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Acontecimentos marcantes nos 70 anos da Bienal de SP

Em 2021, a Bienal de São Paulo completa seus 70 anos, sendo um dos eventos mais importantes do calendário do circuito da arte internacional; confira alguns fatos que se consolidaram como acontecimentos importantes ao longo dessas sete décadas

por Jamyle Rkain

Em 1951, Ciccillo Matarazzo idealizava a 1ª edição da Bienal de São Paulo, uma iniciativa que tinha como objetivo colocar não só a cidade mas também o Brasil todo no cenário da arte mundial. Neste ano, o evento completa 70 anos, sendo um dos mais importantes do circuito artístico internacional.

Para comemorar esta data, diversas ações foram criadas pela Fundação Bienal de São Paulo, com o objetivo de resgatar e preservar a memória do mais importante evento de arte da América Latina. Na plataforma 70 anos, você encontra várias formas de conhecer mais sobre essa história, por meio de podcast, webstories, minidoc, dentre outras iniciativas. Nos debruçamos pela história da Bienal de SP e preparamos uma lista com fatos marcantes que ocorreram nas edições que se sucederam ao longo dessas sete décadas! Veja abaixo.

Lembramos ainda que, adiada em razão da pandemia, a exposição principal da 34ª Bienal de São Paulo – faz escuro mas eu canto, será inaugurada daqui exatamente há um mês, no dia 4 de setembro, se estendendo até 5 de dezembro, no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera. Além da mostra geral, a organização fez parcerias com várias instituições paulistanas, que irão sediar exposições vinculadas à Bienal. Para conferir a lista completa de artistas participantes, clique aqui.

A Bienal da Antropofagia


Delson Uchoa, ‘Roi roi’, na seção Um e/entre Outro/s – Arte Contemporânea Brasileira no Eixo da Cor. FOTO: Gal Oppido

Uma das bienais mais famosas, a 24ª Bienal de São Paulo, que aconteceu em 1998 e teve como título UM E/ENTRE OUTRO/S, ficou conhecida popularmente como a Bienal da Antropofagia. Sob curadoria-geral de Paulo Herkenhoff e tendo como curador-adjunto Adriano Pedrosa, ela teve a participação de mais de 300 artistas de 54 países.

“A primeira ideia do crítico Paulo Herkenhoff foi misturar obras de artistas originalmente distantes no tempo e no espaço por meio da noção (talvez o curador preferisse “conceito”) genérica de “contaminação”. A partir daí se chegava ao conceito histórico de “antropofagia”.”, escrevem Francisco Alambert; Polyana Canhête no livro As Bienais de São Paulo: da era do Museu à era dos curadores (1951-2001).

Keith Haring

O artista estadunidense Keith Haring na montagem de sua obra na 17ª Bienal. FOTO: Miriam Torres

A 17ª Bienal de São Paulo trouxe ao Brasil um dos principais nomes da arte estadunidense para um edição que reuniu artistas de 43 países e 1650 obras! Esta bienal que trouxe Keith Haring teve curadoria-geral de Walter Zanini, além de trazer curadores específicos para alguns núcleos expositivos, como Julio Plaza para Arte e Videotexto; Berta Sichel para Novas Metáforas/Seis Alternativas); Rui Moreira Leite como co-curador de uma individual de Flavio de Carvalho; Gino Di Maggio para uma exposição do grupo Fluxus) e Norberto Nicola como curador de Arte Plumária do Brasil. Além disso, Agnaldo Farias e Samuel Eduardo Leon fizeram a curadoria de cinema desta edição!

Mas a sensação naquele momento era Haring, convidado para produzir obras diretamente diretamente na parede do Pavilhão da Bienal, onde também se divertiu muito andando de bicicleta pela exposição, apreciando os trabalhos de outros artistas e a vista do Parque do Ibirapuera. O artista também produziu algumas obras em paredes pela cidade de São Paulo, como o mural no Tendal da Lapa que foi recentemente restaurado.

Marina Abramovic e Ulay

Ulay e Marina na performance Night-Sea Crossing

O Homem e a Vida, uma bienal com curadoria geral de Sheila Leirner, ficou bastante conhecida por ter disposto três corredores enormes com somente para expor telas em grandes formatos. Foram dezenas de quadros colocados lado a lado, em extensões maiores, em um setor que foi intitulado A Grande Tela. Além disso, esta 18ª Bienal de São Paulo teve a presença do casal de artistas Marina Abramovic e Ulay, apresentando uma de suas performances mais famosas.

