“O Museu”: Nova série do Star+ ironiza o circuito de arte contemporânea

Com muita irreverência, a comédia desvela questões controversas dos bastidores dos museus e os embates entre conservadorismo versus militâncias frágeis

Tempo de leitura estimado: 4 minutos
Still de O Museu

O Museu – ou Bellas Artes na versão original argentina –, é uma série de apenas seis episódios que acompanha Antonio Dumas (Oscar Martínez) enquanto ele assume a direção de um importante museu moderno em Madrid e enfrenta os consequentes desafios, como questões burocráticas, reivindicações sindicais, propostas curatoriais megalomaníacas e pressões políticas. Recém-lançada no Star+ e na Apple TV, a comédia é dirigida pela dupla de grande ascensão atual Mariano Cohn e Gastón Duprat, além de Andrés Duprat, diretor do Museu Nacional de Belas Artes da Argentina, que agrega sua experiência para o roteiro.

Assim como nas séries Nada e Meu Querido Zelador, também produzidas por Mariano e Gastón, O Museu é protagonizada por um senhor idiossincrático e isolado, que responde a todos sempre com muito cinismo – características que tornam os personagens curiosamente carismáticos, fazendo com que, mesmo em seus erros, nos peguemos nos divertindo com suas peculiaridades. A trama, regada de muita ironia, se dá no embate entre Dumas, o veterano que possui mais de “meio século de experiência” em artes – como ele mesmo se apresenta –, e as novas gerações militantes que valorizam a diversidade e reparações históricas.

Still de O Museu

Mas o confronto revela muitas contradições de ambas as partes. Por um lado, todo progressismo abordado é bastante raso, seja pelas fracas argumentações ou pelo pouco protagonismo desses personagens. A exemplo disso, logo nas primeiras cenas, durante o processo seletivo para a direção do museu, as vanguardistas candidatas à vaga vêm com respostas prontas e panfletárias, e são vencidas pelo conservador que se recusou a realizar qualquer uma das atividades propostas para avaliação. 

Por outro lado, os posicionamentos de Dumas, são igualmente insuficientes. Quando uma escultura em homenagem à um escritor passa por uma série de vandalismos em protesto contra o passado misógino do representado, além de não conseguir elaborar nenhuma solução prática para evitar novos ataques e a destruição da obra, ele desconsidera o poder das imagens afirmando que esses “ignorantes” não percebem que estão atacando apenas o objeto e não a figura que ele representa. Mas o argumento não se sustenta, ainda mais vindo de um perito em arte, que deveria saber que um monumento posicionado na entrada de um museu invariavelmente sempre será um ode a pessoa retratada. Ele mesmo, quando explica para seu neto o que é arte contemporânea, admite que até um monte de lixo adquire significados simbólicos para além dos sentidos usuais e cotidianos quando está dentro do contexto museológico. 

Outra contradição interessante de se notar, é que Dumas define essas manifestações feministas como “loucura” e “um horror” por pretenderem “regular não apenas o presente com um único pensamento e uma moral puritana, mas também o passado”. Seguindo essa lógica, podemos dizer que, enquanto os jovens rejeitam o pregresso e seus valores, Antonio Dumas rejeita o contemporâneo. Uma amostra clara disso é sua reação quando seu neto picha uma obra de arte contemporânea, integrando-a em seu desenho como excremento de um cachorro. Embora ele se enfureça com os vandalismos contra a escultura histórica, quando a mesma situação acontece com uma obra da atualidade, no fundo, ele se diverte e até sente uma espécie de orgulho do neto.

Still de O Museu

Não é preciso procurar muito sobre Andrés Duprat para perceber as semelhanças entre ele e Antonio Dumas. No início da ficção, o personagem declara que o museu deve ser “um grande fórum de discussão social”, mas suas ações subsequentes não promovem nem valorizam essas tais discussões na instituição. Duprat também apresenta essa dualidade em suas afirmações. Em uma entrevista, ele diz: “Qualquer renovação de pensamento me parece boa”, mas logo em seguida contraria essa ideia, alegando: “Corrigir o passado me parece uma operação muito desonesta, é como mentir no currículo. O reconhecimento deve ser a partir de agora.”

Dentre os pontos positivos da série, além de todas essas questões e contrassensos que rendem bons panos para manga, está o fato dela trazer os bastidores de uma grande instituição cultural (ainda que fictícia) para o contexto popular. Sem romantizar ou reverenciar o museu como uma espécie de lugar sagrado e irrefutável, a produção revela um ambiente geralmente distante do conhecimento público em uma série pouco nichada e de humor. 

Still de O Museu

No entanto, ela tropeça ao vender um clichê perigoso sobre artistas e seus trabalhos, destacando personagens bastante caricatos que sugerem que a arte contemporânea é sempre um grande truque. É claro que várias dessas figuras estereotipadas existem no mundo real – e muito –, mas não representam a totalidade, nem sequer a maioria.

A direção também trata com pouca sensibilidade a trama envolvendo o coletivo de supostos artistas senegaleses que busca refúgio na Espanha. Quando o curador descobre as verdadeiras intenções do grupo, esses indivíduos são retratados apenas como oportunistas. Em cenas humilhantes, onde os diálogos sempre giram em torno de comida e a família implora de joelhos para permanecer no país, a comédia reforça estigmas negativos de grupos já vulneráveis. Assim como em todos os outros cinco episódios, a direção não está interessada em um impacto responsável na opinião pública, e opta por negligenciar a complexidade e seriedade do tema da imigração apenas em nome da piada.

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