Depois de longos meses de espera, os museus brasileiros finalmente reabriram para receber o público de acordo com toda as normas de segurança para evitar o contágio do COVID-19. Programada inicialmente para março deste ano, a retrospectiva Antonio Dias: Derrotas e Vitórias apresenta um importante e representativo panorama do trabalho de um dos artistas mais importantes e consistentes da arte brasileira, cuja produção é marcada pelo engajamento social e político, e de ironia e sensualidade.
Mas esta não é uma retrospectiva qualquer: Dias faleceu em Agosto de 2018, mas deixou o seu legado muito bem cuidado e organizado – ao colecionar o seu próprio trabalho o artista se certificou que obras importantes de sua carreira ficariam juntas. “Ao ver essas obras nesse conjunto, colecionado pelo próprio artista, é possível perceber a consistência com que o Antonio Dias atravessou 60 anos criando uma arte que esteve o tempo inteiro engajada com o seu próprio tempo”, explica o curador Felipe Chaimovich.
A exposição é organizada cronologicamente, só que de trás para frente. Desta forma, o público é recebido pelas telas que ele pintou nos anos 2000. Mas não sem antes passar por um boneco fálico, formado por um duplo tridente, que se move a partir de um sensor de presença, assustando muitos e divertindo outros.
A mostra termina no início da carreira dele apresentando abstrações do jovem artista feitas logo após seu estudo inicial com o gravurista Oswaldo Goeldi. Em seguida, o público pode ver a colorida e vigorosa produção dos anos 1960: Antonio Dias era um dos integrantes da chamada Nova Figuração brasileira, movimento que reunia artistas que estavam produzindo intensamente nos anos 1960. São trabalhos marcados por uma resistência às tradições de pinturas abstratas e geométricas que protagonizaram em mostras e publicações do período. No entanto, apesar do interesse pela estética da pop art americana e das histórias em quadrinhos; pelos elementos populares; e, pela cultura de massa, as experiências dos artistas da Nova Figuração ou “pop arte brasileira” foram completamente diferentes das estadunidenses. Antonio Dias e seus companheiros estavam impactados pela ditadura militar e pela opressão política. Por isso, criaram obras de forte cunho político.
Trata-se também do período em que os artistas brasileiros rompem com o quadro! Negam sua estrutura tradicional, criando relevos e formas espaciais ou ambientais – movimento que culminaria na chamada Nova Objetividade Brasileira. “Antonio Dias teve uma grande importância na história da arte brasileira na medida em que ele introduziu questões éticas, políticas e sociais, influenciando uma geração que até então estava centrada em discussões formais. Ele direciona o debate estético para questões prementes da história do Brasil, como o golpe militar de 1964”, explica o curador Felipe Chaimovich. Uma obra importante do período que está na mostra é “Nota sobre a morte imprevista”, feita no ano do golpe militar no Brasil, e citada por Hélio Oiticica como um “antiquadro” que apresenta uma nova abordagem do problema do objeto, não subtraindo questões sociais em meio às formais.
Em 1968 Antonio Dias mudou-se para Paris e, em seguida, viveu em Milão. A mudança acabou fazendo com que ele questionasse a produção e se aproximasse de expoentes da chamada arte povera e do conceitualismo europeu. A partir de então o artista passa a fazer
A partir desse momento, as imagens viscerais foram substituídas por obras rígidas, quase sempre em preto e branco – o que intensificou seu carácter enigmático – e com palavras e frases significativas. Neste período, marcado pelo ápice da violência da ditadura brasileira, o artista chegou a mencionar que fazia trabalhos negativos para um país negativo. Ou seja: ele entendia essa produção não só como uma discussão de linguagem, mas como uma espécie de luto estético!
As séries dessa época são marcadas também por trabalhos que envolvem questões de territorialidade e a vivência do estrangeiro. Vale lembrar que o artista sempre esteve neste lugar pois mudou-se de Campina Grande, na Paraíba, para o Rio de Janeiro ainda muito jovem. Da mostra, vale destacar a obra “Anywhere is my land”, criada em 1968 – ano do AI5 e também quando ele vai para Paris. Pouco depois no período na Itália, Antonio Dias muda-se para Nova York e, entre 1971 e 1972, investe na produção de filmes!
O ano de 1977 também é decisivo: é quando o artista vai para o Nepal e lá começa a trabalhar na confecção de papéis – não perca a instalação maravilhosa com papéis feitos pelo artista no país asiático. A relação com os materiais, deste de então, mudou completamente e ele nas décadas seguintes ele passa a fazer pintura explorando pigmentos minerais como a malaquita ou um carbono ou até veneno, “que tem uma cor própria”, brinca o artista. O título da exposição foi pensado a partir da videoinstalação “Derrotas e vitórias (para Bento)” com 3 canais criada pelo artista em 2006.
Antonio Dias Vitórias e Derrotas
Data: De 14 de outubro de 2020 até 21 de março de 2021
Local: MAM SP
Endereço: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n° – Parque Ibirapuera
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