“Eu escrevo sobre as coisas que não posso pintar e pinto sobre as coisas que não posso escrever.”, exclamou a artista britânica Lynette Yiadom-Boakye, numa entrevista no site da Tate Britain, que abriga sua retrospectiva até o dia 31 de maio, intitulada Fly In League With The Night. A mostra apresenta 80 obras feitas desde 2003 até os dias atuais
A escrita é tão importante em seu trabalho quanto a própria pintura. Yiadom-Boakye escreve poesia e prosa, além de sempre apresentar títulos sugestivos para seus enigmáticos retratos, caso de Tie the Temptress to the Trojan; To Improvise a Mountain; e Black Allegiance to the Cunning. A última foi escolhida para abrir a exposição: um jovem sorridente em uma camisa verde profundo, dá boas-vindas ao espaço. Ele está sentado em um banquinho com uma raposa a seus pés, seu sorriso malicioso. Em A Whistle in a Wish uma mulher pensativa com um colarinho verde-mar emerge das sombras, o rosto ligeiramente obscurecido por uma nuvem de fumaça do cigarro que ela está segurando. Tudo parece muito misterioso, não só pelas cores e efeitos usados pela a artista, mas também pela própria atitude das figuras.
Em seu perfil para The New Yorker, Zadie Smith descreve a prática de Yiadom-Boakye como “novelística”, com figuras “empurrando-se para nossa imaginação – como os personagens literários fazem”. As figuras nas telas não são pessoas reais – a artista as cria a partir de imagens encontradas – e não parecem participar de um longo e complexo romance, mas de contos, contidos em si, que vivem num mesmo universo. Enigmáticos, eles convidam os espectadores a projetar suas próprias interpretações do resto da narrativa e levantam questões importantes de identidade e representação. São figuras que parecem existir fora de uma época ou lugar específico. Elas podem estar, portanto, entre os membros do Harlem Renaissance na década de 1920; ou entre os criativos que frequentavam o Mbari Club, em 1960, na Nigéria; ou, ainda, em Londres em 2020 sentadas num bar depois de uma manifestação do #BlackLivesMatter. Sobre o tempo, a artista exclama: “Nunca quis ficar presa a um período em particular, pois o que estou falando transcende o tempo”. Com cerca de 80 obras pintadas desde 2003, quando ela se formou, até os dias atuais, a mostra é estruturada para permitir um diálogo aberto entre as obras.
Os retratistas Walter Sickert e John Singer Sargent são, de acordo com a artista, suas influências em seu uso de cores e sombras. Mas também há algo barroco em sua técnica – o efeito chiaroscuro aparece nos fundos escuros e tonais contrastando com o branco, que surge apenas como um lampejo de dentes à mostra ou um colarinho de camisa ou, ainda, uma cueca à mostra.
Suas pinceladas seguem uma linha mais impressionista e, embora figurativas, resistem a qualquer grau de hiper-realismo: ela faz o suficiente para nos mostrar o que precisa mostrar e nada mais.Yiadom-Boakye emprega uma paleta de tons terrosos de preto, marrom profundo e verde, com explosões ocasionais de vibração – o delicado amarelo pálido de um canário ou as penas vermelhas, azuis e amarelas brilhantes de um papagaio. São personagens irreverentes e seguros de si. Audaciosos, parecem ter uma relação calorosa e íntima umas com as outras e nós, espectadores, só podemos observá-las sem entender direito o que há nas entrelinhas. “É como ser um acompanhante em uma festa onde você ainda não conhece o anfitrião ou o resto dos convidados”, colocou Aurella Yussuf em artigo para a Frieze. No catálogo da retrospectiva ela afirma: “Se são patéticos, não sobrevivem. Se eu sentir pena de alguém, eu me livro deles. Eu não gosto de pintar vítimas”.
Em tempo: Filha de pais ganeses, Yiadom-Boakye não é apenas a primeira mulher negra britânica a receber uma exposição individual na Tate, ela também foi a primeira mulher negra a ser indicada para o Prêmio Turner em 2013!