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Museus abrem mão de obras-primas para sobreviver ou diversificar seus acervos

Venda de obras de Michelangelo, Warhol, Courbet, Rothko, Pollock, entre outros, geram discussões acaloradas

por Beta Germano
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Red Composition, de Jackson Pollock, no Everson Museum of Art
Red Composition, de Jackson Pollock, no Everson Museum of Art

Imagina chegar no Louvre e não encontrar a Mona Lisa? Ou viajar para Madri e não conseguir ver Guernica no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia? Muitos vão ao Baltimore Museum of Art, por exemplo, para ver a última pintura de Andy Warhol e visitam Royal Academy of Arts para ver a escultura Taddei Tondo, de Michelangelo. E se estes trabalhos fossem vendidos para um colecionador para decorar sua mansão e nunca mais mostrada ao grande público? O destino de muitas obras-primas no mundo inteiro parece incerto e gera uma discussão aclamada no mercado. Explicamos: Diante da crise financeira causada especialmente pela pandemia de coronavírus, museus dos Estados Unidos e do Reino Unido começaram a leiloar ou anunciaram a intenção de vender obras importantes de suas coleções para sobreviver.
Fechados para evitar o contágio da doença que pausou o mundo, muitas instituições sofrem não só com a falta de verba dos ingresso, mas também pela redução de ajuda vindo de eventos e patronos. Além disso, a tensão no mercado fez com que as aplicações financeiras das instituições rendessem menos – pesquisa estimam, por exemplo, que um terço dos museus americanos não vão mais abrir as portas depois da pandemia.

1957-G, do expressionista abstrato Clyfford Still
1957-G, do expressionista abstrato Clyfford Still


A Última Ceia, de Warhol, parte da coleção do museu de Baltimore, tem valor estimado em no mínimo US$ 40 milhões. A escultura Taddei Tondo, de Michelangelo, pode salvar 150 empregos e ajudar a pagar por uma reforma da Royal Academy of Arts – ela vale cerca de £ 100 milhões, ou R$ 743 milhões, segundo o jornal The Art Newspaper. A solução mais imediatista e tentadora parece estar em abrir mão de alguns tesouros, mas qual é o preço cultural deste movimento conhecido como “desaquisição”?

“Museus venderem obras, que são a razão de sua existência, para apoiar suas atividades-fim é de uma enorme perversidade e cria uma situação em que a infraestrutura e os recursos humanos que são responsáveis pela preservação das coleções museológicas, e os objetos de um acervo, se tornam coisas excludentes.”, afirmou Ana Gonçalves Magalhães, diretora do MAC de São Paulo, em reportagem na Folha de São Paulo. Magalhães, que acaba de ver leiloadas obras importantes do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira que estavam sob a guarda do MAC, ressalta que o código de ética do Conselho Internacional dos Museus descreve que a função destas instituições é “conservar a cultura material da humanidade, ajudando na construção da memória coletiva”. Um exemplo polêmico foi a venda da tela Salvator Mundi, de Leonardo Da Vinci, para um suposto intermediário do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman. Dizem as más línguas artsy que o novo proprietário teria pendurado o quadro, um ícone da arte renascentista italiana, dentro de seu iate! A obra deveria ser exposta no Louvre pouco tempo depois. No entanto, nunca mais foi vista.


O caso do Baltimore Museum of Art gerou discussões e farpas para todo lado. Blake Gopnik, o biógrafo de Andy Warhol, afirmou que para o museu “se livrar de grandes obras de grandes artistas é como a biblioteca local expurgar livros de Shakespeare, Darwin e Tolstoi, e esperar que os leitores se saiam bem sem o conhecimento que eles contêm”. Segundo Gopnik, quem comprasse a tela seria envergonhado publicamente e deixaria de ser bem-vindo no mundo da arte. Além do Warhol, o museu havia anunciado, no catálogo da casa de leilão da Sotheby’s, as pinturas 1957-G, do expressionista abstrato Clyfford Still; e 3, do minimalista Brice Marden – venda que pode gerar US$ 65 milhões. No entanto, 23 diretores e mantenedores enviaram uma carta ao procurador-geral do estado de Maryland pedindo uma investigação sobre a “retirada apressada e opaca de três obras icônicas” da coleção.

Lucretia, de Lucas Cranach the Elder
Lucretia, de Lucas Cranach the Elder, está na lista de vendas do Brooklyn Museum


Outro caso bastante discutido é o do Brooklyn Museum já anunciou 12 obras de seu acervo no catálogo da Christie’s – incluindo pinturas de Gustave Courbet, Camille Corot, e Lucas Cranach. O objetivo é estabelecer um fundo de US $ 40 milhões que pode gerar US $ 2 milhões por ano, para pagar pelos cuidados da coleção. Anne Pasternak, diretora do museu, afirmou que o museu está sendo “conservador” em suas estimativas de custo para garantir que o dinheiro vá apenas para cuidados diretos, como limpeza ou transporte de uma obra de arte. O curador italiano Francesco Bonami, em entrevista para o Artnews, é categórico: “Não vejo nada de errado em vender trabalhos que uma instituição considera redundante. Mas antes de um museu decidir vender seus ativos de coleção, ele deve primeiro reduzir outros custos muitas vezes exagerados e talvez cancelar uma expansão inútil, por exemplo. E os recursos arrecadados com as vendas, caso não possam ir diretamente para novas aquisições, devem ao menos ir para um fundo patrimonial para programação, e não para o pagamento de contas de luz”.

