A natureza circular e fragmentada da obra de Paulo Nazareth impossibilitaram que as curadoras Diane Lima e Fernanda Brenner organizassem uma retrospectiva do artista mineiro no Pivô. Em vez disso, resolveram empreender estas características para conceber a panorâmica VUADORA, maior exposição individual já realizada pelo Pivô em quase 10 anos de existência, inaugurada no próximo sábado, 26.3. O nome vem de uma série de pinturas de 2019, na qual ele retrata, com cores quentes e estética minimalista, conflitos entre a população negra e a polícia.
Ocupando dois andares do instituto no Copan, a mostra utiliza-se da arquitetura do espaço e da expografia para evocar caminhos e histórias compartilhadas —o que é simbólico no caso desse artista que ganhou projeção em 2011 quando rumou a pé e de ônibus aos EUA para participar da Art Basel Miami.
A documentação dessa peregrinação, que enfatizava os encontros pelo caminho, resultou na série Notícias de América, presente na exposição. Em fotos segurando cartazes como “My image of exotic man for sale” (Minha imagem de homem exótico à venda, em tradução livre), ele traz à tona temas sempre presentes em seu trabalho — de forma mais ou menos evidente — como, por exemplo, raça e racismo, explorados por meio de suas raízes africanas e indígenas, desigualdade, relações de poder, e a recusa ou a subversão de estruturas pré-determinadas e dominantes.
Na série Produtos do genocídio ele também joga com a linguagem para mostrar como a palavra pode ser opressora. Nela, escolhe produtos variados cujos títulos remetem à cultura brasileira ou afro-indígena: Baianinha, Mulata, Criolo e Cuca são algumas delas.
“Seus trabalhos são, ao mesmo tempo, um conjunto de fatos, histórias e personagens à margem do cânone histórico e uma manifestação do conhecimento afro-indígena na arte contemporânea brasileira”, escrevem as curadoras no folder da mostra.
Para dar conta dessa obra “em processo constante de elaboração”, Lima e Brenner criaram hashtags que acompanham as legendas expandidas e que retomam, ao mesmo tempo em que expandem, o léxico do artista.
Estarão lá seu primeiro e último trabalho, mas sem a obrigação de serem apresentados em ordem cronológica. O primeiro data de 1987. O último é um trabalho comissionado pela galeria e desenvolvido a partir de O Presidente Negro, livro de Monteiro Lobato — uma das intervenções do artista (ele realizou duas) consistiu em fazer desenhos críticos em cima das páginas durante a leitura. A sua vinda de Palmital (MG), onde mora, até São Paulo numa Brasília amarela (que ficará estacionada na porta da galeria) resultou num doc road-movie, outro trabalho recente que será exibido pela galeria.
A relação do artista com Mestre Orlando, prolífico escultor de carrancas baiano e mentor de Nazareth, foi trazida para o centro da roda e está presente, por exemplo, nos bancos lúdicos de madeira pintados em formas de animais e que nunca tinham saído de Palmital antes.
Numa pequena sala do segundo andar, visitantes poderão deitar-se no chão para assistir uma curadoria de 15 vídeos, além de poderem conferir outros trabalhos em vídeo distribuídos pelos andares, como L’Arbre D’Oublier (Árvore do Esquecimento), 2012-2013. Conta-se que, no Benin, durante a escravidão, africanos eram obrigados a circular várias vezes um Baobá, conhecida como árvore do esquecimento, para desaprender o caminho de casa. No ritual de Nazareth, ele dá voltas de costas em árvores do Brasil e África num esforço de recuperar as memórias perdidas.
Algumas instalações serão ativadas (dias e horários a definir). Na alfaiataria, poderão ser realizadas trocas simbólicas e monetárias entre peças de roupa. O Buraux de Langue, 2013-2022, é algo como uma aula de idiomas entre pessoas que não falam a mesma língua. O resultado desses encontros, fotos, escritos, dicionários, seguem a instalação quando esta é remontada.
Já a instalação 49 + 1 medalhas, 2019-2022 é cercada de uma cortina vermelha que pende do teto e apresenta medalhas de bronze com os nomes de personalidades mal representadas historicamente em cima de palanques dispostos em círculo. Neste ato de reconhecimento póstumo, Nazareth, mais uma vez, ilumina caminhos passados e futuros.
VUADORA
Data: 26 de março a 17 de julho de 2022
Local: Pivô
Endereço: Edifício Copan, loja 54
Avenida Ipiranga, 200 – República
Funcionamento: de quarta a domingo, das 13h às 19h
Ingresso: grátis