“As performances também tiveram seu espaço na 18ª Bienal. Quem chegava ao segundo andar se deparava com o casal Marina e Ulay Abramovic. Sentados cada um na extremidade de uma longa mesa, olhavam-se fixamente por 7 horas, indiferentes aos visitantes curiosos, que nada entendiam. Com essa apresentação, eles completavam 588 horas e o 94º dia da performance “Night-Sea Crossing”, que começara em 1981, na Bienal de Sidney, na Austrália”, escreveu a jornalista Leonor Amarante no livro As Bienais de São Paulo / 1951 a 1987.

Bienal dos Videomakers


A 13ª Bienal de São Paulo, de 1975, foi bastante badalada porque trouxe ao Brasil obras de Andy Warhol. Mas também porque foi um evento no qual a videoarte explodiu, assim ficou conhecida como a Bienal dos Videomakers! Isso especialmente pela presença do sul-coreano Nam June Paik, com a obra TV Garden, criada um ano antes.

O público brasileiro ficou fascinado pela montagem da instalação audiovidual, que foi realizada com “monitores em meio a uma vegetação de palmeiras em vasos e plantas artificiais”. Destaque também para a apresentação da obra Pryings [A espia], de Vito Acconci, e M3x3, de Analívia Cordeiro, que foi considerada o primeiro trabalho brasileiro e videoarte.

A Sala Xingu Terra na 13ª Bienal

Ainda na 13ª Bienal, a dos Videomarkers, em 1975, o Pavilhão da Bienal recebeu uma sala bastante especial, chamada de Xingu Terra! O espaço ocupou 200 m2 no terceiro piso do edifício e foi idealizada em colaboração com a fotógrafa Maureen Bisiliat e o sertanista Orlando Villas-Bôas, um dos responsáveis pela criação do Parque Nacional do Xingu.

Em razão da criação desta sala, que trazia peças da coleção particular de Villas-Bôas e fotografias de Bisiliat, o cacique Aritana Yawalapiti, morto no ano passado em razão da covid-19, veio para São Paulo para participar da montagem do espaço. Citado por Leonor Amarante em As Bienais de São Paulo / 1951 a 1987, o arquiteto Fernando Lion aponta que “Aritana construiu uma autêntica maloca com cipós, madeiras e folhas de palmeiras, tudo procedente das próprias matas do Xingu”.

Flavio de Carvalho recusado

No ano em que a Bienal foi realizada pela primeira vez no edifício que passaria a ser sua sede permanente, algumas polêmicas tomaram conta daquela edição! Na 4ª Bienal de São Paulo, com direção artística de Sérgio Milliet, artistas nacionais de grande porte como Flávio de Carvalho, foram recusados pelo júri de seleção, que era composto por Lívio Abramo e Lourival Gomes Machado; enquanto o júri de premiação tinha no elenco Alfred Barr, do MoMA, e a artista Maria Martins. Nesta mesma edição, um espaço criado especialmente para receber obras de Jackson Pollock foi um dos principais destaques!

Em As Bienais de São Paulo / 1951 a 1987, Leonor Amarante aponta que houve um corte de 84% das obras que fora inscritas e cita as reações de artistas indignados com a recusa: “Aldo Bonadei ameaçando colocar fogo em seus quadros recusados; Flávio de Carvalho exigindo o fim da mostra; a tentativa de se fazer uma “Bienal dos Recusados”; nomes premiados sendo contestados… Assim foi inaugurada em outubro de 1957 a 4ª edição, uma das mais tumultuadas de toda a história da Bienal Internacional de São Paulo”.

Censura à artista Cybèle Varela

Cybèle Varela, O Presente, 1967

Em meio aos absurdos praticados pelo regime militar no Brasil, a IX Bienal Internacional de São Paulo foi marcada por um acontecimento extremamente abusivo em relação à artista carioca Cybèle Varela. Por ordem do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a obra O Presente, realizada pela artista, foi removida da exposição pela direção da Bienal horas antes da abertura do evento.

“A direção da Bienal está se recusando a repor o trabalho de Cybèle Varela, que foi podado pela polícia política, um dia antes da inauguração (…). O quadro versava sobre matéria política, apesar de muitos outros abordarem também questões delicadas, como os de Quissak Júlior, que são variações em torno da bandeira nacional”, escreveu no mesmo dia em sua coluna no jornal Diário de Notícias o crítico Frederico Morais.

