Home EditorialArtigos Novas aquisições da Pinacoteca de São Paulo refletem movimentos mundiais de inclusão

Novas aquisições da Pinacoteca de São Paulo refletem movimentos mundiais de inclusão

por Giovana Nacca
Alice Yura, Foto Yura I, 2022 – Obra adquirida pela Pinacoteca de São Paulo em 2023

Em sintonia com o contexto contemporâneo, onde a urgência pela inclusão e diversidade ressoa intensamente, a Pinacoteca de São Paulo revela com entusiasmo suas mais recentes aquisições. Diante da lista anunciada, vemos um mosaico de vozes artísticas, que abraçam nomes fortes de fora do eixo Rio-São Paulo, além de negros, indígenas e LGBTQIAP+, como Afonso Pimenta, Alice Yura, Arissana Pataxó, Rafael Bqueer e Nilda Neves, para citar alguns. Estas incorporações ao acervo são sintomas de um movimento global crescente na última década, que busca redefinir as narrativas artísticas.

Em dezembro de 2013, a Academia de Belas Artes da Pensilvânia agitou o circuito de arte e dividiu opiniões ao anunciar uma radical decisão: a venda de uma pintura de US$ 40 milhões de Edward Hopper em leilão. O objetivo era criar um fundo de aquisição destinado à diversificar o acervo, focando especialmente em incorporar mais obras de artistas mulheres e negros. A decisão, embora não tenha sido unanimemente aclamada, marcou o ponto inicial de uma onda de transformações que se propagou por museus renomados ao redor do mundo.

Em 2018, o Museu de Arte de Baltimore abriu mão de obras de artistas brancos do pós-guerra, incluindo Andy Warhol e Robert Rauschenberg, para comprar obras de artistas como Lynette Yiadom-Boakye, Isaac Julien e Wangechi Mutu. No ano seguinte, o Museu de Arte Moderna de São Francisco também negociou  uma obra de Mark Rothko para financiar aquisições que pluralizassem sua coleção. Vale dizer que, nesse processo, a intenção nunca foi direcionar-se especificamente contra artistas brancos do sexo masculino, mas na prática isso se deu desta maneira devido a redundância destas coleções e do preconceito institucional que perdurou por décadas.

A cada dia, o movimento impulsionado pela sociedade, artistas e curadores, que exigem com urgência uma maior representatividade, ganha força. Em exemplos recentes deste ano, podemos destacar o Museu Americano de História Natural, em Nova York, que reabriu seu Northwest Coast Hall em colaboração com 10 comunidades indígenas, além da National Portrait Gallery, em Londres, que renovou tanto seu espaço físico quanto sua coleção, aumentando significativamente a representação de mulheres e comunidades étnicas minoritárias.

No cenário brasileiro não é diferente. O Museu Nacional, após o trágico incêndio em 2018, fez da circunstância uma oportunidade para reavaliar sua coleção etnográfica. Anteriormente, essa coleção abrigava uma variedade de objetos coletados por viajantes europeus nos séculos 19 e 20, cujo olhar ocidental frequentemente falhava em compreender a verdadeira finalidade e significado desses artefatos. Em um esforço de ampliar o diálogo e promover uma abordagem mais inclusiva, o museu iniciou um processo de envolvimento direto com povos indígenas, convidando-os a participar ativamente das discussões e tomadas de decisão sobre o acervo.

Quando Adriano Pedrosa assumiu o cargo como diretor artístico do MASP, em 2014, ele trouxe consigo um programa centrado em diferentes “histórias”. O intuito era – e ainda é – justamente amplificar as narrativas da História da Arte abordadas na instituição, dando voz para artistas que não se encaixam no tradicional padrão branco-europeu-heteronormativo. Como marco desta mudança, o museu inaugurou a coletiva “Histórias Afro-Atlânticas” em 2018, seguida de outras como  “Histórias das Mulheres”, “Histórias Brasileiras” e “Histórias Indígenas” nos anos subsequentes – todas elas acompanhadas, também, de uma transformação do acervo do museu.

Pinturas de Daiara Tukano (ao fundo) e desenhos do Pajé Gabriel Gentil Tukano (na vitrine, à frente) na exposição “Véxoa: Nós sabemos”. Foto: Levi-Fanan

Desde 2018, quando a exposição “Mulheres Radicais: arte latino-americana, 1960-1985” marcou a história do circuito de arte no Brasil, a Pinacoteca vem intensificando esforços para preencher as lacunas sociais de sua coleção. Entre 2019 e 2020, o museu que ainda não tinha nenhuma obra de autoria indígena, a partir dos diálogos frutíferos com a pesquisadora Naine Terena, responsável pela curadoria de “Véxoa: Nós Sabemos”, passou a adquirir suas primeiras peças. Hoje, em um curto período de três anos, o acervo já conta 40 obras de artistas indígenas. Em seguida, a inauguração da “Enciclopédia Negra”, em 2021, solidificou o compromisso da Pina com a ampliação também do número de artistas negros no museu.

Entretanto, é importante frisar que o museu não apenas amplia seu acervo numericamente, mas reconfigura suas narrativas rompendo com as rotulagens limitantes que separavam o “erudito” do “popular”.  “Se você for hoje na exposição do acervo da Pinacoteca fica muito claro que a gente abandonou essas ideias de categorização”, analisa Jochen Volz, diretor geral da Pinacoteca de São Paulo.

Diferentemente dos acervos privados, a Pinacoteca, por ser uma coleção pública, enfrenta restrições legais quanto à venda de seu patrimônio. Nesse sentido, seu Programa de Patronos, que hoje conta com cerca de 100 colaboradores, torna-se essencial para sustentar suas iniciativas de expansão.

Aniversario de 6 anos da Renatinha, de 1987, Retratistas do Morro, GDA - Galeria de Artistas
Afonso Pimenta, Aniversario de 6 anos da Renatinha, 1987 – Obra adquirida pela Pinacoteca de São Paulo em 2023

Parafraseando Edson Kayapó, quando ele refletia sobre “Histórias Indígenas”, é imperativo reconhecer que o movimento de ocupação de espaços institucionais por vozes anteriormente marginalizadas é irreversível. Sendo assim, é essencial que os museus liderem esta mobilização, para, quem sabe, termos uma mudança mais consistente também no mercado e nas coleções privadas. Como observa Volz, se a Pinacoteca se propõe a ser um museu de arte brasileira, assim como outras grandes instituições de arte da região sudeste, é intrínseco a necessidade de uma descentralização, que estenda pesquisas curatoriais por todo território nacional para promover uma representação genuína e abrangente das produções artísticas das diferentes regiões do país.

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