Ernesto Neto promove três dias de ritos em Recife

Instalação do carioca marca nova fase do Instituto Francisco Brennand, que passa a receber exposições que dialogam com as ideias do fundador

por Beta Germano
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Ernesto Neto

Dizem que o oceano nasceu do encontro do rio Capibaribe  e rio Beberibe – dois cursos d’água que banham Pernambuco. A mito fundacional hiperbólico nos dá uma pista sobre dimensão da importância dos dois rios para a cidade de Recife. De acordo com a curadora Clarissa Diniz, o Capibaribe não está tão presente no imaginário cultural da cidade à toa. Além da relevância geológica – ele nasce no agreste e corre pelo estado trazendo todos os sedimentos que compõem o litoral – que garante uma potente camada de significado à terra, suas águas representam uma rica fonte de alimento e viraram símbolo de resistência e possibilidade de sobrevivência diante de diferentes situações de vulnerabilidade social. “Recife é composta por muitos mangues, por exemplo, e muitas pessoas vivem catando e vendendo caranguejos.  Muitas comunidades só são possíveis por causa do rio”, explica.  Recife é uma das primeiras cidades portuários do Brasil e, muito provavelmente por causa disso, a ideia das “águas que nos conectam” se faz muito presente na cidade. Sem falar na própria paisagem da cidade – com trechos aterrados e pontes construídas – que foi construída como resposta aos rios. O rio foi, então, ponto de partida para Ernesto Neto criar “CapiDançaBaribéNois” instalação inaugurada semana passada na Oficina Francisco Brennand. 

Ernesto Neto

A elaboração da obra começou, na verdade, quando Neto atravessou e foi atravessado pelo Capibaribe durante sua exposição no Mamam. Depois de viajar até sua nascente, de onde tirou 3 mudas de árvores, o artista promoveu um processo coletivo e uma série de ritos que nasceu no seu ateliê, no Rio de Janeiro, onde a trama tubular e serpenteante de crochê feita em chita,  com quase 50 metros de comprimento, foi costurada e culminou em três dias de muita música e dança para a instalação da peça que envolveu artistas locais e o próprio público, como já é comum nas obras do artista. 

Como mencionamos anteriormente, a ciudadela de Brennand foi construída numa região complexa e potente, na Várzea, onde ainda estão presentes as culturas dos povos originários Tabajaras e membros do Quilombo do Catucá. “As culturas indígena e africana são sempre inclusivas. Elas sempre agregam uma roda de samba, vai chegando um tocando agogô, batendo palma, vai juntando todo mundo e os outros estão cantando e está todo mundo dançando. Assim como os indígenas que nos puxam pra dançar com eles. Não é uma separação de palco e plateia, que não é da origem dessa terra aqui que a gente está pisando”, ressalta o artistas cujos trabalhos ecoam as ideias de interatividade proposta por Lygia Clark, Lygia Pape e o Hélio Oiticica.

A obra saiu, então, do Marco Zero e navegou pelo rio Capibaribe até chegar na margem que beira as terras da família Brennand. “A estrutura vem ‘jiboiando’ no Capibaribe antes de se instalar como serpente no Estádio. A ‘CapiDança’ é, de fato, a ideia da dança enquanto movimento, porque a escultura de Neto é pautada no movimento”, ressalta a curadora. 

Cada célula de crochê, vale lembrar, representa uma unidade, um ser, “um indivíduo em espiral nesta grande floresta cósmica que é a vida, dentro de nosso corpo, na natureza e na sociedade”, explica o artista. 

Ernesto Neto

Depois da travessia, no segundo dia, esse corpo-rio-dragão-serpente-boi foi suspenso por meio de contrapesos – feitos com peças em cerâmica, cheias de especiarias, que homenageiam as casas de João de Barro, além da  própria matéria-prima que anima a obra de Brennand. Durante  uma cerimônia,  os bailarinos do grupo Rivus preencheram a escultura com 170 quilos de folhas secas ao som de maracatu tocado pelos  músicos do Maracatu Real da Várzea. “No ar,  ela dança também. E, à medida que as pessoas tocarem o instrumento no contrapeso, ela vai vibrar junto”, completa Clarissa Diniz. 

Francisco Brennand inaugurou a oficina que se transformaria num dos maiores centros de criação do país no dia 11 de novembro de 1971. Exatos 52 anos depois, no dia 11 do mês 11, às 11 horas e 11 minutos, Ernesto Neto plantou, dentro do galpão chamado de Estádio, uma das mudas de mangueira retiradas pelo artista na nascente do Rio Capibaribe. O objetivo? Unir o umbigo desse importante rio para Recife – uma espécie de espinha dorsal serpenteante que atravessa a cidade – e o espaço expositivo carregado de história e simbologia. 

Em 2022, quase todas as estruturas da Oficina foram condenadas depois de fortes chuvas Logo foi definido que o galpão Estádio era o único espaço seguro, pois foi restaurado em 2016. “Ele foi, então, uma espécie de grande útero, onde guardamos todas as obras do acervo enquanto restaurávamos os prédios e higienizávamos as obras. Por isso, é muito forte vê-lo agora abrigando esta obra de Neto”, explica Mariana Brennand. 

O projeto inaugurado no mesmo dia da mostra coletiva “Invenção dos Reinos”, marca uma novafase na qual a Oficina Francisco Brennand pretende criar um programa expositivo institucional que envolve outros nomes da arte contemporânea – um sonho do próprio Brennand.

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