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Vik Muniz expõe fotografias e colagens que dialogam com o cubismo

Artista estudou pinturas de Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris para criar um diálogo entre fotografia e pintura

por Beta Germano
Série Superfícies, de Vik Muniz
Série Superfícies, de Vik Muniz

Interessado há muitos anos pela história da representação e pelo diálogo entre fotografia e pintura, Vik Muniz abre hoje a exposição Fotocubismo, na galeria Nara Roesler, composta por uma série de foto-colagens criadas a partir de pinturas de nomes clássicos do cubismo – pense em Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris.

Considerando a invenção da fotografia como o principal acontecimento que libertou a pintura da representação da realidade, o artista buscou no cubismo resoluções icônicas sobre o poder da memória e da imaginação quando essa realidade é desconstruída. “Existem dois momentos da fotografia: a invenção na primeira metade do século 19, quando era uma especialidade de uma elite muito pequena; e a sua democratização com o George Eastman e  Kodak. Ele criou um sistema em que você podia mandar o filme para ser revelado num laboratório externo. Isso foi essencial para popularizar a fotografia. Pouco depois também começou o desenvolvimento das técnicas de impressão para imagens fotográficas – é nesse momento, por exemplo, que nascem as revistas fotográficas como a Camera Work, View e Life. Ou seja: Era o início de todo um movimento para a hegemonia da imagem que vivemos hoje”, ressalta o artista. “Nesse momento a pintura não tinha mais a  obrigação de representar a realidade de forma fidedigna. Se libertou da verossimilhança porque a fotografia já fazia esse papel. A fotografia coagula o plano pictórico em algo tão certo, que para transcender aquela realidade dura os pintores começaram a tentar criar imagens a partir da forma como as percebemos. Aí entram inúmeros determinantes: o tempo, o movimento, a memória. O que nós percebemos de uma imagem é muito mais próxima de uma pintura cubista do que de uma fotografia. Eles estavam re-definindo uma ideia de realismo negociável”, conclui.

Série Superfícies, de Vik Muniz
Série Superfícies, de Vik Muniz

Vik busca, portanto, levar ao paroxismo a relação entre a fotografia (meio associado a uma grande objetividade) e a imagem mental, ​​ como a memória ou a imaginação, desmontando certezas técnicas e teóricas do mundo visual contemporâneo. Há, ainda, um desejo de questionar as ambiguidades da representação imagética – assunto que está cada vez mais relevante já que vivemos em um mundo em que as imagens são desacreditadas como apresentação ou prova da realidade. Como afirma a crítica de arte Luisa Duarte, seus trabalhos “congregam em um só espaço a hiper-nitidez característica da nossa época e a dúvida que esta mesma época tende a dispensar ou mesmo desprezar”.

O artista reflete sobre as hesitações do mundo digital.  “O fantasma da pintura voltou na forma das tecnologias digitais para espantar a fotografia de novo. Da mesma forma que a fotografia não destruiu a pintura, a imagem digital transforma a fotografia pois agora é ela que perde o status da verdade! Os tribunais, por exemplo, não aceitam foto como prova da realidade ou de um fato, tudo é manipulável. Ou seja: Da mesma forma que aconteceu com a pintura, agora a fotografia perdeu a conexão com a realidade com as certezas. Uma foto impressa possui propriedades tanto do mundo material quanto do mundo mental.Ela existe fisicamente e, ao mesmo tempo, te causa emoções e sentimentos. Com a imagem digital a separação entre ideia e materialidade se desfez”. Ele pontua que a  percepção do mundo se transformou, mas sempre foi assim: desde o primeiro retrato desenhado numa caverna até os mais novos games. “A tecnologia vai se revolucionando e o pragmatismo vai alcançando. Na medida em que não acreditamos mais na imagem, a tecnologia cuida de criar mais uma armadilha”, ressalta. O amparo físico e material que nos traz de volta dessas viagens mentais. É por isso que as pessoas costumam olhar a pintura de perto e depois de longe: elas olham para a tela e embarcam naquela ideia, quando chegam perto se deparam com a materialidade, a superfície e a tinta.  No fim das contas, a função da arte é nos ajudar a fazer essa ginástica sensorial. Quando percebemos os nossos sentidos, entramos numa espécie de nirvana, pois estamos dentro desses dois mundos. O problema agora é que você só pode vivenciar o que está na sua cabeça, o material já foi!”

Tratam-se de obras da história da arte, como Nu descendo a Escada, pintado por Marcel Duchamp em 1912, que Vik revisita com o objetivo de investigar espacialidade, cor, textura, profundidade, percepção, volume, repetição e diversidade de meios.”Eu gosto de trabalhar com uma espécie de curador. Então tratei de escolher obras específicas para criar um panorama do cubismo.Foi uma ideia totalmente revolucionária e, ao mesmo tempo, inevitável naquela época.  Qualquer pintor que se interessasse pelas possibilidades entre a abstração e a pintura figurativa, passava pelo cubismo. Era muito sedutor intelectualmente”, reflete o artista.  

O processo é simples, mas a construção complexa. A imagem selecionada é pintada; fotografada; impressa e ampliada; reprocessada por meio de colagens; fotografada e impressa novamente, até atingir aquele ponto de indiferenciação desejado pelo artista. Como ele próprio explica, são criadas “quantidades insanas de camadas”, que geram no espectador uma dúvida sobre onde estaria a superfície original, em meio a essa sobreposição de intervenções, em diferentes mídias. “São trabalhos que precisam ser vistos ao vivo, pois há uma tridimensionalidade muito ambígua. Ela vai sendo revelada aos poucos há uma sedimentação das superfícies. Aquele plano que o pintor criou para criticar a fotografia, volta como fotografia confrontando o plano da pintura também. Não são apenas camadas físicas, mas virtuais também. Você pode ver um corte e só depois perceber que era, na verdade, a foto de um corte. Há uma movimentação do plano pictórico – o que era o princípio básico das pinturas cubistas. É sobre desafiar aquele plano…a fazer isso com fotografia. Gosto de dar essa volta.”, explica o artista.

O nome da série, Superfícies, é uma referência clara e irônica à sobreposição de meios, leituras e estratos visuais. Já o título da mostra, Fotocubismo, propõe um mordaz jogo de palavras, que transforma o termo “clubismo” – associado à fotografia clássica – em “cubismo”, remissão direta aos mestres que no início do século XX procuraram dar conta de um dos maiores desafios da arte naquele período: a superação dos paradigmas clássicos vigentes de uma arte mimética, em busca de um tipo de representação, analítica e sintética, do real. 

Série Superfícies, de Vik Muniz
Série Superfícies, de Vik Muniz
Série Superfícies, de Vik Muniz
Série Superfícies, de Vik Muniz

Fotocubismo

Data: 10 de novembro até 23 de dezembro 

Local: Galeria Nara Roesler

Endereço: Av. Europa, 655 – Jardim Europa, São Paulo

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