MuBE comemora o centenário de Frans Krajcberg em mostra retrospectiva

O artista, que completaria 100 anos no ano passado, deixou um enorme e legado para a arte contemporânea brasileira além de reflexões sobre a nossa relação com a natureza

por Beta Germano
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A flor do mangue, Frans Krajcberg
A flor do mangue, Frans Krajcberg

Visitar a mostra Frans Krajcberg: por uma arquitetura da natureza dedicada à comemoração dos 100 anos do artista, em cartaz no Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia, é adentrar não só a sua história de vida e carreira, como também tudo aquilo em que ele se inspirou. É compreender a força presente no seu trabalho, os motivos que o fizeram se naturalizar brasileiro e, sobretudo, a sua devoção absoluta à natureza – e à sua defesa. 

Com uma minuciosa curadoria, Diego Matos traçou um percurso cronológico de forma que, no início da mostra, encontramos as pinturas iniciais do artista, seus trabalhos em telas e suas experimentação tridimensionais que culminam em uma verdadeira floresta artística formada pela justaposição de muitas das majestosas esculturas do artista. Passeando por entre elas, sentindo-se pequeno frente a suas alturas, é possível se sentir, de fato, em meio à natureza e compreender, em parte, o que despertou em Krajcberg a paixão pelo natural. Posicionada bem no centro da exposição, está a icônica obra Flor do Mangue, que mede 5 metros de altura, construída a partir do resíduo de árvores do manguezal e que é, para Matos, a epítome do trabalho do artista.

Enormes esculturas de madeira de Frans Krajcberg

Apesar de nos referimos a Krajcberg como um dos maiores artistas brasileiros, a sua história começa muito longe daqui. Ele nasceu na Polônia em 1921 em uma família judia. Não é necessário fazer muitas contas para compreender que ele precisou fugir de seu país natal ainda muito jovem, no fim da década 1930, escapando dos terríveis eventos que teriam levado quase toda a sua família. Refugiando-se na antiga União Soviética, Krajcberg inicia seus estudos na Universidade de Leningrado cursando engenharia e artes. Mais tarde, após o fim da Segunda Guerra Mundial, ele se muda para a Alemanha onde estuda artes na Academia de Belas Artes de Stuttgart. 

Assim, ele inicia sua carreira artística. Longe de seu país natal e sem familiares, o que lhe resta é estabelecer vínculos com a comunidade judaica, é assim que ele se aproxima e se torna amigo de artistas como Marc Chagall, que poderia (não se sabe ao certo) tê-lo ajudado a vir para o Brasil anos mais tarde. Na Europa ele bebe também da influência do nouveau réalisme francês, tornando-se amigo de artistas como Yves Klein e Armand Pierre Fernandez. 

Trabalho tridimensional em tela.

Para Matos, é difícil dizer exatamente os motivos que o trouxeram para cá, mas uma coisa é certa: Frans Krajcberg desembarca no Brasil em 1949, sem muitos contatos, mas com as recomendações de seus amigos europeus. Chegando em São Paulo, ele trabalha na montagem das primeiras edições da Bienal, onde também inscreve seus trabalhos. “Quando ele chega no Brasil, seu trabalho era ainda muito marcado pelas tradições europeias, observada em seus traços e na forma de representar a natureza. Ao chegar aqui, sua obra entra neste embate com a natureza brasileira e inicia um processo de abstração, escapando cada vez mais da figura humana”, explica Matos. 

Nos anos que se seguem, Krajcberg se divide entre variados endereços: mora no interior de Minas Gerais, onde começa a extrair pigmentos naturais usados em seus trabalhos; viaja para Paris, onde possui um apartamento; passa uma temporada em Ibiza; faz viagens pelo Pantanal, etc. Entretanto, no início da década 1970, ele vai para o sul da Bahia e conhece a cidade de Nova Viçosa a convite de Zanine Caldas. Lá, ele decide se estabelecer no Sítio Natura, onde passa a morar, onde constrói o seu ateliê e aprofunda ainda mais seu contato com a natureza e as inspirações provenientes dele. 

Frans Krajcberg, Pierre Restany e Sepp Baendereck. (da esq. para a dir.)

Anos mais tarde, durante uma viagem de barco de trinta e dois dias pelo Rio Negro, na região Amazônica, Krajcberg, o crítico de arte e seu amigo Pierre Restany e o artista Sepp Baendereck escrevem o Manifesto do Rio Negro do Naturalismo Integral que daria origem a expressão ‘naturalismo integral”, que talvez melhor defina o que, de fato, Krajcberg fazia. Sua obra é fruto de um processo abstrativo que apenas uma conexão intensa com a natureza seria capaz de conceber.  

Krajcberg era um artista multidisciplinar: escultor, pintor, gravador e fotógrafo. Mas é inegável que a escultura se tornou seu principal suporte a partir da década de 1970. Suas enormes esculturas em madeira calcinada, feitas a partir de uma matéria prima morta em queimadas, superam largamente a escala humana, demonstrando que o objeto de Krajcberg ia muito além do humano. 

Esculturas inspiradas nas raízes das árvores do mangue.

Sua arte era, também, o melhor meio de transmitir uma mensagem engasgada a cada obra: um grito de socorro às riquezas naturais devastadas pelas ações humanas. Em 1992, ele foi uma das principais vozes artísticas ligadas à Conferência para o Clima da ONU sediada no Rio de Janeiro e colocou a própria produção artística em prol do ativismo. 

Para Matos, “a possibilidade de interpretação da obra de Krajcberg é muito extensa”. Talvez por ele ser um ser humano de conhecimentos e interesses igualmente extensos. Ele era um artista-ecólogo ou um artista-militante, usava suas obras para exprimir algo maior, uma preocupação maior. Krajcberg dedicou a vida à arte e sua arte à natureza e, assim, seguiu até a sua morte em 2017: abstraindo, produzindo e denunciando.

Serviço:

Frans Krajcberg: por uma arquitetura da natureza

Local: MuBE 

Endereço: Rua Alemanha 221, Jardim Europa – São Paulo

Data: De 8 de maio a 31 de julho de 2022

Funcionamento: Quarta a domingo, das 11h às 17h

Ingresso: Grátis

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