Abdias Nascimento: um artista panamefricano, que abre amanhã, 25.2, no Masp, é uma exposição inteiramente pensada a partir do trabalho de Nascimento, desde os nomes dos núcleos, que remetem, por exemplo, a títulos de textos seus, até a expografia, desenhada em formato de encruzilhada — na umbanda, onde são feitas as oferendas a Exu.
Nascimento participou da formação da Frente Negra Brasileira, movimento e depois partido político criado na década de 1930, e da fundação do Teatro Experimental do Negro. Durante a ditadura militar, exilou-se nos Estados Unidos, onde seu trabalho artístico é mais celebrado do que aqui. Foi também deputado federal e senador. Em 2010, ano que precedeu sua morte, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz.
A exposição no Masp é a maior dedicada à obra de Nascimento até hoje e revela aos visitantes sua faceta como artista, menos explorada em sua carreira como intelectual, ativista político, dramaturgo, ator, escritor e diretor. Os curadores são Amanda Carneiro e Tomás Toledo.
Um artista panamefricano apresenta como Nascimento transpunha e materializava conceitos que guiaram sua luta contra o racismo e pela valorização da cultura negra em formas, cores e símbolos.
Com ênfase no vermelho, no verde e no amarelo do movimento pan-africanista — que propõe a união dos povos da África para potencializar a voz do continente — suas abstrações geométricas são repletas de significado.
São pinturas que remetem, por exemplo, a orixás, principalmente Xangô, Exu, Oxóssi e Ogum; a estrela e o crescente do islamismo (devido a influência árabe na emancipação de alguns países africanos); a figuras históricas, como Malcom X, e ao adinkra, sistema de escrita africano e cujo conjunto de símbolos representam ideias expressas em provérbios.
A exposição em si articula noções como a de amefricanidade, termo cunhado por Lélia Gonzalez, amiga do artista, para se referir à experiência negra na América Latina, e a de quilombismo, formulada por Nascimento para destacar o projeto de transformação social sobre bases que retomam a experiência dos quilombos.
Todas as obras exibidas foram emprestadas pelo Ipeafro, instituto criado por Nascimento. Em vida, ele também foi o idealizador do Museu de Arte Negra, que tomou corpo pela primeira vez em Inhotim em dezembro passado.
O italiano radicado no Brasil Alfredo Volpi era um dos artistas do Museu de Arte Negra que, conforme explicou Amanda Carneiro, não incluía apenas artistas negros, e, sim, cuja obra tivesse alguma ligação com matrizes africanas. A ideia de colocar os dois artistas em diálogo, no entanto, não veio daí. Surgiu há alguns anos, quando trabalhos de Nascimento, Volpi e Rubem Valentim foram colocados lado a lado no Acervo em Transformação, a mostra de longa duração do museu.
Segundo Carneiro, a aproximação gerou possibilidades sobre o diálogo entre esses dois artistas para abordar temas como a inserção de artistas negros na abstração geométrica e para pensar o modernismo de forma mais plural. “É interessante ver como a linguagem construtiva pode ser reapropriada e ressignificada, seja para representar fachadas e bandeiras ou símbolos afro-brasileiros”, diz.
Um andar acima, a mostra Volpi popular também traz um novo olhar sobre esse artista já conceituado, para além das famosas “bandeirinhas” — elas, aliás, encontram-se na última sala da exposição. A mostra, com abertura simultânea a de Nascimento, dedica-se a explorar a obra figurativa de Volpi e o observador pode perceber como seus trabalhos foram tornando-se mais geometrizados ao longo de sua carreira; é possível comparar, por exemplo, a mesma paisagem com diferentes abordagens formais. Estão lá imagens de santas e santos, cenas em cidades do interior, como em Itanhaém e Mogi das Cruzes, e retratos.
Com curadoria de Tomás Toledo, é a terceira mostra de uma série de individuais que o museu vem organizando em torno de artistas modernistas brasileiros canônicos do século 20 cuja obra emprega referências populares, depois de Portinari popular e Tarsila popular.
Como outros artistas da classe trabalhadora, Volpi desenvolvia um trabalho autoral paralelamente às suas encomendas. Nascido na Itália, emigrou ainda criança para São Paulo. Esteve em meio às movimentações políticas da década de 1920 e apesar de distante do circuito que organizou a Semana de 22, sua obra reflete preceitos modernistas na medida em que é repleta de referências da cultura popular brasileira.
Também amanhã abre Sala de vídeo: Letícia Parente. Com curadoria de María Inés Rodríguez, a mostra reúne cinco obras fundamentais para a compreensão da prática da artista, pesquisadora e pioneira da videoarte no Brasil. No conhecido Marca registrada, que será exibido, a artista grava em superclose a si mesma costurando na sola do pé a frase: made in Brazil.
Abdias Nascimento: um artista panamefricano e Volpi popular
Data: 25 de fevereiro a 5 de junho
Sala de vídeo: Letícia Parente
Data: 25 de fevereiro a 24 de abril
Local: MASP
Endereço: Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista
Funcionamento: terça das 10h às 20h (entrada até 19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até 17h); fechado às segundas
Ingresso: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)
Entrada gratuita às terças
Agendamento obrigatório pelo link