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Heloisa Hariadne apresenta pinturas vivas na Galeria Leme

A artista inaugura sua segunda individual na Galeria Leme com pinturas inéditas e expansivas que transcendem o plano físico

por Giovana Nacca
Vista da exposição “Nem o céu escapa da vida” na Galeria Leme

“Enquanto te pintava pensei e senti estar te devolvendo a vida.” A reflexão tirada de um dos poemas de Heloisa Hariadne parece sintetizar a atmosfera de sua segunda exposição solo na Galeria Leme, que abre no próximo sábado, dia 17 de junho.

Em sua nova série de trabalhos, Hariadne, mais uma vez, digere toda monotonia da vida e nos devolve imagens expansivas que transcendem o plano físico. Revelando pela primeira vez os cadernos pessoais recheados de poemas e reflexões da artista, a exposição, curada por Priscyla Gomes, nos oferece uma experiência marcada pelo gerúndio: as obras estão acontecendo, os elementos pictóricos estão flutuando, a atmosfera única da artista está pairando sobre o espaço expositivo. 

“Ouvir é ver e ver é sentir”, rascunha a pintora. Cada imagem tem uma sonoridade própria – e isso não se deve às figuras literais de instrumentos, mas são ainda mais expressas nas formas orgânicas, na ausência de contornos bem demarcados e na variada paleta de cores harmoniosas.

Cadernos pessoais da artista em exibição na Galeria Leme

O próprio título da mostra “Nem o céu escapa da vida” provém das anotações em exibição, onde a artista explica: “tem tanta vida em tudo, que até o ausente é”. A curadoria concisa, que apresenta apenas dez peças, é suficiente para proporcionar um verdadeiro mergulho poético – garantindo, ainda, espaço para que as pinturas cresçam no ambiente. Uma dicotomia também toma conta da experiência: por um lado, há um caráter fantasioso e de fabulação. Por outro, me parece que a exposição diz “não é fantasia, isso é a vida, uma vida em abundância”.

Mesmo de longe, logo na entrada da sala, já vemos a obra “Quando tiver pernas e asas usarei todos os meios para chegar até você [o fim]” – maior tela da mostra, estendida em seus quatro metros de comprimento – que nos imerge em uma viagem visual. A riqueza de elementos flutuam e convergem em uma narrativa onírica que perpassa frutas, bandeira, objetos de maquiagem, flores e tantas outras coisas emaranhadas sobre um fundo estrelado. Esta é, também, a única tela em que as representações humanas se fazem presentes. 

Vista da obra “Quando tiver pernas e asas usarei todos os meios para chegar até você [o fim]” (2023)

Hariadne revela que há tempos sentia que estava comprimindo essas figuras em suas telas, por isso, em nove das dez obras a fauna e a flora assumem completo protagonismo. Entretanto, também é possível enxergar humanidade nestas composições, como se estes corpos não tivessem sido apagados, mas ampliados para uma escala muito maior do que os limites dos quadros. Isso é evidente quando vemos os títulos que, ainda que banhados de fantasias, só poderiam ser fruto de reflexões da mente humana. 

Quando Hariadne liberta as figuras do plano pictórico, ela também está libertando a si mesma das expectativas estereotipadas que assumem que ela, enquanto mulher preta, deve se restringir a pautar apenas corpos racializados. “Eu acho que a figura prende, principalmente pessoas negras”, ela reflete, “eu quero ter a liberdade de escolher o que eu quero ou não pintar”. 

Isso não quer dizer que a artista esteja numa fase alheia às questões emergentes, pelo contrário, como reflete a curadora, este banquete que ela oferece é “uma abertura de caminhos para mostrar que essa vida, marcada por cicatrizes coloniais, também pode ter um gesto pulsante, de vida, que aponte para algo que não seja uma representação da própria dureza (…) quer dizer, ela [Heloisa] encontra um caminho muito próprio de ressignificação da própria vida”.

Vista da fachada da Galeria Leme

Já a pintura “Nunca fingir amor como as frutas com agrotóxicos”, se expande para além do espaço interno da exposição e envelopa a ponte da galeria, trazendo cores para a paisagem cinza da instituição paulistana. Gomes comenta que o desejo inicial era que a artista pudesse pintar a empena da galeria, mas visto que nos últimos tempos o espaço em questão tem sido alvo de diversas pichações, elas preferiram adaptar o projeto. Mesmo que a ideia original pareça bastante atrativa, a decisão por abraçar as manifestações públicas já expressas não poderia ter sido mais adequada e coerente com o intuito de Hariadne de dialogar e aproximar a cidade de seu trabalho. 

Serviço

Nem o céu escapa da vida

Local: Galeria Leme

Endereço: Av. Valdemar Ferreira, 130 – Butantã, São Paulo – SP

Data: De 17 de junho a 22 de julho de 2023

Funcionamento: terça a sexta, das 10h às 19h, sábado, das 10h às 17h

Ingresso: entrada gratuita

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