No calendário anual do circuito de artes visuais, as feiras ocupam um lugar de destaque recorrente, sendo pontos de encontro sazonais entre artistas, colecionadores e galerias de diferentes portes e identidades. Além de vitrines para venda, esses eventos oferecem oportunidades para atrair um público já habituado com exposições contemporâneas e apresentar seus diferenciais ao mercado. No entanto, como as galerias percebem sua participação em um modelo que, apesar de sua crescente popularidade desde os anos 1990, pouco se transformou?
Em um cenário onde as feiras se consolidaram como um importante termômetro do mercado de arte, buscamos compreender o olhar das galerias que frequentemente participam de eventos como a SP-Arte, o Mercado de Arte Feira de Salvador e a ArtRio. Para isso, conversamos com 10 das principais galerias brasileiras que marcam presença nesses eventos para entender suas motivações, desafios e oportunidades que encontram ao investir nesses formatos.
Padrões de consumo
As feiras de arte podem ser consideradas termômetros valiosos do mercado porque refletem as tendências, demandas e o comportamento dos colecionadores e galeristas em tempo real. Elas traduzem de forma imediata um recorte das obras e artistas mais valorizados, indicam o nível de interesse e investimento em arte.
As feiras também conectam diretamente artistas, galerias e compradores, influenciando decisões de curto e longo prazo no circuito, podendo inclusive fornecer pistas dos caminhos que outras organizações, tal como museus, que elaboram planejamentos mais a longo prazo, podem tomar.
Uma recente demonstração da retroalimentação entre instituições públicas e privadas foi a recuperação da arte dita “popular” – de artistas autodidatas, com referências em culturas não hegemônicas ou ligadas ao artesanato local – nos espaços expositivos, que se refletiu também nas feiras dos últimos anos, uma estratégia que moveu as instituições de toda a área.
Segundo relato de uma das galeristas mais tradicionais de São Paulo, com o movimento recente de artistas indígenas ocorreu o mesmo processo. Na entrevista ela disse que depois da Bienal de São Paulo de 2021, algumas galerias só passaram a assinar a representação de artistas de diversas etnias dos povos originários, um movimento que muitas vezes não condiz com a identidade da galeria – algo a ser enfaticamente questionado, para alavancar vendas. Mesmo assim, sua presença era dominante nas feiras que se seguiram e o impacto dessas exposições foi sentido pelo mercado.
Estratégia
Nas falas de todos os representantes ouvidos, ficou claro que participar de uma feira faz parte da estratégia das galerias nacionais, visando desde o fortalecimento da relação com colecionadores, demais instituições e curadores até a ampliação de sua presença de marca no mercado.
Uma representante da Galeria Raquel Arnaud, uma das mais tradicionais do país, contou que “o impacto das feiras é percebido imediatamente com as vendas, mas também a longo prazo, nos relacionamentos cultivados durante as feiras”.
Já para a RV Cultura e Arte, galeria soteropolitana, “as feiras são muito importantes para que a gente consiga trazer visibilidade para os artistas e para o nosso projeto curatorial como um todo, então o benefício de participar começa já aí: estar fisicamente em uma cidade onde normalmente não estamos. Hoje as vendas em feiras representam uma parcela importante da nossa movimentação anual, mas mais do que isso, são uma maneira de nos aproximarmos de colecionadores e instituições, então acho que vai ajudando a solidificar a marca da galeria.”
Identidade
A busca pela construção de uma presença de marca forte também é consequência do formato importado da Europa, onde múltiplas galerias disputam a atenção dos mesmos visitantes, um estande após o outro.
Aderir a uma feira de grande visibilidade é uma maneira de reafirmar o posicionamento da galeria, reforçando sua identidade e relevância no cenário artístico. A seleção criteriosa dos artistas e obras a serem exibidas, sua posição dentro do espaço expositivo, além da interação direta com o público ajudam a moldar a percepção externa da galeria, diferenciando-a em meio a um mercado competitivo.
Custos
Porém, os custos envolvidos na adesão e também o investimento na diferenciação do espaço são altos, e podem representar um peso considerável, principalmente para os participantes de pequeno e médio porte.
Eles devem arcar com os custos de produção, transporte, seguro das obras e com a expografia de cada estande, além de dispor da sua equipe para atender os visitantes durante os dias do evento.
Uma entrevistada nos relatou que já chegou a investir mais do que faturou na feira com a parte visual, para “se tornar mais chamativa em meio à loja de brinquedos”, metáfora utilizada por outra entrevistada para caracterizar o clima das feiras.
Calendário
Muitos eventos mobilizam esforços das galerias brasileiras durante o ano, que atravessam a programação da própria galeria, demandando esforços de equipes concisas que geralmente compõem o quadro que a gere.
O fator custo de oportunidade aliado ao crescente volume de feiras surgindo nos últimos três anos, como foi o caso da ArPa e da Rotas Brasileiras, braço da SP-Arte, faz com que cada vez menos instituições optem por aderir ao programa da maioria das feiras de arte nacionais.
A escolha da galeria passa a ser pelos eventos que reflitam melhor esse posicionamento individual de cada uma delas, uma estratégia pautada pela qualidade e não pela quantidade quando se trata de presença de marca.
Essa parcimônia adotada pelas instituições na hora de decidir se participa ou não dos eventos pode ser apontada como razão principal para a interrupção de algumas feiras, como foi o caso da SP-Foto, que teve sua última edição em 2022, e a ArtSampa, cuja única edição aconteceu em 2022.
Vale a pena?
O balanço entre o investimento e o que se obtém como contrapartida pode ser desequilibrado, dependendo do perfil da feira e da resposta do público naquele momento específico. Ao direcionar recursos para um evento dessa magnitude, a galeria pode estar abrindo mão de outras iniciativas, como projetos internacionais, que têm sido priorizados pelas instituições ouvidas pela matéria.
É inegável que o ambiente das feiras promove contato direto com um público especializado, o que pode ser valioso para estabelecer parcerias de longo prazo, motivar colaborações curatoriais e fortalecer redes de relacionamento. Porém, apesar da visibilidade, é difícil mensurar a curto prazo se o impacto da marca em uma feira fez o custo valer a pena ou não.
O modelo das feiras de arte brasileiras tem apresentado sinais de enrijecimento ao longo dos anos, com muitas delas seguindo fórmulas consolidadas que priorizam o aspecto comercial e a presença de galerias já estabelecidas. Esse formato, embora eficiente em termos de mercado, corre o risco de limitar a diversidade e a inovação, perpetuando uma certa homogeneidade no cenário artístico.
Em contraponto, novas feiras e iniciativas como o setor “Showcase” da SP-Arte demonstram uma tentativa de revitalizar o modelo, trazendo artistas emergentes e abordagens curatoriais diferenciadas. Essas iniciativas ampliam o diálogo com o público e incentivam novas formas de interação entre arte e mercado, mostrando que, apesar da rigidez de algumas estruturas, ainda há espaço para a renovação no cenário das feiras de arte no Brasil.
Com um mercado cada vez mais diversificado, explorar alternativas, como parcerias e circuitos urbanos que englobam as programações nas sedes das galerias podem fortalecer a marca tanto quanto ou ainda mais do que a presença na feira.