Retorno do Manto Tupinambá ao Brasil evidencia os desafios da reparação histórica

A obra, confeccionada por um dos primeiros povos indígenas a ter contato com os colonizadores no Brasil, desembarcou sob sigilo no Rio de Janeiro no início do mês, como parte do movimento global de museus pela repatriação de artefatos

por Giovana Nacca
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Manto Tupinambá. Divulgação

Depois de mais de três séculos na Dinamarca, o Manto Tupinambá desembarcou no Rio de Janeiro para finalmente integrar o acervo do Museu Nacional. Com 1,2 metro de comprimento, revestido de penas vermelhas de guarás, a indumentária deve ser exposta ao público a partir de agosto.

O retorno da obra é fruto das intensas negociações lideradas pela artista e antropóloga Célia Tupinambá, que além de se dedicar há cerca de vinte anos à investigação dos Mantos retirados de seus territórios ancestrais, foi responsável por retomar a prática de confecção destas peças ritualísticas na contemporaneidade.

A artista nos chama atenção para a importância de reconhecer o valor espiritual do Manto Tupinambá, símbolo de memória e resistência do povo indígena Tupinambá, e a necessidade de envolver não apenas instituições, mas também as comunidades originárias no processo de repatriação. Porém, segundo ela, o Grupo de Trabalho (GT) do Ministério dos Povos Indígenas, que estava previsto para fazer a recepção do Manto, foi informado sobre a chegada do item somente depois que ele já estava no museu. “Não só repatriamento institucional com embaixador e museu é necessário, mas também da presença dos rituais e cerimônias religiosas. Diferente de tratar o manto como simplesmente um objeto.”, ela explica. 

O Manto recém-chegado é o primeiro dos ao menos onze remanescentes que se encontram em museus europeus a retornar ao Brasil, desencadeando também um debate urgente sobre direitos à memória e patrimônio.

A opinião pública, preocupada com as condições dos museus brasileiros – especialmente após o incêndio devastador no Museu Nacional há seis anos –, questiona o futuro destas obras no país. No entanto, precisamos dar alguns passos para trás e entender que a repatriação deve (ou, pelo menos, deveria) ir além da simples transferência de objetos. Enquanto muitos veículos têm noticiado erroneamente o evento como uma “doação” benevolente da Dinamarca para o Brasil, é necessário lembrar que trata-se, na verdade, de reparar um capítulo de exploração colonial. Obras de arte e artefatos de imensa relevância, sobretudo para povos originários, foram usurpados e expostos em museus europeus, enriquecendo esses países às custas do nosso subdesenvolvimento. Nesse sentido, devemos nos questionar se o atual movimento global de devoluções por parte de países de passado colonial é suficiente para corrigir as enormes disparidades estruturais e financeiras que vivenciamos hoje como resultado desse período de exploração e hiato sem nossos bens.

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