Home EditorialArtigos Olimpíadas: sete obras de arte para conhecer e refletir sobre esportes

Olimpíadas: sete obras de arte para conhecer e refletir sobre esportes

por Giovana Nacca

O que vale mais do que ouro em uma competição global multiesportiva? Nas últimas semanas, Paris tem sido o epicentro mundial do esporte desde a inauguração das Olimpíadas 2024, que abriga as delegações de 204 países. Muito além do mero entretenimento, as Olimpíadas são um grande palco mundial para complexas discussões políticas e sociais. A exemplo disso, vemos a Rússia banida do evento devido ao seu ataque à Ucrânia, assim como houve uma grande comoção pública exigindo o mesmo à Israel em resposta ao extermínio na Palestina. 

A hegemonia do evento e as grandes barreiras para determinados grupos sociais também é outro tema que se evidencia durante as competições, à medida que incentivos estruturais, financeiros e culturais de cada país são contrastados. São nesses momentos em que percebemos que os degraus do pódio, para alguns atletas, são bem mais altos do que para outros. Por vezes, mais do que degraus, são obstáculos. Quando a primeira medalha de ouro do Brasil é conquistada por Beatriz Souza, uma mulher negra e gorda no judô, e a segunda por Rebeca Andrade, também uma mulher negra na ginástica artística e a maior medalhista olímpica do país, no pódio sobem muito mais do que apenas essas duas atletas. Junto a elas, sobem multidões de brasileiros e brasileiras que passam a enxergar possibilidades. 

Em uma edição em que o “país do futebol” não conseguiu classificar a seleção masculina do esporte na competição, a esperança é que passemos a valorizar as outras tantas modalidades em que o Brasil também pode se destacar, não apenas de quatro em quatro anos, mas principalmente no decorrer deles.

Pensando em tudo isso, selecionamos algumas obras de artistas contemporâneos que entendem os esportes como pretexto para discutir questões de sociabilidade e integração, representatividade social, tensões psicológicas, e mais.

Sasha Gordon | Estados Unidos

Sasha Gordon, Sore Loser, 2021

Frequentemente inspirada em sua própria imagem, Sasha Gordon usa seu particular estilo de figurativismo colorido para criar pinturas que abordam criticamente questões relacionadas à padrões estéticos, preconceito racial e relacionamentos interpessoais, com originalidade e humor.

Em “Sore Loser” [Má perdedora], a artista estabelece uma analogia à sua auto aversão e estado psicológico emocionalmente carregado, construindo um embate entre duas versões de si mesma. Enquanto sua sósia da esquerda salta, com expressão raivosa estampada no rosto, e arremessa uma bola de tênis em direção à oponente, a da direita, abatida no chão, transparece o desconforto da aceitação do fracasso. 

Jonathas de Andrade | Brasil 

Quando Jonathas de Andrade chegou em Paris, no final de julho de 2023, para fazer uma residência artística, foi recebido pelas marcas visíveis de uma cidade em tumulto. Carcaças de ônibus e bondes queimados, janelas e móveis de rua quebrados testemunhavam a onda de protestos desencadeada pela morte de Naël, um jovem periférico de apenas 17 anos, baleado injustificavelmente pela polícia. Lá, Andrade sentiu as tensões entre o centro e a periferia da cidade, muito além das imagens turísticas que normalmente influenciam nosso imaginário.

A partir desse contexto, nasce o projeto “Le Syndicat des Olympiades” [O Sindicato das Olimpíadas] – atualmente em cartaz na La Galerie, centro de arte contemporânea de Noisy-le-Sec –, que aborda as repercussões arquitetônicas, sociais e culturais impostas pelas Olimpíadas de Paris na realidade cotidiana dos habitantes locais, especialmente na dos moradores de Noisy-le-Sec, uma periferia com ampla variedade de associações esportivas.

A pesquisa de Andrade resultou em obras de diferentes formatos, retratando não apenas atletas, mas também pessoas comuns que praticam esportes como hobby. Dentre essas peças, uma maquete, feita em colaboração com as arquitetas gregas Iliana Skaragkou e Tatiana Zoumpoulaki, propõe transformar um estádio olímpico em moradia popular.

No conjunto de retratos impressos em pequenos formatos e agrupados em páginas, – remetendo aos álbuns de figurinhas, culturalmente populares durante grandes campeonatos esportivos –, destacam-se as imagens de jovens muçulmanas do movimento Basket pour Toutes [Basquete para Todas], que jogam basquete usando véu, enfrentando a proibição na França. 

