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Nos despedimos da alemã Rebecca Horn, artista experimental da arte-cinética

Lembramos aqui de sua extensa carreira, seus trabalhos artísticos e exposições mais emblemáticas, para você conhecer essa alemã que influenciou tanto a nossa geração

por Carolina Reis
5 minuto(s)

“Cutting one’s hair with two pairs of scissors simultaneously” [Cortando um cabelo com dois pares de tesoura simultaneamente], 1974/75.

É com imensa tristeza que nos despedimos de Rebecca Horn, que faleceu na última sexta-feira aos 80 anos de idade, em Bad König, pequena cidade perto de Frankfurt, onde mantinha uma fundação cultural desde 2004, a “The Moontower Foundation”, e escolheu trabalhar até os seus últimos dias. A informação foi confirmada nas últimas horas pela galeria que a representava em Nova Iorque, a Sean Kelly.

Nascida em 1944, em uma Alemanha derrotada pela Segunda Guerra Mundial e envergonhada pelo que havia causado no mundo. Esse contexto moldou o jeito que a artista enxergava o mundo. Ela contou: “Não podíamos falar alemão. Os alemães eram odiados. Nós tivemos que aprender francês e inglês imediatamente. Nós estávamos sempre a viajar, a falar outra coisa qualquer. Mas eu tive uma governanta romena que me ensinou a desenhar. Eu não precisei desenhar em alemão, francês ou inglês. Eu podia simplesmente desenhar”. Relatou depois que: “Quando se está muito isolado ou sozinho, tem-se esse tremendo anseio por comunicação, e também esse forte desejo de se comunicar através do corpo”.

Rebecca Horn, “Pencil Mask” [Máscara lápis], 1972. Imagem: VG Bild-Kunst, Bonn, 2022.

Desde muito nova a alemã já desenvolvia práticas experimentais em múltiplas linguagens, tais como performance, escultura, instalação e desenho. Com 20 anos, a artista morava em Barcelona quando precisou ser hospitalizada como consequência de trabalhar com fibra de vidro sem proteção adequada. Nesse mesmo ano, ela perdeu seu pai.

Durante esse período de internação, começou a criar suas primeiras esculturas corporais, costurando enquanto permanecia na cama, um capítulo de sua história que impactou toda a sua trajetória criativa. A partir desse momento, ela começou a explorar temas relacionados ao corpo, pensando na arte em sua extensão e na mecanização desse corpo, que é também povoado por contradições. 

Na década de 1970, Horn mudou-se para Nova Iorque, onde conviveu com outros artistas como Richard Serra e Gordon Matta-Clark no SoHo, bairro de efervescente cultura vanguardista da época. Lá ela passou a documentar suas performances, prática que já carregava de experiências da década anterior, mas que tomaram novas dimensões ao aliar-se às técnicas de fotografia e filme que surgiam.

Rebeca Horn. “Mit beiden Händen gleichzeitig die Wände berühren” [Toque nas paredes com as duas mãos ao mesmo tempo], 1975. Coleção particular Rebecca Horn.

Conhecida por ser uma estudiosa apaixonada, o filme entra na sua vida também como referência, como é o caso de Pier Paolo Pasolini, diretor que Rebecca Horn admirava profundamente. Ao longo de sua carreira, dirigiu diversos filmes inspirados em textos de Franz Kafka, Jean Genet, filmes de Luis Buñuel e flertou com ideias do teólogo Johann Valentin Andreae, que escreveu sobre a Cidade do Sol, bem como de Christian Rosenkreutz e Raymond Roussel, responsáveis por despertar o interesse de Horn pelo absurdo, pela alquimia e pelas máquinas surreais, que ela passa a construir junto ao seu corpo.

Um exemplo desse fascínio pelo misterioso, por tudo o que pode parecer mágico ou causar estranhamento está na série de trabalhos envolvendo máquinas inventadas por ela, como “The Iron Lady[A Dama de Ferro], de 1972, “The Feathered Prison Fan” [O Leque-prisão com penas], de 1978 e a instalação Spiell [Jogo], de 1980. Ela pode ser considerada uma precursora da arte cinética, investigando-a na chave do autômato, interface entre corpo e tecnologia que hoje é tão discutida.

Rebecca Horn, “The Feathered Prison Fan” [O Leque-prisão com penas] presente em “Der Eintänzer” [O Gigolô], 1978, filme 16mm.

Horn relatou: “Para mim, todas estas máquinas têm alma porque agem, mexem, tremem, desmaiam, quase desmoronam e voltam à vida novamente. Não são máquinas perfeitas… Interesso-me pela alma de uma coisa, não pela máquina em si. Eu trabalho perto do meu técnico, que realmente constroi as máquinas, mas sei como elas vão parecer e funcionar. É a história entre a máquina e o seu público que me interessa.”

A artista participou três vezes da Bienal de Veneza e foi, em 1972, a mais jovem participante da Documenta de Kassel, com apenas 28 anos, ocasião na qual expôs seu Unicórnio, um vestível e um capacete com chifre vertical.

Rebecca Horn, “Unicorn”[Unicórnio], 1970-2

Já em 2010 ela organizou sua primeira exposição no Brasil, a “Rebelião em Silêncio” no CCBB do Rio de Janeiro e também de São Paulo. A mostra reuniu 18 instalações de tamanhos variados além de seis vídeos com suas performances. As obras abordaram a violência em relação ao corpo e esse corpo em relações com objetos, trazendo esculturas como Concerto para Anarquia, na qual um piano suspenso parece cuspir suas teclas e Amor e Ódio, com facas que duelam.

Rebecca Horn, “Concerto para Anarquia”, 1990.

Aos 80 anos de idade, em plena atividade, a alemã continuava comovida pelas mazelas do mundo e se manteve uma curiosa, apaixonada por conhecer e dividir histórias. Junto com a artista Jannis Kounellis, criou a The Tower of the Nameless [A Torre dos Sem Nome], em Viena, dedicada a refugiados do conflito na Iugoslávia. 

Sobre esse trabalho, ela conta: “O metrô de Viena estava povoado pelos refugiados da guerra. Essas pessoas abandonadas estavam escondidas nas portas e túneis do metrô. A energia de um tipo especial de música estava presente em todos os lugares. Essas pessoas, de alguma forma, ainda precisavam se articular – não mais com um grito nem através da sua língua, tudo o que lhes restava era a sua música. Essa era a única maneira de expressarem a dor; eles não falavam alemão, não tinham passaporte, identidade, estavam a fugir.”

Rebecca Horn influenciou as gerações seguintes e, em vida, pôde difundir seu trabalho e enxergar o mundo evoluindo em pautas que provocara décadas antes. Ela nos deixa, mas suas criações continuarão a dançar pelos espaços que habitamos, uma vez que carregamos centelhas de suas obras em nossas inspirações dentro da arte contemporânea.

Imagem de Chris Felver, “Retrato de Rebecca Horn, Zellbad-König, Alemanha”, 1989.

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