Nise da Silveira: para ler, assistir e visitar

Você precisa conhecer a indomável mulher que revolucionou os tratamentos psiquiátricos através de práticas artísticas

por Giovana Nacca
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Nise da Silveira
Nise da Silveira

Não sabe o que fazer no próximo final de semana? Viemos te ajudar a escolher uma leitura valiosa, um bom filme para assistir e um museu para visitar. A começar pelo livro “Encontros: Nise Da Silveira”, que reúne, na voz da própria Nise, suas ideias e histórias, através de entrevistas e depoimentos. Uma leitura que te aproxima do olhar e coração da médica-psiquiatra. Mas se você ainda não conhece essa mulher revolucionária, a gente te conta! 

Livro Nise da Silveira
Capa do livro Encontros – Nise da Silveira

Nise Magalhães da Silveira (1905, Alagoas – 1999, Rio de Janeiro) foi uma médica psiquiatra reconhecida mundialmente por sua contribuição no tratamento mental no Brasil. Ela foi a única mulher numa turma de medicina de mais de 150 homens, e uma das primeiras mulheres no Brasil a se formar na área, a ponto de nem ter banheiro feminino na faculdade.  

Nise da Silveira
Foto da turma de formandos da Universidade Federal da Bahia da qual Nise fez parte, 1926. Nise está no centro da segunda fileira. – imagem: Acervo Nise da Silveira- SAMII

Mas durante o governo de Getúlio Vargas e a perseguição a intelectuais, escritores e artistas, Nise foi presa pela primeira vez em 20 de fevereiro de 1936, por ter trabalhado como médica voluntária na União Feminina Brasileira – sendo solta no mesmo dia. Presa pela segunda vez quase um mês depois, em 26 de março, a médica foi levada ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e depois transferida para o Presídio Lemos de Brito, na Rua Frei Caneca, onde permaneceu até 21 de junho de 1937. Nise conta que foi denunciada por subversão por uma enfermeira que trabalhava com ela no Hospício Nacional. De fato, além de ser filiada ao Partido Comunista, ela tinha em sua biblioteca pessoal livros marxistas, que foram encontrados nas buscas em sua casa. Entretanto, este não foi o motivo alegado nos documentos de sua prisão – até porque a participação efetiva de Nise na política era pífia.  Nos 18 meses de prisão, ela chegou dividir a cela com a militante Olga Benário e manteve contato com o escritor Graciliano Ramos, que faria relatos sobre a médica em seu famoso livro Memórias do Cárcere. 

Nise da Silveira
Capa da ficha policial de Nise, registrada em 15 de novembro de 1941 | Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro

Em junho de 1937, Nise saiu da prisão, mas alguns meses depois, por causa da nova onda de censura, partiu para a Bahia e por oito anos viveu na clandestinidade. Anistiada e reintegrada ao serviço público em 1944, iniciou seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, e é partir desse momento que nossa segunda indicação começa a retratar a vida da Nise. No filme “Nise – o coração da loucura”, Gloria Pires interpreta a psiquiatra rebelde de coração indomável. 

A presença de Nise era incômoda não apenas por conta da misoginia que dominava aquele ambiente, mas por ela ser contrária aos tratamentos de eletrochoque e lobotomia propostos na época como uma ideia vanguardista. Ela não acreditava que a cura poderia vir por meio da violência, e dizia que a internação, o ato de isolar o indivíduo da sociedade, era como cronificar a doença. Seu simples senso de humanidade era tão repudiado que a encaminharam para o setor de terapia ocupacional, um departamento visto como inferior e abandonado. Lá ela funda um ateliê para os internos utilizarem da arte como auxílio do tratamento psiquiátrico, chamado de Seção de Terapêutica Ocupacional no antigo Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, que hoje leva seu nome.  

E arte pode ter função? Bom, não vamos adentrar essa indagação, mas fato é que a arte terapia não tem a intenção de formar peritos em arte, ou pelo menos não deve ter. O processo utiliza das práticas artísticas para fins terapêuticos, e nada impede de um cliente (como Nise preferia chamar os internos) desenvolver uma obra de arte, mas a terapia não intenciona essa finalidade.  

Em meio às propostas de experimentação artística, a figura da mandala é presente em diversos resultados dos clientes. Então em 1954, ela juntou fotografias de algumas dessas imagens e enviou-as junto a uma carta que escreveu para C. G. Jung. A mandala é uma expressão do potencial autocurativo da psique, ou seja, se a pessoa vive um estado de confusão mental, existem forças da própria psique que se opõe a dissociação e buscam a ordem. Esses desenhos dos clientes de Nise expressavam forças de ordenar aquilo que estava confuso e não era facilmente expresso pela fala, por exemplo. Uma vez conseguindo se expressar de outras maneiras a necessidade de manifestar violência e irritabilidade diminui. Contrária à ideia psicanalítica de que esquizofrênicos não estabelecem relações de transferência, Nise atestou a capacidade dos clientes em produzir relações afetivas. Segundo ela mesma, a terapia ocupacional é uma forma de psicoterapia não verbal em que o indivíduo se expressaria em uma linguagem arcaica, coletiva e universal. Ah, importante ressaltar que todas essas contribuições revolucionárias propostas por Nise foram realizadas 40 anos antes da reforma psiquiátrica no Brasil.  

Nise da Silveira
sem título, Fernando Diniz | Reprodução/Arquivo Nise da Silveira

E nossa terceira e última indicação vai especialmente para os mineiros que têm a oportunidade de ver os trabalhos dos clientes de Nise na exposição “Nise da Silveira – A Revolução pelo Afeto”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Belo Horizonte. A exposição, depois de ter sido um sucesso no Rio de Janeiro, ainda passa pelo CCBB de São Paulo e Brasília apresentando cerca de 90 trabalhos que fazem parte do Museu de Imagens do Inconsciente, de clientes como Carlos Pertuis, Adelina Gomes, Emygdio de Barros e Fernando Diniz, ao lado de peças de Lygia Clark e Zé Carlos Garcia, fotografias de Alice Brill, Rogério Reis e Rafael Bqueer, vídeos de Leon Hirzsman e Tiago Sant’Ana e aquarelas e fotos de Carlos Vergara.  

Além disso, é possível ter uma experiência incrível pelo próprio site do CCBB. Sim, uma exposição virtual maravilhosa! Além tour 360º, você pode ouvir o que se vê por meio da Experiência Sonora Descritiva. A experiência de áudio foi idealizada para pessoas com deficiência visual, mas surpreende por ter ido além de uma representação da exposição física e apresentar os ambientes da mostra com dramaturgia. Vale muito apena conferir.   

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