Com o intuito de “internacionalizar a arte”, os modernistas buscaram geometrias abstratas, entendidas como uma linguagem universal. Esse discurso deixa clara a mentalidade branca e eurocêntrica da arte naquele período, pois formas geométricas similares podem estar em diferentes tempos, culturas e lugares. Em Talavera, nova individual de Adriana Varejão, que aberta hoje na galeria Gagosian em Nova Iorque, a artista carioca toma uma pesquisa sobre desenhos encontrados na tradição mexicana e estabelece um impressionante diálogo entre sistemas estéticos antes segregados por narrativas dominantes, levantando questões provocativas sobre a vida das formas na arte e sobre os processos de colonização.
Interessada nas diferentes narrativas obscurecidas da História do Brasil, Adriana Varejão começou a pesquisar, desde os anos 1980, azulejos de terracota esmaltados de origem árabe que foram a forma de decoração mais utilizada na arte portuguesa desde a Idade Média e que chegaram ao Brasil por meio da colonização – tornando-se um importante símbolo de como uma cultura pode ser massacrada pela própria arquitetura e comércio.
A partir dessa pesquisa a artista desenvolveu diferentes séries, sempre questionando verdades que ardem nas entranhas da nossa História. Durante a pesquisa se apaixonou também pelo próprio craquelado dos azulejos, que aparecem em inúmeros trabalhos, inclusive no seu pavilhão em Inhotim. Há cerca de sete anos ela passou a trabalhar na série Mimbres, feita a partir de telas quadradas cobertas por uma espessa camada de gesso e permitindo que ela seque gradualmente para produzir uma superfície com fissuras profundas que lembram porcelana rachada antiga – ou o tempo geológico.
Para a exposição que abre hoje na Gagosian de Nova Iorque, a artista explorou a cerâmica de Talavera, tradição mexicana originária da Espanha que, como o azulejo, se baseia em diversas fontes – neste caso, indígena, hispânica, italiana e chinesa. Trata-se de uma produção que pode ser encontrada nas cidades San Pablo del Monte, em Tlaxcala; e Puebla, Atlixco, Cholula e Tecali, sendo as quatro últimas no município de Puebla.
Uma fotografia de uma parede de azulejos de Talavera tirada por Varejão no México em meados da década de 1990 serviu de base para a pintura Parede Mexicana, de 1999. Agora, vinte anos depois, esta pintura tornou-se a referência indexical para toda uma nova série, onde os motivos principais de azulejos individuais são ampliados para telas quadradas.
O centro da pesquisa, aqui, são a geometrias dos povos originários que dialogam diretamente com os desenhos dinâmicos dos principais modernistas do Brasil – pense desde Oscar Niemeyer e Athos Bulcão até Ivan Serpa e Waldemar Cordeiro – que dialogam, ainda, com ícones inovadores do século 20, como Josef Albers e Ellsworth Kelly.
As pinturas circundam três novas Meat Ruins, de (2020–21, colunas altas que simulam fragmentos de paredes com azulejos de Talavera e suas entranhas: Varejão substitui os tornos e gesso por turbulentas massas de vísceras que simulam o mármore raiado e o drama corporal do Barroco. Há, aqui, como em muitos dos seus trabalhos, uma crítica à colonização por meio do apagamento e à violência que moldou a história latino-americana. Ela confronta, ainda, a ideia da antropofagia que defendia a absorção cultural no período moderno. Ao intitular uma das obras como Ruína Brasilis, pintando sua superfície com azulejos de cores nacionais, Varejão arremata a exposição com um comentário sobre a atual degradação política e ecológica do Brasil.
Talavera
Data: Até 26 de junho
Onde: Gagosian
Endereço: West 21st Street, New York