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Você já olhou para uma imagem e imediatamente soube que foi criada por uma IA? Isso acontece porque esses sistemas dependem de bancos de dados que acabam gerando padrões recorrentes, que denunciam seu processo de aprendizado e também revelam as ideologias por trás das amostras recolhidas para gerar aquele resultado.
Um exemplo de popularização tardia de uma ferramenta de Inteligência Artificial – se referindo aos algoritmos criados para ler padrões a partir de uma fonte de dados ampla, como o Chat GPT da Open AI – já existia muito antes da sua liberação ao público na versão gratuita, em 2022. Entenda mais sobre o contexto prévio das IAs no circuito de arte.
A discussão pode ser regulamentar, mas engloba aspectos múltiplos, tais como a estética no digital, áreas tradicionais como a conservação e o restauro, bem como o estatuto da autoria, que estão sendo redefinidos a partir dessas ferramentas que dividem opiniões e têm o potencial de transformar nossa relação em um mundo de circulação massiva de informações.
Pensando nisso, trouxemos eventos determinantes nos últimos anos que podem nos ajudar a pensar nas IAs inseridas no contexto da arte atual.
Vendas de obras com o uso de IAs
Em outubro de 2018, a casa de leilões Christie’s vendeu a obra “Portrait of Edmond de Belamy”, criada por um algoritmo de inteligência artificial desenvolvido pelo coletivo francês Obvious. A pintura foi arrematada por US$ 432.500, valor significativamente superior à estimativa inicial de US$ 7.000 a US$ 10.000. Este evento marcou a primeira vez que uma obra gerada por IA foi vendida em um leilão de arte tradicional. A partir daí, foi provocado um boom comercial que assistimos surgir e desacelerar, assim como aconteceu com as NFTs mais recentemente.
Diferente dessas últimas, as IAs não foram descredibilizadas completamente, fruto do trabalho constante de artistas como Refik Andol, um exemplo da inserção no contexto da arte contemporânea, buscando respaldo em instituições do circuito como estratégia para se legitimar. A defesa pela estética autoral, ainda que alimentada por bases de dados, é um argumento dos artistas que defendem uma regulamentação que não restrinja a liberdade criativa.
Mesmo assim, desde então, alguns artistas têm se posicionado cada vez mais incisivamente contra o uso não regulamentado de seus trabalhos para treinar IAs. Algo que começou como um movimento nas redes sociais, culminando em uma carta aberta de repúdio assinada por mais de 4 mil artistas em fevereiro deste ano, após esta mesma casa de leilões anunciar seu primeiro evento focado apenas na venda de arte feita por IA, marcado para 20 de fevereiro.
Precedentes jurídicos
A questão da propriedade intelectual em obras geradas por inteligência artificial (IA) tem sido amplamente debatida, mas não o suficiente para regulamentar de forma segura, com legislações, as práticas envolvidas no seu exercício.
Em agosto de 2023, um tribunal em Washington, D.C., decidiu que obras criadas exclusivamente por IA, sem intervenção humana, não podem ser protegidas por direitos autorais nos Estados Unidos.
O caso envolveu o cientista da computação Stephen Thaler, que buscava registrar uma imagem gerada por seu sistema de IA, conhecido como “Creativity Machine”. O Escritório de Direitos Autorais dos EUA negou o pedido, argumentando que a legislação atual exige autoria humana para concessão de direitos autorais. Mas o que seria essa intervenção humana, já que as ferramentas são, também, criadas e responsivas a comandos humanos – os chamados prompts?
Mais recentemente, em outubro de 2024, um tribunal regional em Hamburgo, Alemanha, rejeitou a ação do fotógrafo Robert Kneschke contra a organização Laion. Kneschke alegando o uso não autorizado de sua fotografia em uma base de dados para treinamento de IA. O tribunal concluiu que o uso não comercial para fins científicos, como a mineração de dados (em inglês, data mining – é o processo de encontrar anomalias, padrões e correlações em grandes conjuntos de dados para prever resultados ou padrões de consumo), está amparado pela lei alemã de direitos autorais.
O desafio é proteger o artista sem limitar novas possibilidades de criação.
Estes são precedentes importantes, mas provam ainda mais a necessidade de atualização legislativa diante dos avanços tecnológicos. Se trata de um campo da advocacia que se empenha para evoluir no passo dos efeitos da tecnologia no campo da arte, ainda que este não seja um assunto inédito. As discussões, também massificadas devido ao contexto das redes sociais, beneficiam esse processo de regulamentação das normas de uso e comercialização de obras de arte feitas com IAs.
Outros aspectos devem pesar nesta discussão, como o impacto ambiental dessas tecnologias, que demandam grandes centros operacionais para processar dados.
Não podemos nos esquecer das possibilidades de novos caminhos de atuação na preservação e monitoramento de patrimônios culturais em todo o mundo. Iniciativas como o HeritageWatch.AI, lançada em fevereiro de 2024, utilizam imagens de satélite de alta resolução e modelagem 3D para fornecer informações em tempo real sobre locais históricos. Esse projeto é patrocinado por grandes empresas e não divulga publicamente os dados dos patrimônios que monitora, prática comum no universo das Start Ups de Inteligência Artificial.
No Brasil, pesquisas conduzidas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também em 2024 desenvolveram métodos automatizados de catalogação digital de objetos museológicos utilizando algoritmos de IA.
Este artigo inaugura uma série que organizaremos debatendo o advento das Inteligências Artificiais no contexto da arte contemporânea. Se inscreva em nossa Newsletter para receber mensalmente discussões como esta.
A cada mês, apresentaremos obras de arte essenciais para este recorte, bem como reflexões que acompanham a temática para entender se estamos atravessando uma revolução, ou se as IAs passarão a ser um assunto ultrapassado. Você acredita que existe um caminho entre estes, em que transformamos para acomodar as mudanças?