Infelizmente são frequentes os reducionismos no mercado de arte. A complexidade e potência de muitos artistas são reduzidas pela falta de informação ou simples preconceito. Foi o que aconteceu com o artista baiano Agnaldo Manuel dos Santos, cuja obra por muitos anos foi analisada como “fruto do inconsciente, associado à sua ancestralidade”. A curadora Juliana Bevilacqua, entretanto, passou os últimos 8 anos estudando o trabalho do artista para reverter essa história.
A negligência em relação ao artista e seu trabalho é resultado, de acordo com a autora, de alguns fatores: além da morte prematura, aos 35 anos, Agnaldo sofreu racismo pela cor de sua pele, origem humilde e falta de educação formal. Ele nasceu na Ilha de Itaparica e aos 21 anos mudou-se para Salvador onde acabou tornando-se assistente de Mário Cravo Júnior. Seis anos depois começa sua curta e intensa carreira como escultor, trabalhando essencialmente com madeira. Ao ler Agnaldo Manuel do Santos – A Conquista da Modernidade, um belíssimo livro publicado pela galeria Almeida e Dale Galeria de Arte, você irá notar que ele foi um dos poucos artistas aquele perfil racial e socioeconômico a se relacionar diretamente com a elite intelectual e artística que explorou e difundiu o modernismo no Brasil. No entanto, o lugar reservado para ele não era o mesmo dos seus colegas.
Em muitos momentos, porém, a modernidade associada ao seu trabalho era comparada à modernidade africana: o crítico, mediador cultural e professor alemão Ulli Beier (1922-2011), em viagem ao Brasil em 1962, entrevistou Agnaldo e, um ano depois, publicou um texto sobre o escultor ressaltando “a mistura certa de impulso modernista e antiacadêmico e uma tradução afável de formas e conceitos indígenas”, como descreveu o artista ibo-nigeriano Chika Okeke-Agulu.
Agnaldo era um artista atento ao mundo à sua volta. Visitou exposições, estudou escultura tradicional africana e escultura moderna. Conviveu, trocou e dialogou com outros artistas, inclusive os ditos “populares”, que conheceu nas ruas de Salvador, no ateliê de Cravo Júnior e nas galerias que frequentava. Participou de viagens de coletas de ex-votos e santos católicos com outros artistas da Bahia, encontrou um dos seus mestres no rio São Francisco e com ele aprendeu sobre escultura e sobre carrancas. Em 1957, ao dar-se havia perdido o prazo para enviar suas obras para participar da IV Bienal de São Paulo, escreveu de próprio punho uma carta para o então secretário Arturo Profili pedindo uma nova oportunidade, que não apenas lhe foi concedida como também lhe rendeu um prêmio de escultura.
Sua produção, entretanto, tem sido reduzida até hoje a interpretações vinculadas a uma conexão profunda com a África por meio do inconsciente e do atavismo – sempre negando que ele a tenha estudado. O livro chega, enfim, para reverter essa imagem e mostrar como artista que subverteu a modernidade que lhe foi consentida não se rendendo nem se limitando àquilo que era esperado de um artista negro vivendo na Bahia da década de 1950.
A publicação é ricamente ilustrada com as esculturas do artista e é dividida em XX capítulos escritos pela autora: Entre santos e ex-votos; O universo das carrancas; A África de Agnaldo; Sobre gente e afeto; e, Esculpindo uma trajetória ( uma linha do tempo que inclui imagens da carta enviada à Bienal de São Paulo). Conta, ainda, com um texto de Roberto Conduru e outro de Thais Darzé. O lançamento da obra coincide com uma exposição dedicada ao artista na galeria Almeida e Dale.
Agnaldo Manuel do Santos – A Conquista da Modernidade
Data: Até 11 de dezembro
Local: Almeida & Dale Galeria de ArteEndereço: R. Caconde, 152 – Jardim Paulista