Será que artistas visuais ganham bem?

Como propulsores de um mercado bilionário, por que os artistas do Brasil e do mundo relatam não enxergar esse valor retornar?

“Zero cruzeiro e Zero centavo”, 1978, Cildo Meireles. Via Itaú Cultural

Os artistas visuais no Brasil enfrentam desafios significativos em termos de lucratividade e estabilidade financeira. Apenas uma pequena fração dos artistas consegue viver confortavelmente de sua arte, como revelou um estudo do Ministério da Cultura (MinC) de 2018.

Por se tratar de um setor que historicamente prefere não discutir abertamente a respeito de valores, existe uma dificuldade peculiar que é a de entender como ganhar dinheiro sendo um artista e se o retorno obtido está valendo a pena.

Na última semana, o artista escocês Peter Doig chamou atenção ao afirmar para o The Guardian que não tem recebido proporcionalmente à venda de suas pinturas, que nos últimos leilões desde 2007 somam 308 milhões de libras em lucros. Ele relatou que viu apenas 230 mil libras desse valor, mas quanto ele gastou para fazer essas pinturas em larga escala? Desde os materiais, até seu estudo e a manutenção do local onde trabalha, custos de operação que nem sempre são retornados a Doig.

Esse é um relato que representa muitos artistas ao redor do mundo que, ainda que participem de um mercado bilionário, não têm seu trabalho devidamente remunerado.

Peter Doig em seu estúdio antes de sua exposição na Courtauld Gallery em Londres. Fotografia de Fergus Carmichael, via The Courtauld.

Precificar um trabalho e vendê-lo pode ser um desafio. Por mais que mapear a concorrência seja árduo, alguns outros números públicos nos ajudam a aproximar um tamanho de mercado, como o lucro global com vendas de obras de arte em 2023, que foi de 65 bilhões de dólares, de acordo com a pesquisa The Art Market 2024. – O Brasil participa de menos de 1% desse montante.

Ainda de acordo com essa mesma pesquisa, tanto as vendas em leilões públicos como as vendas comissionadas diminuíram em 2023, embora as vendas privadas em casas de leilões tenham crescido.

Participação no mercado de arte global por país, via The Art Market 2024.

No Brasil, a porcentagem média que uma galeria de arte cobra sobre a venda de uma obra costuma variar entre 40% e 50%, taxa que pode variar consideravelmente. Algumas galerias maiores, que oferecem maior visibilidade e estrutura, podem cobrar comissões mais altas, enquanto galerias menores ou acordos diretos podem ter taxas mais flexíveis.

Existem também formas de vender obras de arte fora das instituições tradicionais,  museus e galerias, como os editais públicos ou na venda diretamente para o comprador final. 

As vendas de arte online também são uma alternativa, ainda que em vertiginosa queda desde a pandemia, com plataformas como Urban Arts permitindo que artistas recebam comissões de 20% a 10%, mas ainda é incerto o seu futuro.

Os números de 2018 corroboram algo que conseguimos perceber dos relatos de artistas por todo o país: a maioria constitui sua renda com outras atividades, usando esse dinheiro tanto para se sustentar quanto para investir em seu próprio trabalho artístico.

O levantamento do MinC mostrou que 26% dos artistas investem até R$ 10 mil em suas atividades, mais de sete vezes o valor do salário mínimo atual. Se compararmos esse número com os dados internacionais, ele nos mostra que o mercado de arte nacional ainda está em desenvolvimento, com limitações financeiras gritantes e uma disparidade de recursos até para os artistas mais bem sucedidos.

Pinturas de Doig, “Alpinist” (2019-22) à esquerda, e “Alice at Boscoe’s” (2014-23). Foto de Fergus Carmichael

Esse contexto, que exige altos investimentos e oferece contrapartidas não suficientes, acaba por manter as artes visuais como um mercado para privilegiados, ou seja, os que melhor navegam são os trabalhadores que têm esse dinheiro para investir, mas que também conseguem esperar pelos ganhos futuros, mesmo que cheguem reduzidos.

Como reverter esse cenário é uma questão extensa, que passa por vários trabalhadores da arte, artistas ou não. Em um mercado com tantas particularidades, como podemos fortalecer as cenas brasileiras?

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