Contra a norte-amerizanização da Bienal do Pop

Sala Especial: Ambiente U.S.A – 1957/67, com a obra de James Gill, ‘Marilyn’. À esquerda, intervenção do público frente ao contexto político da época. FOTO: Agência Estado/site BienalSP

Diante da censura à Varela, a tensão política esquentou ainda mais na 9ª Bienal de São Paulo, sendo vista inclusive em intervenções do público nas paredes e também em obras, se colocando contra a presença dos “yankees” na exposição. Isso porque esta Bienal teve massivamente obras de nomes suntuosos da pop art estadunidense, como Andy Warhol, Roy Lichtenstein, Jasper Johns e Robert Rauschenberg. Esse levante contra a “norte-americanização” na Bienal de São Paulo se deu em razão dos fortes indícios de influência do governo dos EUA no golpe que deu origem ao regime da Ditadura Militar no Brasil e no fortalecimento deste.

Em Bienais de São Paulo da era do Museu à era dos curadores (1951-2001), Alambert e Canhête assinalam: “A volúpia anti-contemplativa da arte contemporânea havia chegado entre nós, justamente quando o ‘não me toques’ do regime político era mais forte e repressivo. Nessa Bienal, a interação entre arte e público chega a um patamar inédito na história da mostra – e possivelmente inédito na história de qualquer grande mostra desde então. Dias após a abertura, ‘não havia mais obras intactas na Bienal’: ‘e não se sabia se ali tinha havido um dia de maravilhosa festa ou uma feroz batalha de vândalos. O povo consagra a arte nova'”.


A Bienal do Boicote

Marcelo Nitsche, A Bolha. FOTO: © Autor não identificado

Pairava pelo Brasil um clima muito hostil, em especial em relação à produção artística, vista pelo governo autoritário como uma insurreição. A 10ª Bienal de São Paulo aconteceu em plena ditadura militar, no ano de 1969, meses depois do AI-5 ser instaurado no país. O decreto deste Ato Institucional acirrou uma série de perseguições políticas, além de marcar um momento de muita repressão e violência contra a oposição. Desta forma, cerca de 80% dos artistas convidados para a mostra se recusaram a participar da Bienal como forma de protestar contra o governo militar. Assim, ficou conhecida como a Bienal do Boicote.

“Foi iniciada uma campanha internacional para boicotar a X Bienal que chegou aos Estados Unidos, França, México, Holanda, Suécia e Argentina, conseguindo o apoio e a simpatia de muitos artistas consagrados para a causa. Talvez pela primeira vez um grande grupo de artistas plásticos tenha conseguido se organizar a ponto de colocar o governo militar na defensiva”, pontuam os autores de As Bienais de São Paulo da era do Museu à era dos curadores (1951-2001).

A psicodelia alucinógena e o exílio de Pedrosa


Rafael Canogar, ‘Los Revolucionarios’ [Os Revolucionários]. FOTO: Autor não identificado

Na edição seguinte à Bienal do Boicote, o cenário não foi muito diferente em relação à participação dos artistas. O evento foi boicotado mais uma vez para mostrar a insatisfação em relação aos rumos que o país estava tomando, cada vez com mais violência e mais repressão contra a oposição, um país com mortos e desaparecidos políticos. A tensão também se deu em razão do exílio de Mario Pedrosa, que foi diretor geral das edições de 1961 e 1963.

Foi uma Bienal também marcada pelas polêmicas que rondavam os estigmas em torno do movimento hippie, que efervescia bastante naqueles anos 70! A presença de obras do artista austríaco Arnulf Rainer representava um pouco desse momento, já que o artista produzia suas pinturas sob efeito de LSD. Isso porque, como escreveu Carl Unger no catálogo da edição, “por meio de experiências com drogas alucinógenas, novas formas pictóricas apareceram na obra de Rainer por volta de 1965. Surgem de seus desenhos psicodélicos e sinais. Dão também impulso às estruturas neo-fantásticas ou neo-mitológicas e, sobretudo, às formas fisiognomônicas. Seus desenhos caricaturais e, consequentemente seu traço realístico e as face-farsas conduzem ao grotesco, por meio do arremedo e da auto-reprodução irônica”.

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