estiveram presentes em Arte & Tecnologia: uma revolução em curso na SP-Arte, um site-specifc na Untitle Art e duas exposições no SESC Belenzinho. A instalação ai!ai!, atualmente em cartaz na coletiva Biblioteca: Floresta com curadoria de Galciani Neves no SESC Belenzinho, investiga o ato da fala feminina para entende-la enquanto um discurso político.

“Os letreiros reproduzem lamentos e gritos intraduzíveis expressos pela personagem Electra, protagonista da tragédia grega de mesmo título, escrita por Sófocles em 417 a.C. Na Grécia Antiga, qualquer expressão destemperada (verbal ou não verbal) era rejeitada e abolida da pólis como algo terrível e oposto à razão. A voz feminina era (e ainda é) entendida como a incorporação do ininteligível. Carregada por significados errôneos relacionados à falta de controle e insanidade. Retirados de seu contexto original, esses gemidos e expressões não verbais de angústia, raiva e prazer podem ser vistos como a liberação daquilo que de outra forma teria sido calado”, explica a artista.

Regina Parra
ai!ai!, 2021, de Regina Parra

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