O vídeo “Joie Musculaire” [Prazer Muscular] – apresentado a partir de 08 de agosto na galeria Nara Roesler, em São Paulo – dá foco para a dimensão psicológica dos personagens atletas, refletidos na tensão muscular, e propõe a passagem não-oficial da tocha olímpica pelas mãos dos moradores de Noisy-le-Sec, iluminando suas histórias e vivências que ficam à sombra dos holofotes turísticos. “O fogo é um forte símbolo de resistência, de uma chama que não pode ser extinta, além de ser um símbolo de protesto coletivo. Imediatamente imaginei passar uma tocha por uma periferia onde o brilho olímpico parece não chegar. Para mim, fazer uma convocação aberta para pessoas comuns, e não para atletas profissionais, seria um meio de todos tocarem uma tocha não oficial e clandestina. (…) Talvez o perigo real seja a grande pólvora social de estar na terra dos excluídos. Eu não tinha ideia (…) do quanto o fogo em si é traumático e estigmatizante nas periferias,” reflete Andrade.

Mie Olise Kjærgaard | Dinamarca

Mie Olise Kjærgaard, Four in a Row, 2023

A produção artística de mais de quinze anos de Mie Olise Kjærgaard é conhecida por pinturas que reivindicam a representação feminina, associando-a a imagens de empoderamento e dinamismo. Por meio da grande escala, a artista enfatiza a imponência e grandiosidade das temáticas aos olhos do público. Em “Four in a Row” [Quatro em sequência], com um tratamento expressivo e gestual, a artista captura a energia e a determinação de quatro esportistas saltando obstáculos.

Raphaël Zarka | França

Especialmente para as Olimpíadas de Paris, o artista francês e autor de três ensaios sobre formas e espaços do skate, projetou a instalação “Cycloïd Piazza” [Praça Cicloide] em parceria com o arquiteto Jean-Benoît Vétillard para a praça externa do Centre Pompidou. Sendo uma obra pública, aberta à interação, o trabalho entende o esporte como um modelo relacional popular, enquanto discute questões formais da abstração geométrica. 

Anna Park | Coreia do Sul

Ana Park, Sean and Brenda, 2019

Nascida na Coreia do Sul e radicada em Nova York, Anna Park se inspira no cotidiano de um mundo que está constantemente em movimento. Utilizando o carvão como meio principal para seus desenhos, suas obras congelam a dramaticidade de um instante. 

Em 2019, ela cria uma série de retratos de tenistas. No entanto, mais do que as performances atléticas, nesta série Park está interessada nas emoções humanas que ficam à flor da pele e se acentuam na linguagem corporal. No díptico “Sean and Brenda” [Sean e Brenda], a artista se concentra nos rostos dos atletas que se deformam em caricaturas. Embora o corpo inteiro dos retratados não esteja visível e nos faltem detalhes sobre o andamento da partida, as expressões faciais revelam a tensão do momento pressionado pelas expectativas da competição.

Paulo Nazareth | Brasil

Obra Corte Seco de Paulo Nazareth na 34ª Bienal de Sao Paulo. 05/11/2021 © Levi Fanan / Fundacao Bienal de Sao Paulo

Comissionada para a 34ª Bienal de São Paulo, a obra “Dry Cut” [Corte Seco] consiste em uma série de esculturas em grande escala que representam e celebram figuras afro-americanas de grande relevância na história da luta e resistência racial, como Rosa Parks, Ruby Bridges e Martin Luther King Jr. Em uma dessas peças, o artista revisita uma imagem inesquecível dos Jogos Olímpicos de Verão de 1968, no México, onde Tommie Smith e John Carlos, no topo do pódio, durante a apresentação do hino nacional dos Estados Unidos, ergueram os punhos cerrados em uma saudação Black Power, após vencerem, respectivamente, as medalhas de ouro e bronze nos 200 metros rasos.

Thenjiwe Niki Nkosi | África do Sul

Nascida nos Estados Unidos em uma família sul-africana, Thenjiwe Niki Nkosi retornou com seus pais para a África do Sul no fim do regime do apartheid. Desde então, ela tem se dedicado a usar a arte como ferramenta para subverter as estruturas que definem a visibilidade e as representações raciais hegemônicas.

Por meio de suas telas da série “Gymnasium” [Ginásio], Nkosi busca dar protagonismo às ginastas negras, que ao longo da história de um esporte tradicionalmente dominado por brancos, superaram diversas barreiras estruturais, quebraram recordes e se destacaram mundialmente em nome de seus países.

Mais do que os pontos altos das apresentações profissionais das atletas, Nkosi destaca os momentos que as antecedem e sucedem. Suas composições planas e de poucos detalhes variam entre representações fluidamente compostas de ginastas e juízes, até espaços desocupados que beiram a abstração arquitetônica. Desviando o foco do sucesso ou da derrota nas competições, a artista se concentra em retratar os bastidores e a interação entre as atletas, destacando o companheirismo e o apoio mútuo dentro das equipes.

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