Gilson Plano explora a concretude e potência das materialidades, mas atua no campo abstrato da utopia. Suas obras surgem da urgência de acreditar em outras realidades e na construção de um futuro diferente. Ele acredita que a arte pode contribuir politicamente produzindo outros imaginários: “Existe uma geração hoje que tem colaborado na construção de outros repertórios em que é possível existir nossos futuros”.
Nascido em Goiânia, Goiás, Plano cresceu já cercado pela prática que veio a se tornar sua poética. Filho de uma costureira e um pedreiro, ele cresceu acompanhando de perto diferentes interesses construtivos e processuais. Parece, então, que as ferragens, as pedras, as linhas e as composições o contaminaram, sendo hoje suas matérias-primas.
Na capital fluminense, onde vive atualmente, o artista concebeu obras que feriram as estruturas arquitetônicas de espaços culturais, numa espécie de fabulação. Em 2020, Gilson perfurou as paredes do Museu de Arte do Rio e instalou nelas 152 pérolas naturais. Dentro da ação poética de “devolver pérolas ao MAR”, o artista fantasia a ideia de que a gema voltará a brilhar sob o sol quando a edificação do museu for derrubada. Intitulada como O sol depois, a obra comissionada para a exposição Casa Carioca foi realizada antes mesmo da abertura, portanto não foi assistida pelo público. À este, restou apenas a instigação de imaginar e acreditar que essas preciosidades estão debaixo das camadas de revestimento do museu.
Já em O Fantasma que a floresta nos deixa, realizado no ano seguinte, ele planta 45 sementes de favela – muito utilizadas em rituais do candomblé e da umbanda – atravessando o piso da capela do Parque Lage. Considerando que a área do parque faz parte da Floresta da Tijuca, que é fruto do replantio feito por seis escravizados por volta da década de 1860, Gilson concebe a ação imaginando que um dia essas sementes podem germinar e vir a destruir o Parque.
O exercício da arte é seu horizonte: “eu vou continuar produzindo, não necessariamente por uma questão financeira, mas porque isso é vital para que eu continue imaginando.”
Segundo o próprio artista, ele intencionalmente produz, por meio da arte, espaços leves e aéreos: “eu não quero, na minha produção, enunciar só a morte (…) eu quero falar, principalmente, de vida, de uma vida melhor”. Por isso, seus devaneios não o fazem alienado à realidade do presente. Seu universo aurático do encantamento, das macumbas e dos procedimentos é fundamentado na mudança dos estados das coisas, nem que sejam mudanças mentais ou destinadas a um futuro que ele não testemunhará. Ao realizar seus trabalhos em atos quase proféticos, Gilson nos ensina sobre um olhar generoso que pauta adiante de sua individualidade e garante que sua obra se perpetue para além de sua própria existência.
Mas pode-se dizer que a concepção ocidental separatista de tempo – passado, presente e futuro – não cabe em sua produção. No candomblé, Plano aprendeu sobre o tempo em uma lógica espiralar, portanto o cruzamento das temporalidades em suas obras nos mostra que pensar no futuro e pensar no agora são as mesmas coisas. Da mesma maneira, seus desenhos e projetos, que calculam meticulosamente ações, que às vezes até parecem espontâneas, cruzam as noções de tempo-espaço e as unificam.
O artista que já participou de diversas exposições coletivas e individuais em galerias, possui obra no acervo permanente do MAR, mas ainda não tem representação em galeria. O que a gente espera é que a semente de sua valorização mercadológica não esteja lançada para germinar apenas num futuro que ele não possa testemunhar.
Em tempo: aproveite para conhecer de perto a produção de Gilson Plano na exposição Animal Ferido, de Igor Vidor, na galeria Verve, até o dia 21 de janeiro de 2023.