Será que já é possível analisar novos caminhos para a arte desde que se iniciou a pandemia? É difícil tirar conclusões enquanto vivenciamos os acontecimentos, mas fato é que o mundo mudou. Por isso, convidamos diferentes profissionais do circuito artístico para responder quais impactos já podemos perceber na produção e na aderência do mercado nacional.
Temáticas das obras
Cada artista tem suas pesquisas poéticas próprias, mas precisam equilibrar seus interesses com as demandas do mercado e do contexto em que vivem. Thomaz Pacheco, galerista da OMA e fundador da plataforma de marketplace, NANO Art Market, explica que do seu ponto de vista houve um grande impacto nas narrativas apresentadas, uma crescente da temática a respeito da solidão e necessidade da relação humana. Florencia Azcune, consultora de arte da KURA, concorda com essas afirmações e ainda ressalta a ascensão do retorno da linguagem figurativa que, segundo ela, também é um desdobramento do desejo do artista em retratar os encontros com as pessoas e o cotidiano que foi interrompido.
Outro assunto que se avolumou foi o de caráter político, que pode até não ter uma ligação direta com a situação pandêmica, mas certamente foi acentuada por ela. O artista de mídias digitais, Gustavo Von Ha, acrescenta: “Acho que a internet se mostrou um campo de batalha política poderoso”. Entretanto, alguns galeristas alegam que o consumo não tem acompanhado essa produção. Uma razão para isso, pode ser também porque, paralelamente a tudo isso, houve uma maior procura por obras de tratamentos coloridos e temáticas que trouxessem um certo conforto emocional.
Relações imagéticas e/ou digitais com a arte
Nesses últimos anos experimentamos a arte majoritariamente por meio de suas reproduções, seja pela divulgação nas redes sociais ou pelas exposições onlines. E claro, as novidades que os NFTs trouxeram com a tecnologia de blockchain e a garantia da aplicação da Lei de Sequência para os artistas, somadas à impossibilidade do encontro presencial, sem dúvidas resultaram num estímulo para as obras digitais.
Alguns trabalhos, mesmo não tendo sido criados para esses formatos virtuais, sobrevivem bem – é o caso, por exemplo, da obra Tudo Passa do artista Mano Penalva, que foi amplamente compartilhada nas redes sociais durante o período, e assim, recebeu novas camadas de interpretação – mas outros, não. “É importante termos o cuidado de perceber até que ponto a arte coincide com a imagem e até que ponto é preciso reivindicar outro tipo de experiência que não se traduz numa reprodução fotográfica ou nessas plataformas digitais”, nos atenta a curadora, crítica e pesquisadora cultural, Pollyana Quintella.
Von Ha, trabalha com essas mídias há muitos anos, mas na pandemia seu trabalho teve uma popularização eminente, sobretudo no Instagram. Enquanto as instituições reproduziam, o artista buscou usar a própria internet para criar experiências artísticas: ele fez conteúdos diários na plataforma de modo que seus stories fossem, segundo ele, uma espécie de vídeo-arte.
A imagem em si foi muito estimulada e consumida, dessa maneira, o consumo da arte digital e da pintura passam por um caminho em comum: as telas (canvas ou digitais).
Praticamente todos os entrevistados afirmam ter percebido um boom no retorno da pintura. Eles concordam que, tendo os consumidores passado mais tempo isolados, notou-se mais o próprio espaço, gerando então, uma procura maior por trabalhos que pudessem estar em casa – não necessariamente trabalhos decorativos, mas muitas vezes, obras que viessem a cumprir esse papel e dessem um novo ar para o ambiente.
Podemos entender então que o tempo excessivo que passamos com o universo digital e suas possibilidades de criação, de alguma maneira, podem ter impulsionado a carência do contato físico intermediado por técnicas do “fazer manual”- como, além da pintura, a cerâmica e bordado, que estão fortemente presentes em eventos pelo mundo todo incluindo a Bienal de Veneza e as novas feiras de arte do Brasil.
Isolamento em ateliês, mercado e desigualdade social
No auge da pandemia, se isolar foi uma necessidade, mas também um privilégio, sobretudo para trabalhadores informais – sem registro. Quintella, nos chamou atenção sobre como as circunstâncias escancararam as condições de trabalho dos artistas. “As desigualdades pautam o circuito artístico com muita intensidade.” ela certifica.
E ao contrário do que se pode imaginar, os entrevistados não afirmaram perceber mudanças significativas na decisão de compra por questões monetárias. Thomaz Pacheco ainda acrescenta: “O que aconteceu foi uma dicotomia, enquanto a sociedade passava pelo momento mais restrito da pandemia, houve um aquecimento do mercado de luxo”. Vimos o número de bilionários crescer no país nos últimos dois anos, e assim os grandes colecionadores e aqueles que veem a arte como um investimento ou até como especulação aqueceram as vendas de obras.
No início do período cresceu o debate sobre a valorização das diferentes produções criativas, entre filmes, músicas, livros, entre outros, que nos acolheram e trouxeram um pouco de sanidade num momento de tanto distanciamento humano. O mercado nacional também foi particularmente aquecido devido às dificuldades de importação de obras, tanto pela moeda que foi desvalorizada como pelos altos custos de frete. A maioria dos entrevistados, de diferentes posições da área, perceberam essa crescente de vendas e atribuem todos esses fatos apresentados como uma justificativa para tal.
Mas, para os artistas há sempre muita instabilidade e insegurança para o futuro. Mano Penalva lembra: “Houve um momento que a gente não sabia se o mundo ia continuar, mas os boletos estavam ali e continuam ainda”, ele brinca.
Portanto, entende-se que muitos fatores tiveram uma crescente: a produção, o consumo e o poder aquisitivo de uma pequena parcela da população.