Após cinco anos desde o início do projeto, e o adiamento da abertura que era prevista para 2024, a construção do novo anexo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) finalmente entra em reta final. As expectativas para a expansão de um dos acervos mais relevantes do sul global são altas. Hoje, quem passa em frente ao espaço que será nomeado Pietro Maria Bardi, em homenagem ao primeiro diretor artístico do museu, lê a placa que anuncia: “um museu para o futuro”. Mas diante da atual crise climática, das desigualdades sociais gritantes, questionamos: para qual futuro este museu se projeta e para quem?
A RELAÇÃO COM O PROJETO DE LINA BO BARDI
Nas palavras dos diretores, o projeto visa a complementaridade. Por meio de uma passagem subterrânea, sob a rua Professor Otávio Mendes, o novo prédio estará conectado com o atual cartão postal do museu, que agora passa a ser oficialmente chamado de Lina Bo Bardi, em tributo à visionária arquiteta que o projetou. Apesar de sua arquitetura verticalizada, com 14 andares, o edifício Pietro tem sua fachada completamente preta e não possui grandes detalhes visuais expressivos, o que mantém todo o protagonismo para o de Lina.
O projeto é assinado em coautoria por Júlio Neves, arquiteto e presidente do MASP entre 1995 e 2009, e o escritório METRO Arquitetos Associados, liderado por Martin Corullon e Gustavo Cedroni, cuja colaboração com o museu já rendeu iniciativas importantes, como a reinstalação técnica dos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi em 2016. Sob a liderança de Miriam Elwing, gerente de projetos e arquitetura do MASP, a execução está sendo realizada com o apoio da Tallento, no gerenciamento, e da Racional, responsável pela pré-construção e pelas obras de expansão.
A MAIOR OPERAÇÃO DE FILANTROPIA DO BRASIL
O MASP segue uma tradição inspirada no sistema estadunidense, que o moldou desde sua criação em 1947. Naquele contexto, os Estados Unidos, buscando ampliar sua influência cultural, incentivaram o surgimento de instituições privadas de arte no Brasil, tomando como referência o MoMA de Nova York, fundado em 1929. Agora, décadas depois, o museu reafirma esse modelo com a construção do edifício Pietro, financiado inteiramente por doações privadas — um feito histórico que arrecadou o equivalente a 250 milhões de reais.
O que surpreende é a sustentabilidade financeira do projeto. Diferentemente de momentos de crise enfrentados no passado, o MASP assegura que a expansão não arrastará dívidas e nem comprometerá a programação ou a bilheteria. A gestão do museu garante que a política de gratuidade – hoje responsável por atrair 57% dos visitantes – será mantida e que o bilhete dará acesso aos dois prédios.
POR QUE EXPANDIR?
Hoje o MASP tem um acervo abrangente e relevante na cena mundial, contando com mais de 11 mil peças. Mas apenas cerca de 1% desta coleção é exposta atualmente. A ideia, então, é que a extensão do espaço reverta esse cenário e permita que um maior número de obras esteja acessível ao público, visto que a capacidade expositiva do museu aumentará em 66%. Incluindo cinco galerias expositivas e outros espaços como restaurante, laboratório de restauro e salas multiuso, o Pietro vem com a promessa de transformar o potencial do MASP.
O prédio construído será mais adequado para o intercâmbio de obras, tendo duas docas – espaços inexistentes no museu atual. Nesse sentido, o projeto objetiva que o 2º andar e o 2º subsolo do edifício Lina sejam dedicados às exposições de longa duração com obras da coleção do museu, enquanto as novas galerias do Pietro sejam ocupadas por exposições temporárias, aumentando a programação anual – mas as cinco exposições inaugurais serão realizadas a partir de obras da coleção.
VÃO LIVRE E OS ACESSOS DA COMUNIDADE
Neste mês o MASP também recebeu a concessão do vão-livre, um espaço de forte simbologia político-social, palco de diversas manifestações públicas e da popular Feira de Antiguidades – que desde abril de 2024 tem acontecido no Parque Mario Covas e não deve retornar ao espaço museológico. Até então, o museu detinha apenas parte do espaço, onde se encontra a bilheteria e guarda-volumes. O vão também tem como forte característica o fato de ser um espaço de passagem, próximo à saída do metrô e na avenida mais famosa de São Paulo, o que requer pensar significativamente no amplo acesso do museu. O desafio agora será equilibrar a revitalização do espaço com a preservação de sua essência como praça aberta à comunidade e à pluralidade cultural, como idealizado por Lina Bo Bardi.
Os gestores prometem privilegiar ainda mais a integração com a cidade, propondo programações gratuitas, inclusive de atividades que já aconteceram no passado e foram descontinuadas, como música e cinema, além de melhorias na segurança e zeladoria, incluindo a instalação de mobiliário, wi-fi e iluminação.
SUSTENTABILIDADE E OS PARADOXOS DO “FUTURO”
Uma das qualidades mais características da construção é o revestimento em chapas metálicas perfuradas, que nos permite enxergar a vista panorâmica da avenida Paulista, mas “peneirada”, de forma que não ofusque o que é exibido internamente. A solução foi apresentada como uma das iniciativas sustentáveis da instituição, por controlar a incidência de luz natural, reduzir o aquecimento interno e, consequentemente, aliviar o sistema de climatização. Outras iniciativas citadas nesse sentido foram a conquista da certificação LEED e o reaproveitamento das estruturas preexistentes no local – como as fundações do edifício Dumont-Adams, projetado e construído na década de 1950 –, que resultou numa baixa pegada de carbono.
Embora louváveis, essas ações são focadas somente na redução de danos e muito pequenas diante da escala das urgências climáticas atuais. Dado seu porte e relevância cultural, esperava-se que o MASP pudesse liderar um movimento mais ousado, minimamente sendo autônomo na geração de energia, reaproveitamento de águas fluviais ou propondo atividades de reflorestamento. Na coletiva de imprensa, ao ser questionada sobre esses pontos, a gestão alegou falta de espaço para propor recursos realmente eficazes, o que nos faz pensar quais são as prioridades dos objetivos desta expansão.
Essas limitações ficam ainda mais evidentes no contexto do programa previsto para o ano da inauguração, “Histórias da Ecologia”. O tema terá como ponto alto a exposição de Monet, um artista que, embora fundamental para a história da arte, em termos conceituais, parece descolado dos debates mais aprofundados sobre ecologia.