“Eu não conheço um artista visual que não cozinhe bem!”, declarou Rosana Paulino em entrevista para o crítico de gastronomia Josimar Melo no programa Comida é arte – Terroir Brasil , lançado essa semana pelo canal Travel Box Brazil, com direção de Bárbara Cunha e Paulo Caldas.
Comida é arte? Em seu novo programa, o crítico fez essa pergunta quase existencial para uma interessante seleção chefs, vendedores ambulantes ou em mercados populares de comidas típicas, estudiosos, músicos, fotógrafos, artistas e até uma bailarina que faz uma belíssima performance na praia de Boa Viagem, no Recife, no episódio dos frutos do mar. O programa vai ao ar toda sexta-feira, às 20h30 ( com reprises no sábado, às 14h e 6h; na segunda, às 4h30; e na terça, às 8h30) e cada episódio é dedicado a um alimento tipicamente brasileiro.
“Tanto a comida quanto a arte trazem a questão da transmutação”, revela Paulino no episódio sobre o café – a artista usa a tintura do grão para pintar e também questiona como o ciclo do café está diretamente ligado ao sistema escravocrata brasileiro cujas herança pode ser sentida até pelos corpos negros do país. No episódio sobre o açúcar, José Patrício, que até os anos 1990 fabricava o papel onde pintava, explica com o processo de cozimento das matérias primas resultam numa verdadeira alquimia muito semelhante à da culinária! E Josimar ressalta brincando “Os ‘ ingredientes’ dos seus trabalhos são do terroir pernambucano, remetem muito à cultura popular de Recife”. Bozó Bacamarte acredita que a mesma entrega e energia que um artista oferece ao pintar uma tela, está presente no momento em que o chef prepara um prato.
Moisés Patrício, conhecido por produzir uma série de fotografia Aceita? – para a qual ele registra a própria mão diariamente oferecendo objetos de seu cotidiano ou que remetem a algum fato contemporâneo – estrela no episódio dedicado ao Amendoim. “Quero documentar esse entorno e o lugar que estou acessando naquele dia. Minha ideia falar sobre a mão de obra no Brasil por meio da minha própria mão”. Sobre o alimento ele revela: “É um sabor muito familiar para mim, pois no meu terreiro são feitas muitas comidas a partir do amendoim. Está ligado muito à cultura afro-ameríndia brasileira. E esse encontro do negro com o índio está muito presente no meu processo, na minha alimentação e no meu imaginário”. O artista explica, ainda, ele não se interessa apenas pela estética na matéria, mas também por sua composição química e como ela reverbera no universo – visão que poderia surgir no diálogo com um chef!
Na 32ª Bienal de São Paulo, Jorge Menna Barreto apresentou o projeto Restauro, com o qual levantou questões acerca da construção dos hábitos alimentares e sua relação com o ambiente, a paisagem, o clima e a vida na terra. A obra operou como um restaurante durante o periodo da exposição e tinha cardápio que priorizava a diversidade do reino vegetal de origem agroflorestal. O artista é entrevistado por Josimar no episódio do Comida é arte – Terroir Brasil dedicado ao Feijão onde revela que começou a se interessar pela Land Art quando estudava escultura, ainda na década de 1960: “Os artistas faziam intervenções na paisagem e aquilo transformou o meu olhar. É impressionante perceber como a agricultura é a grande transformadora da paisagem na contemporaneidade”. E completa: “O que transforma um objeto em arte não é algo intrínseco a ele, mas sim o olhar que projetamos sobre este objeto ou ação. O alimento é arte, mas a partir de qual momento? Quando ele é cultivado ou quando chega na cozinha? Ou quando ele é cozido ou degustado? A cozinha é certamente a continuação do meu ateliê!” Para o escritor brasileiro Gilberto Freyre, a arte da cozinha é a mais brasileira de todas as artes. E para você? Comida é arte?