Home EditorialArtigos Andróides sonham com Pablos Picassos?: o que ver de bom no debate sobre Inteligência Artificial na arte

Andróides sonham com Pablos Picassos?: o que ver de bom no debate sobre Inteligência Artificial na arte

A polêmica ideia distópica de que “robôs artistas” irão substituir humanos na criação de obras de arte é algo obsoleto comparado aos benefícios que o uso consciente da IA na arte pode trazer

por Jamyle Rkain
A robô Ai-Da em seu ateliê.

É impossível falar de inteligência artificial sem que alguém ligue o assunto automaticamente ao desenvolvimento de robôs. Se falarmos do uso da inteligência artificial na arte, pior ainda. Isso porque sempre há de ser alarmado um cenário no qual andróides substituirão o artista na criação de uma obra. Desta forma, sempre entramos em uma situação que gera mais polêmica e pontas soltas do que em um caminho que beneficie de fato o fazer artístico, que sejam vantajosos para o sistema da arte em seu todo.

É claro que desvincular o tema desse recorte e considerar outra abordagem não é tão fácil assim, não é óbvio. Especialmente quando vemos a imprensa bombardear com certa frequência matérias que falam sobre robôs que pintam e fazem esculturas. É o caso, por exemplo, da robô Ai-Da, criada pelo empresa Engineered Arts, que chegou inclusive a ganhar uma exposição de seus trabalhos na Universidade de Oxford. Quando uma das maiores casas de leilões do mundo, a Christie’s, vende por mais de US$ 432 uma obra de arte criada por um algoritmo de IA, o assunto também efervesce. No caso, a obra Portrait of Edmond Belamy, criada por Generative Adversarial Network (GAN) pelo coletivo Obvious. A partir daí, cair no lugar comum de discutir que o que um robô faz não é arte porque ele não é portador de sensibilidade, capacidade de questionamento, senso crítico e racionalidade é algo bastante sedutor!

Ai-Da posa em frente a uma de suas telas.

Na verdade, essa questão de ter andróides criando telas ou objetos de arte não parece ter muito a ver com o desenvolvimento da arte. A verdade é que isso tem a ver com o desenvolvimento dos próprios andróides, com a evolução das tecnologias que são implantadas neles, dando a esses robôs novas funções. Mas também é interessante e até divertido acompanhar a disputa de direitos autorais pela obra criada que isso gera. Afinal, quem é o autor da obra? O robô ou seu criador que o programou para que fizesse certo tipo de movimento com o pincel e utilizasse determinada cor naquele ponto da obra?

Existem, porém, outros debates que merecem nossa atenção nesse tema arte e inteligência artificial, e que não passam pelo sequestro apocalíptico de um mundo distópico Dickiano no qual o processo criativo e o fazer artístico são sequestrados por robôs com olhos e mãos. Até porque é bom lembrar que, como falamos lá no começo deste texto, é automático que o assunto “inteligência artificial” caia em robôs, andróides e carros voadores… Mas a inteligência artificial não é só isso.

Obra da exposição Faceless Portraits Transcending Time, uma colaboração entre um IA chamado AICAN e seu criador, Dr. Ahmed Elgammal

A inteligência artificial pode ser bastante benéfica para o desenvolvimento da arte, funcionando como uma ferramenta que facilite o trabalho do artista. É o que defende o Fabrizio Augusto Poltronieri, artista e professor do Instituto de Tecnologias Criativas da De Montfort University, em Leicester, na Inglaterra. Ele, que também é diretor do laboratório e do grupo de pesquisa “Creative Artificial Intelligence” na universidade, participou de uma live realizada em julho de 2020 pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na qual explicou um pouco do que faz parte de seu interesse no assunto nos últimos 10 anos e das pesquisas que são encaminhadas no laboratório e no grupo que dirige há pelo menos 3 anos. A conversa teve mediação de Lucia Santaella e participação do também artista e professor-pesquisador Clayton Policarpo.

“O que me interessa realmente e o que eu acho que é o estado da arte da produção e da pesquisa sobre inteligência artificial e criatividade é o desenvolvimento de métodos, de metodologias de fazer artístico, de fazer criativo, onde a inteligência artificial funciona como um colaborador em tempo real para os artistas”, explica. Poltronieri declarou que particularmente não acredita em uma substituição da mente humana ou do fazer humano por um “fazer maquínico”. Para ele, pode ser que isso ocorra em um futuro distante, então esse é um tipo de preocupação que não o incomoda.

Os projetos de Poltronieri buscam dar ênfase à criação de sistemas que façam com que os seres humanos intensifiquem e desenvolvam de melhor forma a sua criatividade, se afastando completamente de ideias que promovam uma substituição do homem pela máquina ou que vão automatizar tarefas. Ele pontua que falar sobre automatização de tarefas pela inteligência artificial fere tanto, principalmente artistas, porque “as pessoas têm que a arte ou as atividades lúdicas ou atividades estéticas são o que realmente nos tornam humanos, o que nos diferenciam, o que é mais caro, mais importante para nós”.

Portrait of Edmond Belamy, criado a partir de GAN (Generative Adversarial Network), pelo coletivo Obvious.

Por isso, ele explica, os trabalhos que eles realizam em De Montfort University estão preocupados em desenvolver tecnologias que criem em conjunto com os seres humanos. São tecnologias que, principalmente, desafiem os seres humanos criativamente. Para ser mais exato, o que tem sido produzido são “canais semióticos de trocas de signos em tempo real entre a mente humana e a forma de mente que existe em algoritmos e estratégias de IA”.

“Então, essa pra mim é a grande questão. De resto, o que tenho visto como o que as pessoas falam de estado da arte em IA, 85% a 90% das costas eu sinceramente tenho pouco interesse. Porque o que nós vemos hoje são exatamente automação de produção de imagens, automação de produção de músicas”. Poltronieri acredita que se olharmos para a História da Arte muito desse tipo de produção, principalmente da produção visual, já foi feita em algum momento, são estilos e técnicas que já foram desenvolvidos por grandes artistas e que são replicados pela maioria das pessoas hoje utilizando algoritmos.

Desta forma, é importante considerar essas tecnologias criadas a partir de IA que são voltadas a uma colaboração com o artista, não a uma concorrência entre máquinas e humanos. Compreender e fazer o uso da inteligência artificial como estimulantes e também agregadores do processo artístico é algo bem vindo e frutífero.

Assista, clicando aqui, à conversa realizada pela PUC na íntegra.

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