I See Red: Target, da artista indígena Jaune Quick-to-See Smith, entrou para a coleção do National Gallery of Art
I See Red: Target, da Jaune Quick-to-See Smith, entrou para a coleção do National Gallery of Art


Há, ainda, outro movimento: muitos museus abrem mão de trabalhos assinados por nomes consagrados para conseguir comprar obras importantes para o acervo naquele momento. Afinal, o mundo muda e os museus devem acompanhar alguns movimentos – apesar de seguir resguardando a história. Em junho deste ano o National Gallery of Art, em Washington, fez uma aquisição importante: I See Red: Target, da artista indígena Jaune Quick-to-See Smith é a primeira obra de um nativo norte-americano a entrar para o acervo do museu nacional. A notícia estourou no mercado trazendo um mix de tristeza e alegria: por um lado, uma barreira foi quebrada, mas é absurdo assimilar o fato do museu não ter feito esse movimento antes. Para reparar esse tipo de ferida, muitos diretores e curadores repensam a quantidade de arte de homens brancos em coleções permanentes. Muitos decidiram que uma ação drástica se faz necessária: a estratégia chamada de “desacesso progressivo” consiste em vender arte de alto valor e colocar os fundos realizados em obras de artistas sub-representados.


Mais uma vez o Baltimore Museum of Art liderou o debate: em 2018 o museu vendeu sete obras com a intenção explícita de “reescrever o cânone do pós-guerra”, como disse o diretor Christopher Bedford. Este ano se comprometeu a gastar fundos de aquisição exclusivamente em arte feminina por um ano. “Em geral, o que ocorre é a venda de obras consideradas redundantes ou de menos importância na coleção para se comprar outras, que são consideradas lacunas ou prioritárias no acervo”, afirma Adriano Pedrosa, diretor-artístico do Masp, à Folha de São Paulo.O Masp e a Pinacoteca de São Paulo ainda não anunciaram nenhuma venda, mas nos últimos anos direcionaram suas energias ( e a dos patronos) para aumentar o número de artistas mulheres e negrxs no seus acervos.

Mark Rothko, Untitled (1960), vendido pelo SFMOMA
Mark Rothko, Untitled (1960), vendido pelo SFMOMA


A venda de uma pintura de Mark Rothko pelo SFMOMA por US$50 milhões, em 2019, por exemplo, permitiu a compra de obras de Kay Sage, Frank Bowling e Mickalene Thomas, entre outros. O historiador de arte Tyler Green, no entanto, defende que nenhuma dessas vendas aborda fundamentalmente as histórias de racismo ou sexismo das instituições. “São tentativas de eliminar um auto-exame mais amplo e profundo”, declara em entrevista para a Apollo Magazine. Mas se o “desacesso progressivo” não dá conta de histórias institucionais problemática…o que daria? Demorou gerações para os museus se estabelecerem a supremacia branca. Ninguém acredita que desfazer esse legado será rápido ou fácil. E muitas vezes são necessárias ações radicais para uma mudança real e mais natural no futuro.

Mickalene Thomas
Mickalene Thomas entrou para a coleção do SFMOMA depois da venda do Mark Rothko


O Everson Museum of Art decidiu vender o seu Red Composition, de Pollock, cuja parte do valor arrecadado será destinado a custear aquisições com foco na diversificação. Previsivelmente, houve críticas – principalmente de homens brancos. Christopher Knight, no LA Times, chamou a decisão de Everson de “imperdoável”. No Wall Street Journal, Terry Teachout, escreveu um artigo com o título “Um museu de arte vende sua alma”, afirmando que Pollock era uma das principais atrações do museu.

Jackson Pollock que pertencia ao MAM RJ
Jackson Pollock que pertencia ao MAM RJ

Pollock, pelo visto, é um constante motivo de discórdia! Fabio Szwarcwald, diretor-executivo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi massivamente criticado quando decidiu vender o Pollock do acervo do museu para ajudar a sustentá-lo. Depois da obra ter “encalhado” no primeiro pregão e ter sido vendida por metade do preço estimado, a atitude revela-se, hoje, milagrosa. Tratava-se da única obra do expressionista abstrato numa coleção latino-americana, mas segundo Szwarcwald, os R$ 47,6 milhões do Pollock salvou o museu que provavelmente estaria fechado sem esta verba.


O museu perdeu cerca de R$ 1,3 milhão durante os 5 meses em que esteve fechado devido à pandemia. No entanto, ao reabrir, o MAM do Rio instaurou a chamada contribuição sugerida: o visitante paga o quanto quiser ou puder para entrar — é possível fazer a visita de graça. A ideia é possibilitar o acesso para quem não pode pagar. Nesse sentido, abrir mão de uma obra de arte parece ser o ato possível no momento mais democrático e sensato para “a construção da memória coletiva”.

Salvator Mundi, de Leonardo Da Vinci
Salvator Mundi, de Leonardo Da Vinci

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