Crônicas Cariocas, uma exposição para ver com o corpo e seus sentidos

Em cartaz no Museu de Arte do Rio, a exposição Crônicas Cariocas apresenta cerca de 600 obras de arte e mais de 110 artistas

por Paula
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Crônicas Cariocas
Crônicas Cariocas

Idealizada para escutar e discutir o Rio de Janeiro que não está nos livros, Crônicas Cariocas é sem dúvidas a maior exposição que Museu de Arte do Rio recebeu no ano de 2021. Em cartaz até o fim de julho de 2022, a mostra apresenta mais de 110 artistas e quase 600 obras de arte. A curadoria é assinado pelos curadores da casa Marcelo Campo e Amanda Bonan em parceria com o historiador Luiz Antônio Simas e a escritora Conceição Evaristo, que juntos apresentam um olhar atento e contemporâneo à vida carioca em suas particularidades mais singelas.

Como menciona Marcelo Campos, a exposição “fala da cidade suburbana, cujo afeto é o amálgama das relações e histórias miúdas. Um Rio que reza e dança, que inventa seus próprios deuses, enquanto se organiza no trabalho informal e na poesia dos trens e das praças. Um Rio que viu seus cinemas fecharem, suas linhas de ônibus deixarem de ligar as zonas Sul e Norte, mas que, ainda assim, nasce e renasce todos os dias”. É com este sentimento dúbio de forças, próprios desta cidade, que a mostra se estrutura.

Crônicas Cariocas
Crônicas Cariocas. PH: Beatriz Gimenes

Ampliando a ideia dos personagens destas cônicas cariocas para além de sua característica territorial, os artistas presentes não são necessariamente naturais do Rio de Janeiro. Pois, mesmo referindo-se a um local determinado, a exposição transcende sua compreensão física e dá luz aquilo que lhe é subjetivo: a espiritualidade, a cultura e a política dos costumes. De modo que artistas de outras naturalidades e de artistas da vida e não necessariamente da arte, ocupam uma mesma página. Isto porque, “a crônica está presente na música popular, nas conversas cotidianas, nas sociabilidades construídas nos botequins, nas esquinas, no convívio com as rezadeiras”, como afirma Luiz Antônio Simas.

Combinando peças do acervo do museu, com trabalhos comissionados e não comissionados, somos apresentados à um conjunto de visualidades variadas, com materialidades, procedências e temporalidades distintas. Um manequim vestido com as roupas de uma dupla de porta-bandeira carnavalesca compartilha o mesmo espaço que uma pintura a óleo de um artista póstumo, por exemplo. É em diálogo com vida em sua diversidade, que a curadoria nos apresenta às histórias desta grande e elaborada exposição.

Crônicas Cariocas
Crônicas Cariocas. PH: Beatriz Gimenes

Em conversação com o artista Guilherme Ginane, que participa da mostra com 5 de pinturas a óleo da série Cosme e Damião, ele relata: “Sempre tive na minha mesinha de trabalho do ateliê uma imagem de Cosme e Damião. Eu tive dois irmãos gêmeos que se chamavam Cosme e Damião, eles nasceram e morreram logo cedo. Eles estão em um lugar íntimo, estão na minha família. Mas estão também nas ruas, no dia 27 de setembro, em que o primeiro pedaço de bolo vai para os Ibejis. Em 2019, durante a comemoração de Cosme e Damião eu comecei a pintar estes eres. Em seguida surgiu a possibilidade de fazer uma residência na Lanchonete <> Lanchonete e foi lá que eu fortaleci este lugar da vivência com as crianças. Em paralelo tem a questão formal da pintura. Este trabalho juntou dois campos que são muito importantes para mim, que é o campo subjetivo da minha formação como indivíduo e o lugar como pintor”.

Guilherme Ginane
CeD Ultramar, 2019, de Guilherme Ginane

A imagem de Cosme e Damião também se faz presente em outros trabalhos da exposição, como é o caso de Ensaio para Ibejis e seus doces de Lucas Assumpção e Os Guardiões de O Bastardo. Nas palavras de O Bastardo, “Eu sempre tive uma relação especial com os Ibejis, lembro de quando era pequeno e corria pelas ruas de Mesquita em bando com outras crianças a caça de onde estavam dando doce, era um dia mágico, das festas em terreiro onde via e vivia momentos mágicos no dia dos Ibejis. Hoje sou eu quem dou doces, desde o ano passado com ajuda da minha mãe (Dona Carmen) posso fazer isso, poder agradecer aos Ibejis, a fazer crianças felizes com tão pouco como um saquinho de doces mas que mesmo assim é mágico pra ela, eu agradeço aos meus orixás por poder fazer coisas como essa, cada vez mais”. Cabe ressaltar que a mostra foi inaugurada justamente na época em que se celebra estes dois santos, com distribuição de doces aos visitantes.

O Bastardo
Os guardiões, 2021, de O Bastardo

De imediato, é possível perceber que a espiritualidade é um sintoma que se destaca na exposição de modo geral. Pois, se a organização social do homem se dá por meio da religião, por que com a exposição haveria de ser diferente? Seja por meio dos trabalhos com Cosme e Damião ou das pinturas Glauco Rodrigues e de Okun, da fotografia de Thales Leite, das esculturas de Mulambo e de Efrain Almeida, dos santinhos de Wallace Pato entre outros, somos atravessados por imagens que remetem ao espiritual, ao sagrado. Com ênfase à Mestre Didi, escritor, artista visual e fundador da Sociedade Religiosa e Cultural Ilê Asipá, a mostra apresenta uma série de trabalhos do artista regados por elementos estéticos da arte ritual ancestral ioruba. Vale mencionar também as instalações de Mônica Ventura e de Sônia Gomes, que partem de um fazer manual carregado de histórias e espiritualidades ancestrais.

Crônicas Cariocas
Crônicas Cariocas. PH: Beatriz Gimenes

Outro elemento de notoriedade da curadoria é a valorização da negritude, presente tanto nas produções que falam sobre a autoestima da população negra, como na presença maciça de artistas negros. Em um mesmo núcleo, Rafael Baron, Rafaela Phina, Ananse Kintê, Douglas Ferrero e O Bastardo apresentam retratos de empoderamento da população negra, seja por meio da fotografia ou da pintura. Como comenta Rafael Baron “Isso tem haver com a minha própria história de vida, de ser negro, morador de periferia e de hoje estar expondo em espaços majoritariamente de gente branca: museus, galerias, mostras internacionais etc… Espaços que antes artistas pretos não participavam. Claro que não sou só eu, isso vem de um grade movimento que está ressignificando e reescrevendo uma história verdadeira da arte; que sempre existiu, mas que nunca foi mostrada. Uma história da arte escrita por uma grande pluralidade de personagens e agentes da arte”.

Crônicas Cariocas
Crônicas Cariocas. PH: Beatriz Gimenes

Acerca da variedade de artistas da arte presentes na exposição, uma vez mais a curadoria é coerente com a população da cidade do Rio de Janeiro. Os protagonistas das crônicas são homens e mulheres: cariocas, não cariocas, jovens, adultos, velhos, vivos, póstumos, cis, trans, não binárie, negros, brancos, indígenas, hétero e  LGBTQIA+ e assim por diante. Por fim, Crônicas Cariocas é uma oportunidade única para apreciar trabalhos tão relevantes de nossa história da arte e de nossa cultura material. Uma exposição para ver com o corpo presente em todos os seus sentidos.

Crônicas Cariocas 

Data: Até 31 de julho de 2022

Local: Museu de Arte do Rio 

Endereço: Praça Mauá, 5, Rio de Janeiro

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